MÚTUO ENTRE PARTICULARES
TJ-RS muda cláusulas de contrato de investimento para torná-lo menos oneroso ao tomador
Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)
Dada à incidência dos princípios da função social do contrato, da equivalência material entre as prestações contratuais e da boa-fé objetiva, a Justiça pode promover a readequação das cláusulas pactuadas. Além disso, o Código Civil adotou a teoria da onerosidade excessiva, justificando, consequentemente, a possibilidade de mudanças nas disposições do contrato.
Assim entendeu a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), ao confirmar sentença que readequou, substancialmente, as penalidades e obrigações de um contrato de investimentos firmado entre particulares, para a construção de um hotel de luxo em Gramado, na Serra gaucha.
Para o relator das apelações no colegiado, desembargador Paulo Sérgio Scarparo, pouco importa se foi a própria parte autora que, eventualmente, propôs as condições do negócio para a captação de valores. É que, neste tipo de contratação, se deve considerar a observância dos parâmetros legais mínimos.
Ação revisional acolhida
A parte que tomou o financiamento – contraindo três empréstimos – ajuizou ação revisional contra a ré por se sentir lesada pelas cláusulas abusivas. A decisão de procurar a Justiça se deu em razão da crise financeira, que frustrou drasticamente as projeções de faturamento – o que se refletiu, por óbvio, no desequilíbrio dos contratos de mútuo. Os documentos foram formalizados por meio de escritura pública, com outorga de garantia hipotecária – ou seja, o próprio prédio do hotel-boutique.
O juízo da 15ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre atendeu a maior parte dos pedidos da autora, julgando parcialmente procedente a ação revisional. O que foi determinado no dispositivo da sentença: (1) redução de 20% para 12% no percentual anual da taxa de ‘‘rentabilidade mínima’’ incidente sobre o capital investido; (2) substituição da cláusula penal de ‘‘multa diária de 1% sobre o valor da parcela’’ por ‘‘multa de 10% sobre o valor da parcela’’ em caso de inadimplemento, sem prejuízo da correção monetária e dos juros moratórios contratados; e (3) retificação da estimativa do imóvel dado em garantia, para que observe o valor real de mercado do bem, a ser apurado em liquidação.
Cláusulas de remuneração e retorno do investimento
Ao fundamentar a decisão de alterar as cláusulas de remuneração e retorno do investimento, o juiz Roberto José Ludwig disse que o contrato de investimento particular, entabulado fora do ambiente de bolsa ou outro tipo de mercado de investimento aberto ao público em geral, por envolver o empréstimo de dinheiro, enquadra-se, com algumas particularidades, no conceito mais amplo de contrato de mútuo.
‘‘Logo, as regras gerais sobre remuneração (juros) do capital investido, se previstos independentemente do retorno do investimento, submetem-se aos limites de remuneração do mútuo. Isso porque, ainda que tenha recebido denominação de ‘rentabilidade mínima’, trata-se de simples remuneração de capital, porque não está sujeita a risco e não depende de lucros, como expressamente referido no contrato’’, esclareceu.
Citando as disposições do artigo 591 do Código Civil, o julgador observou que, em se tratando de contrato de finalidade econômica inequívoca, como ocorre no mútuo feneratício, presume-se o acréscimo de juros para remuneração do capital alcançado ao mutuário. Estes, no entanto, não podem superar o limite dos ‘‘juros legais’’ previstos no artigo 406 do mesmo Código. Resumindo: em contrato de particulares, os juros restam limitados a 12% ao ano. O limite tem por objetivo inibir os ‘‘mútuos feneratícios usurários’’, como a agiotagem, que cobram juros superiores à taxa legal.
‘‘Já quanto à disposição que prevê percentual específico de retorno de investimento, vinculado à receita obtida e com previsão de liberdade de retirada (ou não) pelo investidor, nada obsta à validação da cláusula, que possui especificidade própria ao contrato de investimento e foi negociada entre as partes’’, complementou na sentença.
Cláusula penal
Ludwig também viu abusividade na cláusula penal que estabelece “multa diária de 1% sobre o valor da parcela”. É que disso resultará, na sua aplicação, que o valor do acessório (pela replicação e potencialização da incidência diária) ultrapassará o principal.
‘‘Assim, reduz-se a cláusula penal a 10% do valor inadimplido, como sugerido pela parte autora e usual no ramo negocial. Com isso, restaura-se o equilíbrio contratual e se favorece a exequibilidade do contrato, prestando homenagem à sua função social’’, cravou na sentença.
Cláusula de garantia
Finalmente, o julgador, amparado em prova oral, se convenceu de que o imóvel dado em garantia apresentava estimativa inferior à realidade. O laudo pericial acostado aos autos, em reforço, veio a confirmar o alto valor do bem, muito superior ao valor estimado.
‘‘A impugnação feita ao laudo não supre a brutal disparidade, porque, mesmo que se destacasse o imóvel do fundo de comércio, tudo indica que, como asseverado pelos informantes ouvidos, o imóvel tinha valor superior ao estimado na escritura.
É mister, portanto, que seja retificada a estimativa, para que observe o valor real do bem no mercado, sob pena de prejuízo ao devedor em caso de excussão da hipoteca’’, finalizou.
Clique aqui para ler o acórdão
Clique aqui para ler a sentença
Ação revisional 001/1.17.0043527-3 (Porto Alegre)
Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS