TEOLOGIA DA PROSPERIDADE
Justiça de São Paulo manda Universal devolver ‘‘oferta’’, fruto de indenização trabalhista
Na dicção do artigo 187 do Código Civil (CC), “Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
O dispositivo, invocado pela 29ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ‘‘caiu como uma luva’’ para determinar a devolução de R$ 204,5 mil a uma fiel da Igreja Universal do Reinos de Deus (IURD), quantia doada durante a campanha da ‘‘fogueira santa’’.
A decisão do colegiado de segundo grau prestigiou a sentença da 4ª Vara Cível da Comarca de São Paulo (Foro Regional VII, Itaquera), proferida pelo juiz Carlos Alexandre Böttcher, que declarou a nulidade de todas as doações feitas à organização do autoproclamado Bispo Edir Macedo neste processo.
Ficou claro, pela prova oral, que a autora da ação anulatória de doação cumulada com restituição de valores foi pressionada pelos pastores a doar tudo o que tinha em troca de supostas ‘‘bênçãos de Deus’’ e em obediência à palavra bíblica.
Subsistência familiar comprometida
Narram os autos que a fiel começou a frequentar a igreja e realizou diversos depósitos financeiros por acreditar que seria uma forma de validar a sua fé. Tempos depois de entregar a maior soma que possuía, oriunda de indenização trabalhista, a doadora e a filha ingressaram com a ação anulatória, alegando que o ato comprometeu a subsistência da família.
O relator do recurso de apelação no TJSP, desembargador Carlos Henrique Miguel Trevisan, destacou que o juízo de primeiro grau decidiu acertadamente a controvérsia, sem configurar interferência na liberdade de crença ou prática religiosa – tese invocada pela parte ré para se defender no processo e negar a devolução do dinheiro.
Controle judicial legítimo
‘‘Trata-se apenas da aplicação de um controle judicial legítimo sobre atos que afrontam direitos fundamentais do ser humano, quais sejam, dignidade, boa-fé e honra”, explicou no voto.
‘‘Com todo o respeito que merecem a apelante [Igreja Universal] e seus dirigentes e adeptos, entende-se não ser razoável dispensar a uma entidade religiosa, qualquer que seja a doutrina por ela professada, uma espécie de imunidade jurídica pelo simples fato de lidar com questões e regras espirituais, não havendo amparo legal para tanto’’, complementou.
O magistrado frisou que ficou comprovado que a ofertante [autora da ação], que recebe salário de R$ 1,5 mil e vive com marido e filha desempregados, passou a suportar crise financeira após a doação.
‘‘Além de a liberalidade ter atingido todo o patrimônio das autoras da ação, não houve reserva de renda ou parte idônea para sua subsistência’’, escreveu no voto que desacolheu a apelação.
Os desembargadores Mário Daccache e Sílvia Rocha completaram a turma julgadora e votaram no mesmo sentido. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Comunicação Social do TJSP.
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1009108-83.2021.8.26.0007