RELAÇÃO ABUSIVA
Juíza condena casal a pagar R$ 800 mil à doméstica mantida em trabalho escravo por 30 anos
A 30ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou casal que manteve, por mais de 30 anos, uma trabalhadora doméstica em condição análoga à escravidão. O casal terá de pagar um total de R$ 800 mil em salários atrasados, verbas a que a vítima tem direito pelo período que prestou serviços à família sem receber nenhum vencimento, verbas rescisórias, além de indenização por dano moral individual e coletivo.
A sentença foi proferida pela juíza do trabalho Maria Fernanda Zipinotti Duarte. Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo).
Muito trabalho, nenhum salário
Segundo depoimento da vítima, ela foi procurada no abrigo em que morava para trabalhar como empregada doméstica na residência do casal e para cuidar do filho pequeno em troca de um salário mínimo por mês. Mas nunca chegou a receber pagamento pelo trabalho, nem usufruiu de férias ou períodos de descanso. Entre suas obrigações, estavam limpar a casa e servir as refeições para toda a família dentro de uma jornada que se iniciava às 6h e terminava além das 23h.
A ação civil pública (ACP) foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), com base em denúncia feita pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas-Mooca) após pedido de ajuda feito pela idosa a outra entidade assistencial da Prefeitura de São Paulo. Uma primeira tentativa de receber auxílio ocorreu em 2014 na mesma instituição.
Na ocasião, houve uma conversa com os patrões, sendo acordado que eles registrariam o vínculo de emprego da vítima e pagariam os créditos trabalhistas devidos – o que nunca foi cumprido.
‘‘Ambiente familiar acolhedor’’
O casal se defendeu no processo, alegando que mantém laços familiares com a mulher, lhe proporcionando ambiente familiar e acolhedor por anos. Sustentou que a vítima tinha total liberdade de ir e vir, mas que, por opção própria, saía pouco de casa. Disse que retiraram a doméstica de situação de rua, resgatando-lhe a dignidade e garantindo-lhe afeto. E negou o trabalho em condição análoga à escravidão, considerando a ação judicial ‘‘um exagero’’. Além disso, a doméstica tinha precisava: casa, comida, roupas, calçados e dinheiro para cigarros e biscoitos.
‘‘O labor em condição análoga à escravidão assume uma de suas faces mais cruéis quando se trata de trabalho doméstico. Por óbvio, a trabalhadora desprovida de salário por mais de 30 anos não possui plena liberdade de ir e vir. Não possui condições de romper a relação abusiva de exploração de seu trabalho, pois desprovida de condições mínimas de subsistência longe da residência dos empregadores, sem meios para determinar os rumos de sua própria vida’’, ressaltou a magistrada.
Na sentença, a juíza reconheceu o vínculo de emprego entre a idosa e o casal de janeiro de 1989 a julho de 2022 na função de empregada doméstica, com salário mensal de R$ 1.284 (salário mínimo à época da rescisão). E determinou que os réus registrem a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) da empregada, independentemente do trânsito em julgado da decisão, sob pena de multa diária de R$ 50 mil reversível à idosa. Com informações da Secretaria de Comunicação (Secom) do TRT-2.
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ACPCiv 1000904-62.2022.5.02.0030 (São Paulo)