OBESIDADE & GÊNERO
Trabalho de faxineira não é leve aos olhos do Direito Previdenciário, decide TRF-4

Reprodução Diarista Online
Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)
O Enunciado 47 da I Jornada de Direito da Seguridade Social, do Conselho da Justiça Federal (CJF), diz que nas ações previdenciárias, em que for parte ativa uma mulher, o juiz deve valorar a prova médica em consonância com o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O objetivo: rechaçar conclusões que tratem das atividades domésticas e de cuidado como improdutivas ou como tarefas leves; isto é, como se não demandassem esforço físico médio ou intenso.
Com a força deste entendimento, a 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) reformou sentença da Vara Única de Abelardo Luz (SC) que negou a concessão de auxílio-doença a uma faxineira obesa que padece de síndrome do túnel do carpo (STC) que a torna inapta para o trabalho.
A Vara pertence à Justiça Comum catarinense e julga Direito Previdenciário por competência delegada da Justiça Federal.
Dores persistentes
Conforme o processo, a faxineira se queixa de dores em ambos os punhos, há mais de três anos, com diagnóstico de STC e correção cirúrgica em 2021 – mas sem melhora. Ela ainda fez tratamento com fisioterapia e medicação para dor (paracetamol + fosfato de codeína). Pela gravide do quadro, apresenta restrição para carregar peso e para atividades manuais, mesmo que em funções leves.
O laudo pericial concluiu, no entanto, que a autora da ação, dada à ausência de alterações significativas dos exames físicos, não apresentava incapacidade para o trabalho. Na verdade, os documentos mostram que as doenças informadas na petição inicial – síndrome do túnel do carpo, obesidade grau III, cisto artrossinovial e epicondilite medial – não levavam à incapacidade naquele momento ou em data anterior. Ou seja, estas patologias se mostravam controladas pelo tratamento já realizado, sem agravamento do quadro médico. Assim, não poderia se falar em afastamento do trabalho.
‘‘Verifica-se, assim, que não apresenta a parte autora moléstia que a incapacite ao exercício das suas atividades laborativas, razão pela qual deve prevalecer a decisão administrativa que negou o benefício’’, sintetizou, na sentença de improcedência, o juiz substituto William Borges dos Reis

Des Paulo Afonso Brum Vaz foi o relator
Foto: ACS/TRF-4
Perspectiva de gênero
O relator da apelação no TRF-4, desembargador federal Paulo Afonso Brum Vaz, disse que o médico que assinou o laudo pericial se esqueceu de mencionar o grau de obesidade mórbida da autora da ação – índice de massa corporal (IMC) de 45,91, em razão do peso de 125kg e altura de 1,65m.
Em face deste lapso – e amparado na jurisprudência da Corte regional –, Vaz lembrou que o julgador não está obrigado a se guiar pelas conclusões do laudo médico pericial, podendo discordar de forma fundamentada. Aliás, é o que prevê o artigo 479 do Código de Processo Civil (CPC).
Nesse passo, a seu sentir, a confirmação da sentença de improcedência se constituiria em séria violação ao Protocolo de Julgamento em Perspectiva de Gênero e reconhecido no Enunciado 47 da I Jornada de Direito da Seguridade Social do CJF.
‘‘Ademais, não se pode perder de vista que, diante desse quadro clínico, é evidente que a demandante não poderá exercer atividade laboral, pois não se pode obrigar o ser humano a trabalhar acometido de grave quadro álgico [dores constantes], aliado a todos os fatores de risco associados à obesidade mórbida, amplamente reconhecidos pela comunidade científica’’, cravou no acórdão.
Com isso, Vaz reconheceu a ‘‘efetiva incapacidade temporária para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, o restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária, desde a 15-10-2021’’.
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5003481-68.2022.8.24.0001 (Abelardo Luz-SC)
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