SIMILAR A FATURAMENTO
TRF-4 autoriza penhora de recebíveis de cartão de crédito numa execução fiscal

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A penhora dos recebíveis de cartão de crédito guarda similitude à penhora de faturamento. Trata-se de medida excepcional ante à inexistência de bens livres e desembaraçados capazes de garantir os débitos em execução.

O fundamento levou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região  (TRF-4) a reformar despacho que indeferiu pedido de penhora de valores repassados mensalmente, pelas operadoras de cartões de crédito, a uma empresa de panificação. A empresa vem sendo executada judicialmente pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro)

Na análise do recurso de agravo de instrumento, manejado pela panificadora com o intuito de derrubar a decisão da 2ª Vara Federal de Criciúma (SC), os julgadores da 1ª Turma se convenceram que esta é a medida mais acertada. Afinal, restou comprovado, nos autos, o esgotamento das diligências tendentes à localização de bens passíveis de constrição em nome da  agravante.

O relator do agravo, desembargador Leandro Paulsen, explicou que o artigo 11da Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830/80) estabelece a ordem de penhora ou arresto de bens, ocupando o dinheiro o primeiro lugar na ordem de preferência.

Tema de recurso repetitivo

Embora não desconheça precedente em sentido contrário na 1ª Turma (AG 5006697-65.2021.4.04.0000),  Paulsen apurou que os recebíveis de cartão de crédito guardam similitude à penhora do faturamento, disciplinada pelo artigo 866 do Código de Processo Civil (CPC) e objeto, inclusive, do Tema 769 de recursos repetitivos do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

‘‘É que o produto da venda de mercadorias e serviços, recebidos, majoritariamente, através de operações que envolvem as administradoras de cartões de crédito, constituem a maior parte do faturamento das empresas. Ademais, conforme enfatizado na decisão antecipatória, houve a demonstração de que foram realizadas, pela exequente, diligências objetivando encontrar bens penhoráveis, que restaram infrutíferas’’, justificou no acórdão o desembargador-relator.

Clique aqui para ler o acórdão

Execução fiscal 5014552-85.2019.4.04.7204/SC

Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

 

 

 

DIREITOS & DEVERES
Fundos de investimentos podem sofrer efeitos da desconsideração da personalidade jurídica

Imprensa STJ

Os fundos de investimento, embora não ostentem personalidade jurídica, titularizam direitos e obrigações. Se constituídos ou utilizados de forma fraudulenta pelos cotistas – pessoas físicas ou jurídicas –, podem ser atingidos pelos efeitos da desconsideração da personalidade jurídica. É o que decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ.

Com esse entendimento, o colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que, no curso de uma execução, confirmou a rejeição dos embargos de terceiro opostos por um Fundo de Investimento em Participações (FIP) contra o bloqueio e a transferência de ativos de sua propriedade, após a desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa holding.

Em recurso especial dirigido ao STJ, o Fundo alegou que não foram preenchidos os requisitos legais para a desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que os FIPs são constituídos sob a forma de condomínio fechado, sem personalidade jurídica, motivo pelo qual não poderiam ser atingidos pela medida.

Comprovação de abuso de direito autoriza desconsideração da personalidade

O ministro Villas Bôas Cueva, relator, explicou que a Lei 4.728/1965, ao disciplinar o mercado de capitais, realmente caracterizou os fundos de investimento como entes constituídos sob a forma de condomínio, definição posteriormente seguida pelo Banco Central na Circular 2.616/1995.

Atualmente, prosseguiu, está em vigor a Instrução 555/2014 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), segundo a qual o fundo de investimento pode ser constituído sob a forma de condomínio aberto – que permite ao cotista solicitar o resgate de suas cotas – ou fechado – no qual as cotas só são resgatadas ao fim do prazo de duração do fundo.

Além de lembrar que os fundos estão sujeitos a regramento específico da CVM, o ministro destacou que esse tipo de condomínio, embora seja destituído de personalidade jurídica e exerça suas atividades por meio de administrador, é dotado de direitos, deveres e obrigações.

‘‘Assim, o fato de ser o FIP constituído sob a forma de condomínio e não possuir personalidade jurídica não é capaz de impedir, por si só, a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica em caso de comprovado abuso de direito por desvio de finalidade ou confusão patrimonial’’, afirmou no voto.

Fundo teria sido constituído para ocultar patrimônio de empresas do grupo

Citando doutrina a respeito do tema, Villas Bôas Cueva ressaltou que as prerrogativas do artigo 1.314 do Código Civil (CC) não são conferidas ao cotista de fundo de investimento, tendo em vista que ele não desfruta plenamente de direitos relacionados a todos os ativos do fundo constituído, mas apenas aos direitos ligados à sua fração de participação.

