FRAUDE FISCAL
Não há presunção de boa-fé na compra de imóvel constrito para garantir execução, diz TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Não importa se as certidões que instruem uma escritura de compra e venda sinalizem que o anterior adquirente do imóvel agiu de boa-fé. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 1.141.990/PR, já decidiu que ‘‘a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução’’.

Com a prevalência deste entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) reformou sentença que acolheu embargos de terceiro manejados por um comerciante de São José dos Pinhais (região metropolitana de Curitiba) em face da Fazenda Nacional. O autor acabou intimado nos autos de uma execução fiscal dirigida contra um parente, que, no final das contas, havia vendido o terreno a terceiro – que o revendeu posteriormente ao autor. A primeira venda, apurou-se em sede de apelação, foi feita ao anterior adquirente após o fisco já ter redirecionado a execução da dívida ao parente.

Ao prover a apelação da Fazenda Nacional (União), a maioria do colegiado entendeu que houve transferência do bem pelo sujeito passivo da obrigação tributária – o parente executado –, o que pressupõe a ocorrência de fraude à execução fiscal.

Embargos de terceiro

Nos embargos, o autor argumentou que o terreno foi adquirido de boa-fé e em caráter de segunda alienação, antes do deferimento do redirecionamento da execução fiscal contra o parente. Informou que, sobre a área, foram construídos dois sobrados – já alienados a terceiros e com matrícula própria.

Assim, o comerciante pediu à Justiça a suspensão das medidas constritivas sobre o imóvel e, por decorrência, o julgamento de procedência dos embargos, a fim de reconhecer a inexistência de fraude à execução fiscal.

Procedência dos embargos no primeiro grau

A 16ª Vara Federal de Curitiba reconheceu a boa-fé do embargante que, segundo jurisprudência do TRF-4, pode ser presumida pela observância das formalidades legais e pela inexistência de constrição sobre o bem adquirido à época do negócio. Ao julgar os embargos procedentes, o juízo afastou a penhora do imóvel – matriculado no 1º Cartório de Registro de Imóveis de São José dos Pinhais – e fulminou a decisão que decretou fraude à execução naqueles autos.

Para o juiz federal Fabiano Bley Franco, a formalidade que se deve exigir nesse tipo de negócio é a obtenção de certidão negativa de débitos do transmitente. E, no caso dos autos, ficou amplamente comprovado que o autor observou as cautelas necessárias à obtenção das certidões negativas pertinentes em nome do transmitente. Assim, não seria cabível exigir que apresentasse certidões negativas de toda a cadeia de proprietários anteriores a fim de evitar uma possível decretação de fraude à execução.

‘‘Anoto que, apesar da compra do imóvel pela parte embargante ter ocorrido em 2012, após o redirecionamento e a citação do responsável tributário (Aldair Sidnei Rodrigues) nos autos de execução fiscal relacionados, ao contrário do sustentado pela embargada [Fazenda Nacional], não há provas de que a aquisição não se deu de boa-fé. Não há prova de conluio do embargante com o executado e a anterior adquirente do imóvel, ainda que se trate de pessoa com grau de parentesco com o executado’’ justificou na sentença.

Reforma da sentença em sede de apelação no TRF-4

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação na 2ª Turma. A desembargadora-relatora Maria de Fátima de Freitas Labarrère manteve os termos da sentença. A magistrada também se baseou na premissa de que houve alienações sucessivas, pois o embargante não adquiriu o imóvel diretamente do executado. Além disso, a compra foi feita de boa-fé, já que o embargante exigiu as certidões negativas pertinentes em nome do vendedor.

Desembargador Rômulo Pizzolatti
Foto: Sylvio Sirangelo/Imprensa TRF-4

Labarrère, no entanto, acabou vencida pela maioria de seus pares neste julgamento. Prevaleceu o voto divergente do desembargador Rômulo Pizzolatti, que redigiu o acórdão.

Segundo apurou o redator, a alienação do imóvel ocorreu logo após o redirecionamento da execução fiscal contra o sócio Aldair Sidnei Rodrigues e sua inclusão no polo passivo da execução. Ou seja, houve transferência do bem pelo sujeito passivo da obrigação tributária, o que pressupõe a ocorrência de fraude à execução fiscal, conforme interpretação do artigo 185 do Código Tributário Nacional (CTN) pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) – REsp 1.141.990/PR.

Naquele julgamento, ao julgar os embargos declaratórios do recurso-paradigma (EDcl no REsp 1141990/PR) – esclareceu Pizzolatti –, o próprio STJ firmou posição de que a presunção absoluta de fraude fiscal se aplica, inclusive, nas hipóteses de alienações sucessivas. Em suma, fica claro que descabe investigar sobre a boa-fé do adquirente.

Como pá de cal, o desembargador explicou por que a Justiça não poderia acolher o fundamento de que as certidões que instruíram a escritura de compra e venda demonstram que o anterior adquirente agiu de boa-fé. ‘‘Isso porque foram trazidas com a petição inicial todas as certidões negativas de débitos e de distribuição de demandas em nome do vendedor Aldair Sidnei Rodrigues, com exceção justamente da certidão de distribuição de ‘ações e execuções cíveis e fiscais’ no âmbito da Justiça Federal, certamente porque a consulta foi feita em 29-02-2012, depois de cadastrado o devedor no polo passivo da execução fiscal, em  23-02-2011.’’

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FLUID RECOVERY
MPT pode executar valores não pleiteados por trabalhadores em ação coletiva, diz TRT-SC

Secom TRT-SC

A Justiça do Trabalho reconheceu como válido o pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT) para propor uma execução coletiva residual contra uma fabricante de pisos de cerâmica catarinense, condenada por adulterar o registro de ponto dos empregados. Cerca de 70% dos 4 mil trabalhadores atingidos pela decisão não apresentaram dados para se habilitar a receber o crédito de até R$ 1 mil por meio de ação individual.

Quando o valor pleiteado em uma ação coletiva é considerado pouco relevante ou a condenação é incerta, o titular do direito pode sentir-se desestimulado a ingressar com um processo, nos casos em que é exigida a ação individual — necessária quando valor a receber varia conforme o empregado, por exemplo.

Se apenas uma fração reduzida dos beneficiados com a decisão ingressa com ações individuais, a lei permite que os legitimados a propor ação coletiva possam solicitar a execução do valor residual — medida conhecida como “reparação fluída” (fluid recovery). O objetivo é garantir a reparação do dano à sociedade (o valor residual é revertido a um fundo de reconstituição dos bens lesados) e inibir a continuidade ou reiteração da prática irregular, já que o condenado poderia beneficiar-se de enriquecimento ilícito.

A medida é inspirada na jurisprudência dos Estados Unidos e está prevista no artigo 100 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor): “decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida”, afirma a norma.

Natureza coletiva

No pedido apresentado à Justiça do Trabalho de SC, o MPT destacou que, do grupo estimado de 4 mil beneficiários,  apenas 1.286 trabalhadores haviam recebido sua parte da indenização. Alegando não possuir as informações individuais dos beneficiários, o MPT, através da Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região (PRT-12), pediu que o valor restante da condenação (R$ 4,9 milhões em valores atualizados) fosse executado de forma residual em benefício da coletividade.

A 1ª Vara do Trabalho de Balneário Camboriú entendeu que o MPT não tem legitimidade para promover a execução, que caberia somente aos trabalhadores e seus sucessores. O MPT, então, recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12 SC), argumentando que não estava atuando como substituto processual dos trabalhadores, mas como legitimado coletivo. Assim, não cabe a exigência de identificação de todos os beneficiários remanescentes.

A comunidade será a grande beneficiada

Ao julgar o caso, a 3ª Câmara do TRT catarinense entendeu, por unanimidade, que o artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor autoriza o MPT a propor a execução residual, sem a nomeação individualizada dos beneficiados.

