LEI DO BEM
Finalmente, o ”bem” foi alcançado

Por Glaucia Lauletta

No final de 2005, o governo federal entendeu que a inclusão digital deveria ser estimulada no país e que o estímulo passaria pela redução da carga tributária incidente sobre a comercialização de produtos eletrônicos. Foi quando a Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, criou o Programa de Inclusão Digital e, dentre várias outras medidas, exonerou temporariamente a Contribuição ao PIS e a Cofins incidentes sobre a receita bruta de venda a varejo dos produtos ali mencionados. Originalmente, o benefício concedido tinha prazo de vigência determinado, até 31 de dezembro de 2009.

Segundo dados do próprio governo, os resultados do programa foram tão bons que justificava-se a sua extensão, o que ocorreu em duas ocasiões, até que a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2019 (resultado da conversão da Medida Provisória nº 656/2014), prorrogou a referida desoneração até 31 de dezembro de 2018. Com isso, os integrantes da cadeia econômica de eletrônicos – indústria e comércio – viram-se incentivados a comercializar tais produtos em escala e com melhores preços, tendo sido realizados inúmeros investimentos, considerando o período estendido no qual o benefício fiscal poderia ser fruído.

Inesperadamente, entretanto, tão logo se viu diante de dificuldades orçamentárias, o mesmo governo federal – que não só prorrogou o benefício como atestou os excelentes resultados do programa e a sua importância no desenvolvimento nacional – editou a Medida Provisória nº 690/2015, que restabeleceu a exigência de referidos tributos a partir de 1º de janeiro de 2016. Importante ressaltar que, entre a extensão do prazo para o benefício e a sua revogação antecipada, passaram-se somente seis meses, o que evidencia que a decisão foi motivada por razões absolutamente casuísticas, sem qualquer planejamento ou respeito à legislação vigente.

Liminares aos contribuintes lesados

Os contribuintes que se sentiram lesados por referida alteração abrupta recorreram ao Judiciário, muitos dos quais obtiveram liminares – e, na sequência, sentenças procedentes –, o que lhes permitiu fruir do benefício até a data anteriormente fixada, leia-se, 31 de dezembro de 2018. O principal argumento sustentado foi a evidente violação ao artigo 178, do Código Tributário Nacional, que impede que isenção concedida por prazo certo e sob condição (onerosa) seja revogada antes do termo final de sua vigência. Foi exatamente a hipótese do benefício previsto na chamada Lei do Bem, que somente cessaria ao final de 2018 e que possuía uma série de condições para ser fruído, inclusive, a necessidade da prática de um preço máximo para os produtos, entre outros.

Como normalmente ocorre com temas dessa magnitude, os contribuintes tiveram que aguardar alguns anos, até que, em 6 de agosto de 2021, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) apreciou o primeiro caso a ela submetido, reconhecendo a ilegalidade da revogação do benefício fiscal previsto até 2018 (REsp nº 1.941.121). O “bem” estava parcialmente alcançado, eis que a consolidação da matéria no âmbito do tribunal dependia da apreciação de precedente pela 2ª Turma e, em havendo divergência de entendimento, até mesmo pela 1ª Seção do STJ. Muita coisa ainda poderia acontecer.

Reconhecimento do direito à fruição do benefício fiscal

Em 21 de junho de 2022, a 2ª Turma do STJ teve a oportunidade de julgar o REsp nº 1.987.675, ocasião na qual, em absoluta sintonia com a decisão anterior da 1ª Turma, também reconheceu o direito do contribuinte à fruição do benefício fiscal até 31 de dezembro de 2018.

Considerando que a matéria envolvida não deve dar ensejo ao conhecimento de recursos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em linha com manifestações já ocorridas, possuímos bastante conforto para afirmar que a matéria está definitivamente decidida, tendo ambas as Turmas do STJ dado razão aos contribuintes. Podemos dizer que o “bem”, agora sim, foi plenamente alcançado.

A discussão é emblemática por várias razões. Primeiro, porque, como dito acima, o Programa de Inclusão Digital teve como objetivo trazer um dos avanços mais importantes na economia moderna, que é a inclusão digital. Segundo, porque os objetivos do programa foram plenamente alcançados. E, por fim, porque condutas como a adotada pelo governo federal, nesse caso, são nocivas e perigosas, por minarem a confiança na gestão pública e desestimularem investimentos por parte do setor privado.

