SUSPEITA DE CONTRAFAÇÃO
Indústria terá de pagar R$ 2,8 milhões por abusar de cautelares e prejudicar concorrente

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O Código de Processo Civil (CPC)  adotou a teoria do risco-proveito ao estabelecer que o beneficiado com o deferimento da tutela provisória deve arcar com os prejuízos causados à parte adversa, sempre que a sentença lhe for desfavorável, cesse a eficácia da medida ou o juiz acolha a prescrição, como prevê o artigo 302.

Movida por este fundamento, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) confirmou sentença que determinou o pagamento de R$ 2,8 milhões, a título de reparação material, a uma indústria de móveis prejudicada pela concorrente na Comarca de Bento Gonçalves. A ré, sob o argumento de defender a patente de seu produto, pediu e obteve medida liminar que impediu o concorrente de fabricar o seu produto – tábua de passar roupa –, mas saiu perdedora no final dos três processos.

‘‘Na espécie, o deferimento das cautelares, bem como as sentenças de improcedência dos pedidos formulados nas ações 005/1.03.0002434-6 e 005/1.03.0002449-4 e extinção da ação nº 005/1.08.0004363-3 representam fatos incontroversos nos autos Portanto, tendo ocorrido a concessão e efetivação das tutelas provisórias, posteriormente revogadas, resta caracterizada a hipótese prevista art. 302, inciso I do CPC’’, escreveu no acórdão o desembargador-relator Carlos Eduardo Richinitti, mantendo integralmente os termos da sentença.

Ação indenizatória

Politorno Móveis Ltda ajuizou ação indenizatória pedindo o ressarcimento de prejuízos suportados em decorrência de três ações judiciais movidas contra si pela concorrente D’itália Móveis Industrial Ltda – ambos os litigantes sediados no polo moveleiro de Bento Gonçalves, na Serra gaúcha – pela prática de contrafação (falsificação) de desenho industrial. O objetivo era impedir que a Politorno comercializasse um produto cujo modelo de utilidade foi patenteado pela empresa D’itália perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

As duas primeiras ações foram julgadas procedentes no primeiro grau para condenar a ré, naquele processo, a se abster de produzir o produto protegido por patente e a indenizar a autora em valor a ser apurado em liquidação de sentença. Estas sentenças, entretanto, acabaram modificadas no segundo grau, pois o TJ-RS julgou as demandas ajuizadas pela D’itália Móveis Industrial Ltda improcedentes.

A D’Itália ainda tentou recurso especial (REsp) ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas o TJ-RS negou seguimento; e o agravo não foi conhecido. Por fim, a terceira ação acabou extinta na origem, por apresentar identidade de partes e pedido iguais  de ações anteriores. Neste caso, a consequência jurídica é a extinção do processo, sem resolução de mérito, a teor do que estabelece o artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil (CPC).

A ementa do acórdão que deu provimento a uma das apelações, da 10ª Câmara Cível do TJ-RS, é reveladora e sintetiza bem o desfecho do litígio: ‘‘Situação em que as provas produzidas nos autos indicam que o produto fabricado pela requerida [Politorno] não possui as características patenteadas pela autora [D’itália Móveis Industrial Ltda]. Proteção técnica do ato inventivo, não da mera aparência. Prova pericial que concluiu pela inexistência da contrafação’’.

Sentindo-se prejudicada com a escalada de cautelares, a Politorno foi à Justiça pedir a condenação da D’Itália ao pagamento de danos morais e materiais (lucros cessantes), sob a alegação de litigância de má-fé pelo ajuizamento de ações em duplicidade. Afinal, em função das inúmeras cautelares obtidas pela ré na Justiça, para busca e apreensão, a parte autora ficou sem poder produzir nem comercializar o seu produto por mais de oito anos.

Sentença parcialmente procedente

A 3ª Vara Cível da Comarca de Bento Gonçalves julgou parcialmente procedente a ação. Inicialmente, negou o pedido de danos morais, por não vislumbrar má-fé na conduta da ré. Para a juíza Romani Terezinha Bortolas Dalcin, a ré não praticou nenhum ato ilícito que enseje reparação na esfera extrapatrimonial. O simples fato de ter demandado em juízo e obtido provimento liminar, ao final revogado, pois julgada improcedente a ação, não implica em prejuízo moral. Afinal, o exercício do direito de ação é garantido pela Constituição no artigo 5º, inciso XXXV: ‘‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’’.

Por outro lado, a julgadora reconheceu os danos materiais, decorrentes do período em que a empresa autora deixou de faturar, em razão dos pedidos que teve que cancelar e pelos produtos apreendidos/avariados durante o lapso de tempo em que a liminar vigorou. É que a parte que pleiteia uma medida liminar na Justiça responde pelo prejuízo causado à parte adversa, conforme previsto no artigo 302, do CPC.

A íntegra do dispositivo: ‘‘Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I – a sentença lhe for desfavorável; II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível’’.

Segundo a juíza, esse é o risco que a parte corre no momento em que postula a concessão de uma medida liminar que pode causar efetivo prejuízo à parte contrária. ‘‘No caso, foi deferida liminar que culminou na paralisação da produção da parte autora, danificação de produtos apreendidos e cancelamento de pedidos. O prejuízo material, portanto, é evidente’’, complementou, arbitrando o quantum reparatório no valor de R$ 2,8 milhões.

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Ação indenizatória 005/1.11.0008927-2/RS

 Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS