VÍCIO DE CONSENTIMENTO
TRT-RS condena frigorífico JBS Aves a indenizar mulher indígena que foi induzida a pedir demissão
Uma trabalhadora indígena deverá ser indenizada em razão de ter sido induzida a pedir demissão da JBS Aves. Com baixa escolaridade e sem compreender o que estava redigindo, a mulher copiou, ‘‘de próprio punho’’, um pedido para sair da empresa, no mesmo dia em que o marido, também empregado, foi dispensado.
Por unanimidade, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) confirmou a sentença da juíza Aline Veiga Borges, da Vara do Trabalho de Frederico Westphalen, que havia reconhecido a despedida discriminatória.
A reparação por danos morais foi fixada em R$ 10 mil. Somados aos valores das demais verbas salariais e rescisórias, o valor provisório da condenação chegou a R$ 65 mil.
Conforme a testemunha, a empresa não aceitou um atestado apresentado pela empregada, o que foi comprovado pelo desconto de quatro dias de salário que constou no termo de rescisão. Ela contou que a mulher e o marido foram dispensados em um dia em que ele estava na fila para registrar o ponto da esposa, uma vez que ela tinha as pernas inchadas e dificuldade para ficar em pé.
O frigorífico negou qualquer forma de discriminação ou vício no pedido de demissão.
Ausência de compreensão dos fatos
Para a juíza Aline, a prova indicou que a mulher foi, efetivamente, ludibriada a redigir um pedido de demissão sem que tivesse compreensão sobre o que estava redigindo e sem ser esta a sua vontade.
‘‘Era da reclamada [JBS Aves] a intenção de despedi-la. Portanto, considero que houve despedida sem justa causa discriminatória, nos termos do art. 1º da Lei 9.029/95. O pedido de demissão, redigido ‘de próprio punho’, revelou por si só que a reclamante não sabe escrever, tendo desenhado as letras, possivelmente copiando outro documento, e assinado seu nome’’, afirmou a magistrada.
‘‘A reclamante foi discriminada por ser mulher indígena que apresentava atestados médicos. Fica evidente que não se trata de efetiva manifestação de vontade dela, e sim de indução de uma pessoa de baixíssima escolaridade a redigir e assinar um documento cujo teor não compreendia e não estava de acordo com a sua vontade’’, completou a juíza.
No julgamento, foi aplicado o Protocolo para o Julgamento com Perspectiva de Gênero, recomendado pelo CNJ.
“Julgar com perspectiva de gênero é uma metodologia que permite identificar relações assimétricas de poder ou de estereótipos de gênero. A assimetria, no caso, é evidente, pois a vulnerabilidade de uma mulher indígena sem escolaridade, no mercado de trabalho, é muito maior”, explicou a magistrada.
Sem sucesso, a empresa recorreu ao Tribunal. A relatora dos recursos, desembargadora Maria Cristina Schaan Ferreira, destacou a situação de hipervulnerabilidade da trabalhadora, agravada pelo gênero e pela etnia.
‘‘Essa interseccionalidade a coloca em uma posição ainda mais delicada em relação ao mercado de trabalho, onde suas chances de ser ouvida e respeitada são frequentemente diminuídas. Portanto, diante dessa situação social, o Estado deve ter uma atuação positiva no sentido de reequilibrar, o máximo possível, as relações de trabalho, em busca do seu dever constitucional de proteção ao trabalhador’’, concluiu a relatora.
A nulidade da dispensa discriminatória foi confirmada pelas desembargadoras Simone Maria Nunes e Beatriz Renck. A empresa recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Legislação
A decisão destacou o artigo 170 da Constituição da República, acerca da função social da empresa. O dispositivo trata da responsabilidade das empresas em contribuir positivamente para a sociedade além do lucro, incluindo a promoção da igualdade e buscando melhorar o bem-estar da comunidade em que atua.
Na Lei 9.029/1995, encontra-se a proibição da adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros. Com informações de Sâmia de Christo Garcia/Secom/TRT-4.
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ATOrd 0020615-68.2023.5.04.0551 (Frederico Westphalen-RS)