Enquanto incentivos fiscais forem utilizados como ‘‘moeda de troca’’ ou como ‘‘tapa buracos’’ de orçamentos que não fecham, dificilmente teremos uma política fiscal que inspire confiança e que atinja os objetivos que deveria perseguir. Felizmente, no caso da Lei do Bem, o Judiciário, mais especificamente o Superior Tribunal de Justiça, privilegiou a legislação, a boa-fé e a segurança jurídica, tudo aquilo que, mais do que o benefício tributário em si, representam o “bem” que todo e qualquer governo deveria salvaguardar.

Glaucia Lauletta é advogada da banca Mattos Filho (SP), acumulando mais de 25 anos de experiência em contencioso tributário

AGRESSÕES VERBAIS
Auxiliar de mercado chamado de nordestino por cliente será indenizado em danos morais

Imprensa TJ-SP

A 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) confirmou sentença que condenou mulher a pagar indenização a funcionário de estabelecimento comercial, a título de danos morais, por ofensas. Pela gravidade, o colegiado majorou para R$ 5 mil a reparação, que fora fixada em R$ 3 mil na primeira instância.

O julgamento teve a participação dos desembargadores Edson Luiz de Queiroz (relator), César Peixoto e Piva Rodrigues. A votação foi unânime.

Cliente esbarra em garrafas e culpa trabalhador

Segundo a petição inicial, o rapaz trabalhava como auxiliar de serviços gerais em um mercado. Em junho de 2019, enquanto conferia mercadorias e abastecia prateleiras, a cliente, ao se deslocar por trás dele, esbarrou em algumas garrafas de bebidas.

O fato gerou irritação da cliente, que culpou o trabalhador pelo ocorrido, ofendendo-o com palavras que denotavam sua origem regional e classe social (‘‘nordestino pobre e arrogante’’, segundo registra os autos). Além disso, exigiu do proprietário do estabelecimento que o funcionário fosse demitido.

‘‘Assim, observando a dinâmica dos fatos, restou evidenciada e provada agressão verbal injustificada, causada por simples incômodo da ré em esbarrar numa gôndola de garrafas porque o autor estava fazendo seu trabalho. Tal comportamento (desdobramento) foge à normalidade, caracterizando o prejuízo moral do autor e, consequentemente, o dever de indenizar’’, afirmou o desembargador Edson Luiz de Queiroz, relator da apelação.

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Apelação 1000656-23.2021.8.26.0577

SEM TRANSPARÊNCIA
TJ-SP anula contrato de franquia por falta de informação sobre indeferimento de registro de marca

Imprensa TJ-SP

A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve decisão do juiz Paulo Roberto Zaidan Maluf, da 8ª Vara Cível de São José do Rio Preto, que declarou a invalidade do contrato empresarial entre franquia que atua na comercialização de produtos financeiros e franqueado, bem como determinou a devolução dos valores pagos durante a vigência do acordo (taxa de franquia e royalties).

O julgamento teve a participação dos desembargadores Cesar Ciampolini (relator), Alexandre Lazzarini e Azuma Nishi. A decisão foi unânime.

Violação do dever de disclosure

Consta nos autos que a franqueadora não informou o indeferimento de dois pedidos de registro de marca. O fato não constou no contrato nem na Circular de Oferta de Franquia. De acordo com o relator da apelação, desembargador Cesar Ciampolini, tal violação do dever de fornecer informações de modo transparente (disclosure) enseja a anulação do contrato.

‘‘A autora já sabia do indeferimento de dois pedidos de registro de marca, mas seguiu celebrando contratos de franquia, dentre eles o da autora’’, frisou o magistrado. ‘‘A consequência da violação do dever de informar por meio da Circular de Oferta de Franquia é anulação do contrato, com devolução das quantias versadas’’, afirmou.

O relator também destacou que não é o caso de se aplicar o entendimento do Enunciado IV do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial (‘‘A inobservância da formalidade prevista no art. 4º da Lei nº 8.955/94 pode acarretar a anulação do contrato de franquia, desde que tenha sido requerida em prazo razoável e que haja comprovação do efetivo prejuízo’’).

‘‘O Enunciado IV, é certo, abarca somente irregularidades que, com o decorrer do tempo, possam ser superadas pelo exercício da atividade franqueada, jamais omissão sobre potencial ilicitude de seu objeto’’, explicou.

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Apelação 1024369-30.2021.8.26.0576