Desembargador Nivaldo Stankiewicz
Foto: Secom TRT-SC

‘‘Embora fundada em processo em que se discutem direitos individuais homogêneos, a fluid recovery tem natureza residual e verdadeiramente coletiva, independendo, portanto, da identificação daqueles que seriam os beneficiários de uma execução individual’’, afirmou o desembargador-relator Nivaldo Stankiewicz. ‘‘Os valores alcançados serão revertidos à coletividade, e não a indivíduos’’, completou.

O relator também destacou não haver controvérsia em relação ao número de beneficiados, rejeitando os questionamentos da empresa quanto ao cálculo do montante residual da condenação.

‘‘O número de empregados beneficiários da decisão, bem como o número de empregados já habilitados, servirão de balizadores para o arbitramento da indenização, uma vez que refletem a dimensão do dano a ser reparado’’, esclareceu. ‘‘Não se trata, no caso, de individualizar cada um dos destinatários do direito reconhecido, porque a reparação não será individual”, concluiu.

Após a publicação da decisão, a empresa apresentou embargos de declaração, instrumento jurídico usado para sanar dúvidas e omissões em relação aos textos das decisões. Após o julgamento dos embargos, ainda cabe a possibilidade de recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). (Fábio Borges/Secom TRT-SC)

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0237400-08.2008.5.12.0040 (Balneário Camboriú-SC)

RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Homologação do plano não impede rediscussão de crédito, já habilitado, em revisão contratual

Imprensa STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a habilitação do crédito e a posterior homologação do plano de recuperação judicial não impedem a rediscussão do seu valor em ação revisional de contrato.

A decisão teve origem em ação proposta por uma empresa em recuperação judicial contra o Banco do Brasil, visando à revisão de contratos de empréstimo, em virtude de suposto excesso na cobrança de juros e outras irregularidades.

Ação revisional de contrato bancário

Em sua defesa, o banco alegou que, ao apresentar o pedido de recuperação, a empresa concordou tacitamente com todas as cláusulas inseridas nos contratos, o que impediria o ajuizamento da ação revisional.

Asseverou ainda que seu crédito, de mais de R$ 4 milhões, já devidamente habilitado, não foi impugnado no prazo legalmente previsto, de modo que, sobrevindo a homologação do plano de recuperação, não mais seria possível a rediscussão do valor em ação revisional de contrato bancário.

Reconhecimento judicial da concursalidade submete o crédito à recuperação

Ministro Villas Bôas Cueva
Foto: Imprensa STJ

Relator do processo no STJ, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva ressaltou que, conforme o artigo 59 da Lei 11.101/2005, o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos. O magistrado lembrou que, como decidido pela Segunda Seção, o reconhecimento judicial da concursalidade do crédito, habilitado ou não, torna obrigatória a sua submissão aos efeitos da recuperação.

‘‘A novação, em regra, ainda que pressuponha a anterior homologação de um plano previamente aprovado pela assembleia geral de credores, não se opera por valores nominais, mas pela consolidação dos mais variados meios que a assembleia geral de credores considerar necessários e suficientes para a superação da crise que acomete a empresa em recuperação’’, afirmou no voto.

O ministro observou também que a mesma lei, em seu artigo 50, inciso I, quando utiliza um conceito aberto ao tratar das ‘‘condições especiais para pagamento’’, deixa transparecer que tal norma deve ser interpretada da forma mais ampla possível, admitindo a adoção de qualquer condição que seja aceitável para os credores e que possam contribuir para o soerguimento da empresa recuperanda.

Segundo ele, ‘‘independentemente do meio utilizado – deságio, remissão parcial, parcelamento etc. –, a concessão de condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas não leva em consideração eventuais acréscimos ou decréscimos no valor da dívida habilitada, resultantes de ações judiciais em curso’’.

Condição especial estabelecida no plano acompanha o valor do novo débito

Em relação ao crédito já habilitado, o relator ponderou que, ainda que já tenha sido homologado pelo juízo da recuperação, nada impede que sobrevenham acréscimos ou decréscimos por força de provimento jurisdicional definido em demandas judiciais em curso, a ensejar a aplicação da condição especial definida no plano de recuperação ao novo valor do débito judicialmente reconhecido.

‘‘No caso em apreço, sobrevindo decisão judicial que reconheça ser menor a dívida da empresa recuperanda para com a instituição financeira, a condição especial estabelecida no plano de recuperação deverá ser aplicada sobre esse novo montante’’, comentou.

O magistrado concluiu que a novação se opera no tocante às condições especiais de pagamento estabelecidas no plano, e não sobre valores nominais.

‘‘Se as obrigações previstas no plano de recuperação judicial não forem satisfeitas no prazo devido, a recuperação será convolada [transformada] em falência, e os credores terão seus direitos reconstituídos nas condições originalmente contratadas’’, ressaltou.

Leia o acórdão do REsp 1.700.606-PR

EXPECTATIVA DE DIREITO
STJ nega lucros cessantes à empreendedora impossibilitada de concluir loteamento

Imprensa STJ

Se não há como garantir que um empreendimento imobiliário, se finalizado, teria boa aceitação no mercado, eventual lucro decorrente da comercialização de suas unidades configura mero expectativa de direito. Logo, insuficiente para estabelecer o dever de indenizar em lucros cessantes.

Assim, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) livrou os proprietários de um imóvel da obrigação de indenizar, por lucros cessantes, a empresa que eles haviam contratado para lotear o terreno e vender as frações.

Descumprimento contratual

A empreendedora alegou que não cumpriu o contrato porque, após iniciar os trabalhos, constatou que o terreno era menor do que o indicado pelos proprietários, de modo que o loteamento teria menos unidades do que o projetado. Por essa razão, ajuizou ação indenizatória contra os contratantes, pleiteando o valor correspondente a 50% dos lotes – que receberia pela implantação do loteamento.

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) anulou a sentença que negou o pedido indenizatório, considerando que ela analisou matéria diversa da contida no pedido inicial (extra petita). Na sequência, analisando o mérito da ação, condenou os proprietários a indenizarem a empreendedora no valor pleiteado. Para a corte estadual, apesar de ter iniciado a implantação do projeto, a empreendedora ficou impossibilitada de prosseguir em decorrência da inércia dos proprietários em providenciar a adequação do imóvel.

Aplicação da teoria da causa madura

Em recurso ao STJ, os proprietários alegaram que seria inaplicável ao caso a teoria da causa madura – que permite a um tribunal julgar o processo que não tenha sido devidamente solucionado na instância anterior –, porque a sentença foi anulada em decorrência de erro do juiz. Também sustentaram que os autos deveriam ser devolvidos para novo julgamento em primeiro grau, o que permitiria a contestação de eventual condenação por meio da apelação.

Ministro Raul Araújo foi o relator
Foto: TCE-CE

O relator, ministro Raul Araújo, observou que o STJ admite a aplicação da teoria da causa madura mesmo em situações nas quais a sentença é anulada por erro de procedimento (AgInt no REsp 1.392.183), de modo que não se configurou o alegado cerceamento de defesa.

O magistrado lembrou que, sendo a questão de fato e de direito, e concluindo a corte de segundo grau pela suficiência da instrução probatória, ela pode prosseguir no julgamento do mérito da demanda – como no caso dos autos.

Indenização excessiva por valores que não podem ser calculados

Raul Araújo registrou que, para modificar os entendimentos do TJ-PR relativos à comprovação do descumprimento do contrato pelos donos do terreno e à comprovação dos prejuízos efetivos e lucros cessantes, seria necessário reexaminar as provas dos autos, o que é inviável mediante recurso especial (REsp), de acordo com a Súmula 7 do STJ.