Nesse sentido, o relator reconheceu que o patrimônio gerido pelo FIP pertence, em condomínio, a todos os investidores, o que impede a responsabilização do fundo pela dívida de um único cotista.

‘‘Apenas em tese, repita-se, não poderia a constrição judicial recair sobre o patrimônio comum do fundo de investimento por dívidas de um só cotista, ressalvada a penhora apenas da sua cota-parte’’, completou o ministro.

No caso dos autos, entretanto, Villas Bôas Cueva destacou que essa regra deve ceder à constatação de que a própria constituição do fundo de investimento ocorreu de forma fraudulenta, como modo de encobrir ilegalidades e ocultar o patrimônio de empresas integrantes do mesmo grupo econômico – tomando-se cuidado, contudo, para não atingir as cotas daqueles que não possuam nenhuma ligação com a parte executada no processo.

O relator ressaltou que, no momento da constrição determinada pelo juízo da execução, como consequência da desconsideração inversa da personalidade jurídica do devedor, o fundo de investimento possuía apenas dois cotistas, ambos integrantes do mesmo conglomerado econômico – o que revela que o ato judicial não atingiu o patrimônio de terceiros.

‘‘Além disso, o fato de o fundo de investimento ser fiscalizado pela CVM e de ter todas as informações auditadas e disponibilizadas publicamente não impede a prática de fraudes associadas, não às atividades do fundo em si, mas dos seus cotistas (pessoas físicas ou jurídicas), que dele se valem para encobrir ilegalidades e ocultar patrimônio. Disso também resulta a irrelevância do fato de se aferir incremento em seu patrimônio líquido’’, concluiu.

Leia o acórdão no REsp 1.965.982

 

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
Instrução de busca e apreensão exige título de crédito original, decide STJ

Imprensa STJ

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é necessária a juntada da via original do título de crédito – caso o documento tenha sido emitido no formato de cártula – para instruir ação de busca e apreensão ajuizada em virtude do inadimplemento de contrato de financiamento garantido por alienação fiduciária.

O entendimento foi firmado pelo colegiado ao julgar controvérsia que envolveu cédula de crédito bancário de cerca de R$ 67 mil firmada entre a compradora de um automóvel e uma instituição financeira, para a aquisição de um carro – ofertado como garantia do cumprimento do próprio contrato.

Em razão do inadimplemento das prestações, a instituição financeira ajuizou ação de busca e apreensão, instruída apenas com a cópia do contrato de crédito bancário. No primeiro grau, foi determinada a juntada do original da cédula de crédito. O banco não cumpriu a determinação do juízo, razão pela qual o processo foi extinto, sem resolução do mérito.

O Tribunal de Justiça do Maranhão (TJ-MA), porém, reformou a sentença por considerar desnecessária a juntada do original do título para instruir a ação de busca e apreensão, sob o argumento de não haver exigência legal para tanto.

Requisito indispensável para a execução

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso da compradora, destacou que a juntada da via original do título executivo extrajudicial é, em princípio, requisito essencial à formação válida do processo de execução. Tal é necessário para assegurar a autenticidade da cártula apresentada e afastar a hipótese de o título ter circulado – sendo, em regra, nula a execução fundada em cópias dos títulos.

A magistrada destacou, porém, que a execução pode, excepcionalmente, ser instruída por cópia do título extrajudicial – prescindindo, assim, da apresentação do documento original –, principalmente quando não há dúvida quanto à existência do título e do débito, e quando comprovado que ele não circulou.

‘‘O documento representativo do crédito líquido, certo e exigível é requisito indispensável não só para a execução propriamente dita, mas, também, para demandas nas quais a pretensão esteja amparada no referido instrumento representativo do crédito, mormente para a ação de busca e apreensão que, conforme regramento legal, pode ser convertida em ação de execução’’, acrescentou.

Para Nancy Andrighi, por ser a cédula de crédito bancário dotada do atributo da circularidade, mediante endosso, como preceitua o artigo 29, parágrafo 1º, da Lei 10.931/2004, ‘‘a apresentação do documento original faz-se necessária ao aparelhamento da ação de busca e apreensão, se não comprovado pelas instâncias ordinárias que o título não circulou’’.

Mudança na emissão das cédulas

No caso julgado, lembrou a ministra, quando a primeira instância solicitou que a instituição financeira promovesse a juntada do original do título, o banco permaneceu inerte à determinação judicial, não apresentando justificava hábil a amparar a sua atitude de não oferecer a cédula de crédito bancário.

