OMISSÃO DO EMPREGADOR
Professor recebe bilhetes homofóbicos, e escola é condenada a pagar danos morais no valor de R$ 40 mil

A ausência de discriminação na contratação de professores homossexuais não isenta a escola da responsabilidade em reprimir posturas e atitudes homofóbicas de alunos e pais, pois são condutas antijurídicas que maculam o meio ambiente laboral.

Nesse passo, a 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis condenou o Colégio Catarinense (Associação Antônio Vieira – ASAV) a pagar dano moral no valor de R$ 40 mil a um professor de arte vítima de tratamento discriminatório em razão de sua orientação sexual.

Segundo a juíza do trabalho Danielle Bertachini, a escola particular de não agiu adequadamente diante das ofensas homofóbicas – por meio de bilhetes – sofridas pelo reclamante em sala de aula, configurando dano moral. Ou seja, a conduta omissiva da escola violou direitos de personalidade assegurados no inciso X do artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem –, ensejando o dever de indenizar.

‘‘Tratou-se, pois, de conduta ilícita cometida no ambiente escolar, ainda que de forma omissiva e culposa pela reclamada [escola], a qual merece ser reprimida porquanto tratou-se de ato discriminatório nos termos do art. 3º, IV, da Constituição Federal, o que fere o princípio da igualdade previsto no art. 5º também da Carta Maior’’, disparou na sentença a julgadora.

Pedidos de amizade no Instagram

O caso teve início em 2023, quando, em determinada manhã, o professor estava ministrando aulas para turmas do ensino médio e começou a receber solicitações de amizade no Instagram. Ao perceber que os pedidos vinham de alunos da escola – e considerando que seu perfil na rede social era pessoal –, ele optou por recusá-los.

O dia de trabalho seguiu. Entretanto, ao longo de uma das aulas, o docente percebeu que a turma estava silenciosa, algo pouco comum. Foi quando, ao se aproximar de sua mesa, encontrou diversos bilhetes contendo termos de cunho homofóbico, com tipo de papel e escrita que remetiam a bilhetes utilizados em uma performance artística publicada por ele no YouTube.

No vídeo, o autor elenca em pequenos papéis os insultos comumente dirigidos a pessoas da comunidade LGBTQIA+. Ao final, bate os papéis com água em um liquidificador e bebe o produto, encenando uma crítica à homofobia presente na sociedade.

Dispensa sem explicações

Apesar do abalo emocional, o professor continuou a aula. Seu intuito, conforme relatado no processo, era recolher os bilhetes e, posteriormente, mostrá-los à coordenação da escola, aproveitando o momento para despertar nos alunos o debate acerca da importância do respeito e combate a atitudes discriminatórias.

Entretanto, no mesmo dia, além de perceber ‘‘olhares de deboche nos corredores’’, o professor foi chamado por uma funcionária ao Setor de Recursos Humanos (RH). Lá, recebeu a notícia de que seu contrato de experiência não seria renovado.

Mesmo após questionar o motivo da dispensa, o professor não obteve explicações claras. O fato lhe chamou a atenção, pois dias antes havia recebido elogios da coordenadora da escola por meio de mensagem.

Ação reclamatória

Passado o episódio, o profissional ingressou com uma ação reclamatória na Justiça do Trabalho, solicitando indenização por danos morais, alegando que o colégio não tomou medidas adequadas diante das ofensas homofóbicas. Também argumentou que a decisão de não renovar seu contrato ocorreu em razão da repercussão, especialmente entre pais e alunos, do trabalho artístico publicado no YouTube.

Já a instituição mantida pelos padres jesuítas, em sua defesa, argumentou que a dispensa do professor ocorreu no exercício do ‘‘direito potestativo’’ do empregador de não renovar o contrato de experiência.

Alegou, ainda, que a decisão foi baseada em relatos sobre a ‘‘inabilidade do docente’’ para lidar com conflitos com os alunos do ensino médio – que, em tese, seriam ‘‘mais questionadores’’ –, e não por qualquer motivo discriminatório.

A ré também argumentou que possui outros professores homossexuais no quadro de docentes, o que seria incompatível com a postura da qual estava sendo acusada.

Juíza Danielle Bertachini
Captura Instagram

Tratamento discriminatório

Ao analisar o caso na 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis, a juíza Danielle Bertachini acolheu o pedido do autor para indenização por danos morais, arbitrando a reparação em R$ 40 mil.

Na sentença, a magistrada observou que a escola não apresentou justificativas plausíveis para não renovar o contrato do docente, especialmente por não ter oferecido feedbacks ou chances de melhoria quanto à suposta ‘‘inabilidade’’ com os alunos.

A escola já recorreu da condenação ao Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina) por meio de recurso ordinário, ainda pendente de julgamento.

Protocolos para julgamento sem discriminação 

Em agosto deste ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) lançaram os protocolos para julgamentos sem discriminação, documentos que orientam a magistratura sobre como considerar diversidade, inclusão e trabalho escravo e infantil em suas decisões.

As orientações propõem um olhar sem vieses ou preconceitos e com observação aos processos históricos e culturais de desigualdade. Além disso, há diretrizes para servidores e servidoras e recomendações para advogados e advogadas.

Foram lançados três protocolos: Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva da Infância e da Adolescência; Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva de Enfrentamento do Trabalho Escravo Contemporâneo; e Protocolo para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva, que aborda as questões de gênero e sexualidade, raça e etnia e pessoa com deficiência e idosa. Redação Painel de Riscos com informações de Carlos Nogueira, da Secretaria de Comunicação Social (Secom)/TRT-12.

Clique aqui para ler a sentença

Clique aqui para assistir à performance no Youtube

ATOrd 0000601-31.2023.5.12.0037 (Florianópolis)