TRÁFICO DE PESSOAS
Terceirizadas devem pagar R$ 3 milhões a trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão na Serra Gaúcha

Foto: Divulgação/ SemTur Bento Gonçalves
O juiz Silvionei do Carmo, da 2ª Vara do Trabalho de Bento Gonçalves (RS), condenou nove empresas intermediadoras de mão de obra e seus sócios a pagarem R$ 3 milhões de indenização por danos morais a 210 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão. Eles prestavam serviços para vinícolas instaladas em municípios da Serra Gaúcha.
A condenação confirma a decisão cautelar de março de 2023, que havia tornado indisponíveis os bens das empresas e de seus respectivos sócios. A sentença foi proferida em ação civil coletiva ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-RS). Os valores a serem pagos a cada trabalhador variam de R$ 3 mil a R$ 22,5 mil, conforme o tempo em que prestaram serviços.
O juiz ressaltou que os trabalhadores, na maioria vindos da Bahia, se encontravam em situação de vulnerabilidade, pelo desemprego e pelas dificuldades financeiras para o sustento próprio e de seus familiares, sendo facilmente atraídos ou enganados pelas promessas de salários mais altos.
‘‘Verifica-se caracterização de tráfico de pessoas para fins de exploração de trabalho em condição análoga à de escravo. Isso porque havia o recrutamento de pessoas em suas cidades de origem sob a promessa de um ganho salarial muito acima da média da região onde viviam’’, afirmou o magistrado.
No caso de trabalhadores que tiveram indenizações fixadas em ações individuais, o juiz esclareceu que o direito é limitado àqueles valores.
Empresas condenadas
- Fenix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA
- Santana Prestadora de Serviços LTDA – ME
- D&G Serviços de Apoio Administrativo LTDA
- Garcia & Ribeiro Prestadora de Serviços LTDA – ME
- Santana & Garcia Prestadora de Serviços LTDA – ME
- Oliveira & Santana Prestadora de Serviços LTDA – ME
- Transportes Oliveira & Santana LTDA
- Santin e Menzen Transportes Turísticos LTDA
- Santana Marketing Esportivo LTDA
O caso
Em fevereiro de 2023, um grupo de 207 trabalhadores foi resgatado de uma pousada, em Bento Gonçalves. Outros três haviam saído previamente do local.
Seis trabalhadores conseguiram denunciar o caso à Polícia Rodoviária Federal (PRF), que acionou o Serviço de Inspeção do Trabalho.
A partir da inspeção dos auditores-fiscais do Trabalho e da Polícia Federal (PF), foram verificadas as condições degradantes de alojamento e de trabalho.
Foi constatada a superlotação da pousada, que tinha capacidade para 67 pessoas, mas abrigava 100 pessoas no momento da inspeção. Anteriormente, de acordo com os próprios empregadores, 250 pessoas ocuparam o local.
De acordo com os relatórios, não havia chuveiros quentes nem portas nos sanitários, e o ambiente era extremamente sujo e exalava mau cheiro.
Havia ainda a prática da servidão por dívidas: os trabalhadores já chegavam devendo a passagem e eram obrigados a comprar produtos de higiene e alimentos em mercados de propriedade dos empregadores, que praticavam preços abusivos. Ao final do mês, os valores eram descontados e resultavam em um salário ínfimo.
As jornadas extenuantes tinham início às 5h, e o retorno ao alojamento acontecia às 21h. Durante o dia, recebiam alimento impróprio para o consumo. Por falta de armazenamento adequado, os alimentos eram fornecidos estragados.
Além disso, o grupo era submetido a ameaças psicológicas, de que não teriam a passagem de volta, e de maus tratos físicos para submissão ao trabalho e na tentativa de impedir reclamações e denúncias. Foram apreendidos spray de pimenta, arma de choque e um cassetete na pousada.
A fiscalização identificou que 203 trabalhadores não possuíam contratos de trabalho ou os contratos continham inconsistências.
Da sentença, cabe recurso ordinário ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul). Redação Painel de Riscos com informações de Sâmia de Christo Garcia/Secom/TRT-4.
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ACC 0020243-42.2023.5.04.0512 (Bento Gonçalves-RS)