SLUT SHAMING
TRT-RS condena empregador que tachou de vulgar roupa de funcionária em evento
Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)
Repreender uma mulher pelas suas vestes no ambiente de trabalho, na frente dos colegas, configura estereótipo de gênero e ofende direitos de personalidade assegurados no artigo 5º, inciso X, da Constituição (intimidade, vida privada, honra e imagem).
Assim, uma agente de combate a endemias, contratada pela Fundação Municipal de Saúde de Santa Rosa (FUMSSAR), conquistou o direito de ser indenizada em danos morais, no valor de R$ 5 mil, por ter sido advertida pelo seu chefe quando se apresentava para um evento oficial com nó na camiseta. Ele tachou de ‘‘vulgar’’ as vestes dela e de sua colega – que não integra o polo ativo nesta reclamatória.
A decisão é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul), ao manter sentença da 1ª Vara de Santa Rosa, que havia arbitrado o quantum indenizatório em valor módico: apenas R$ 1,5 mil.
Perspectiva interseccional de gênero
‘‘A questão posta à apreciação do Juízo, notadamente em razão de fala que pode ser considerada tendente a reproduzir estereótipos vinculados ao gênero feminino (e que não se reproduzem, na mesma medida, ao masculino), exige que o julgamento seja levado a efeito com as lentes da perspectiva interseccional de gênero’’, observou a relatora dos recursos no colegiado, desembargadora Beatriz Renck.
Na percepção da magistrada, a expressão utilizada em relação à vestimenta de mulheres encerra ‘‘verdadeiro estereótipo de gênero’’, pois as classifica de acordo com a roupa, imputando-lhes, indiretamente, características negativas relacionadas à sua capacidade laboral.
Beatriz Renck destacou que esse comportamento no ambiente laboral foi referido em protocolo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que trata do julgamento com perspectiva de gênero: ‘‘A moral, o comportamento e a imagem das mulheres são colocados em julgamento pelos colegas de trabalho (slut shaming)’’.
O nó da camiseta
Na ação reclamatória, a autora informou que o lançamento da campanha contra a dengue, denominada ‘‘Dia D’’, foi realizado em praça pública cheia de gente. Disse que não obedeceu a ordem de desfazer o nó na camiseta porque considerou a conduta do chefe ‘‘arbitrária e abusiva’’, além de ‘‘ofensiva, preconceituosa e humilhante’’.
Ao pleitear indenização pelos danos morais sofridos, a petição destacou que ‘‘o sofrimento, a dor, o constrangimento, a humilhação, o desamparo, experimentados pela autora são ilegais e injustos diante dos princípios da proteção do trabalhador e da dignidade da pessoa humana’’.
Em sua defesa, a reclamada admitiu que o preposto da Fundação, antes de iniciar o evento, exigiu que a reclamante desfizesse o nó da camiseta. Afinal, em se tratando de evento oficial, este entendeu como ‘‘vulgar’’ as vestes, já que ela e os demais colegas servidores estavam representando a FUMSSAR.
Expressão inadequada
Para o juiz do trabalho Paulo Roberto Dornelles Junior, o conteúdo da determinação do superior das reclamantes, para ajuste do uniforme, foi razoável, no sentido de manter certo padrão de vestimenta em local público. No entanto, a forma como expressou esta determinação em contexto público revelou-se inadequada e causadora de abalo moral.
‘‘Este abalo, todavia, não justifica a atitude das reclamantes de não atenderem à determinação da chefia imediata. Embora seja compreensível potencial perplexidade diante da forma e dos termos utilizados, é certo que deveriam ter atendido à determinação. Em síntese, houve erro de parte a parte. Mas essa confluência de erros não exclui a existência de abalo moral pelos termos e pela forma utilizados pela chefia imediata’’, escreveu na sentença, arbitrando a reparação em R$ 1,5 mil.
Recursos ordinários
Insatisfeitas com o teor da sentença da 1ª Vara de Santa Rosa, as partes entraram com recurso ordinário trabalhista (ROT) no TRT-RS. A reclamante, reiterando as alegações da petição inicial, pediu aumento do valor indenizatório.
A reclamada, por sua vez, insurgiu-se quanto à ilicitude de sua conduta. Confirmou que chamou a atenção da agente em frente aos colegas para que desamarrasse nó da camiseta antes do início do evento, negando a existência de qualquer lesão a direito de personalidade. Argumentou que a reclamante abalou-se mais pela abertura do processo de sindicância – em que o chefe foi inocentado – e por ter sofrido advertência por insubordinação em outra ocasião.
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ATOrd 0020567-62.2021.5.04.0751 (Santa Rosa-RS)
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