Ao dar provimento ao recurso especial, a magistrada ressaltou que o entendimento firmado pela turma é aplicável às hipóteses de emissão das cédulas de crédito bancário (CCB) em data anterior à vigência da Lei 13.986/2020, tendo em vista que tal legislação modificou substancialmente a forma de emissão dessas cédulas, passando a admitir que sua confecção ocorra na forma cartular ou escritural (eletrônica).

‘‘A partir de sua vigência, a apresentação da CCB original faz-se necessária ao aparelhamento da execução somente se o título exequendo for apresentado no formato cartular’’, concluiu a relatora.

Leia o acórdão do REsp 1.946.423

DANO MORAL COLETIVO
TST condena construtoras que contrataram prestadoras de serviço com capital social inferior ao exigido

Secom/TST


Ministro Augusto César foi o relator
Foto: Secom TST

A MRV Construções e o Parque Moradas da Serra Incorporações, de Minas Gerais, terão de pagar indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 200 mil, por contratarem empresas prestadoras de serviços com capital social incompatível com o número de empregados.

Para a Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), as empresas praticaram atos ilícitos contra a ordem jurídica trabalhista e ofenderam a coletividade de trabalhadores. A decisão foi unânime.

Capital social

Os parâmetros entre o capital social da empresa e o número de empregados estão previstos no artigo 4º-B, inciso III, alíneas “a” a “e”, da Lei 6.019/1974, que trata do trabalho temporário, e foram introduzidos pela Lei da Terceirização (Lei 13.429/2017). Os valores variam de R$ 10 mil (para empresas com até 10 empregados) a R$ 250 mil (com mais de 100).

Em fiscalização do trabalho realizada em junho de 2017, no canteiro de obras, constatou-se que a MRV havia constituído a Parque Moradas da Serra como sociedade de propósito específico (SPE) para a execução da obra. Esta, por sua vez, havia contratado três microempresas para prestar serviço: uma com 50 empregados e capital social de R$ 20 mil; e as outras com sete e 11 empregados e capital social de apenas R$ 5 mil.

Terceirização

Na ação civil pública (ACP), o Ministério Público do Trabalho (MPT) argumentou que a Lei 13.429/2017 autorizou a terceirização de forma indiscriminada. Entretanto, como forma de garantir o cumprimento das obrigações trabalhistas, impôs requisitos ao funcionamento das prestadoras de serviços, entre eles a compatibilidade entre o capital social e o número de empregados. Caberia, assim, à tomadora de serviços verificar se a contratada preenchia esses requisitos.

Segundo o MPT, a MRV e a Moradas da Serra, mesmo reconhecendo a falha, se recusaram a assinar termo de ajustamento de conduta (TAC), demonstrando que não estavam dispostas a cumprir as exigências legais para a contratação de terceiros. Essa conduta coloca em risco a observância dos direitos dos trabalhadores terceirizados das obras e configura dano moral coletivo.

Sem indenização

Ao julgar a ACP, a 25ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG) negou os pedidos do MPT. Em sede recursal,  o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, MG), por sua vez, alterou a sentença apenas para determinar que as empresas se abstivessem de contratar prestadoras de serviços fora dos parâmetros legais, sob pena de multa.

No entanto, o TRT mineiro também rejeitou o pedido de indenização por dano moral coletivo, por não verificar desrespeito a interesse coletivo fundamental. O Tribunal Regional também observou que o MPT não provara que o fato de o capital social das empresas contratadas ser insuficiente teria acarretado violação das obrigações trabalhistas dos empregados envolvidos.

Capacidade financeira

Na avaliação do relator do recurso de revista (RR) do MPT, ministro Augusto César, a contratação de prestadoras de serviços com capital social incompatível com o número de empregados desrespeita o próprio comando legal e o ordenamento jurídico que dispõe sobre a segurança no trabalho.

O objetivo da norma, segundo o relator, é garantir a capacidade financeira das empresas para cumprir suas obrigações trabalhistas e o acesso de todos os empregados a ações, instruções e equipamentos destinados à prevenção de acidentes e doenças decorrentes do trabalho.

Dumping social

Para o ministro, as empresas que contrariam a legislação trabalhista, ao não serem penalizadas pelos respectivos atos, obtêm vantagem injusta sobre as concorrentes que cumprem as mesmas disposições legais. “Trata-se do chamado dumping social, fenômeno responsável pela alavancagem de poderes econômicos em prejuízo do desenvolvimento social e da efetividade dos direitos fundamentais”, explicou.

Clique aqui para ler o acórdão

Processo RR-10709-83.2018.5.03.0025