Contudo, apontou o ministro, a fixação dos valores devidos a título de lucros cessantes foi excessiva, porque não há como garantir que a empresa, mesmo se finalizasse o empreendimento, teria sucesso em sua comercialização, assim como não é possível prever em que situação estaria o mercado imobiliário no momento da venda – o que não permite estabelecer com exatidão os valores que poderiam ser auferidos com o negócio.

Diante dessas peculiaridades, o relator deu parcial provimento ao recurso para afastar a condenação por lucros cessantes, os quais somente seriam auferidos na hipótese de conclusão do empreendimento.

Leia o acórdão no REsp 1.560.183-PR

DESEQUILÍBRIO DE FORÇAS
Justiça do Trabalho não deve homologar acordo extrajudicial que só beneficia o empregador, decide TRT-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A Justiça do Trabalho não pode avalizar transação extrajudicial, com quitação plena do contrato de trabalho, se não constata reciprocidade de concessões no acordo entre as partes. Afinal, se o acordo beneficia apenas a reclamada e prevê pagamento das parcelas fora do prazo legal à reclamante, há evidente desequilíbrio de forças entre as partes, ferindo o princípio da proteção ao trabalhador.

Nesta linha de entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) manteve decisão do juízo da Vara do Trabalho de São Jerônimo, que, ante flagrante vantagem para o empregador, além de indícios de lide simulada, se recusou a homologar transação extrajudicial entabulada entre uma trabalhadora e os donos de uma casa de repouso para a terceira idade.

Para a relatora do recurso ordinário, desembargadora Maria Madalena Telesca, ainda que se reconheça a autonomia da vontade das partes, o instituto do acordo judicial exige a observância de princípios que resguardam os direitos do trabalhador.

Desembargadora Maria Madalena Telesca
Foto: Secom/TRT-4

‘‘Não se verifica, no caso concreto – no qual restam evidentes desequilíbrios entre as partes –, tenha havido a diligência medianamente esperada de parte dos envolvidos, concluindo-se ocorrência de comportamento inadmissível. Nesse contexto, s.m.j., mantém-se os comandos da sentença. Nega-se provimento ao recurso da reclamante’’, fulminou no acórdão.

Homologatória de transação extrajudicial

A autora e os sócios do lar de idosos (Casa de Repouso Doce Aconchego), em 23 de julho de 2021, ajuizaram homologação de transação extrajudicial na Vara do Trabalho de São Jerônimo (RS). Em síntese, narraram que mantiveram relação de emprego no período compreendido entre 1º de março de 2017 a 20 de junho de 2021, acordando que a quitação seria paga de forma parcelada. A proposta de extinção de contrato de trabalho, com quitação total: pagamento de R$ 10,5 mil em sete parcelas mensais. O valor nominal atribuído à causa: R$ 19,3 mil.

Após a audiência conciliatória, o juiz do trabalho Mauricio de Moura Peçanha disse não concordar com uma transação na qual se paga parcialmente as verbas rescisórias com quitação total do contrato. Ele sugeriu a quitação restrita às verbas elencadas no acordo, e não a todos os direitos da trabalhadora, mas a parte reclamada não concordou.

Nessa mesma cerimônia, registra a sentença, a parte reclamante relatou que trabalhou na casa de repouso por 12 ou 13 anos, sofreu acidente de trabalho em 2020 e que só aceitou o modesto valor estipulado no acordo ‘‘por necessidade econômica’’.

Neste quadro, Peçanha entendeu que não poderia homologar o acordo nos moldes do artigo 855-B, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regula este procedimento, por indícios de fraude aos direitos da trabalhadora. Especialmente em razão do parcelamento da verba rescisória, que afronta o prazo legal.

‘‘Entendo que a pretensão de quitação total (…) comprova a fraude pretendida pela empregadora e a simulação de lide com vício de origem para mascarar descumprimento de direitos trabalhistas em desfavor da empregada, não podendo haver chancela judicial em favor da simuladora. Por conseguinte, extingo o processo sem resolução do mérito, nos termos dos arts. 139, III, 142 e 485, IV, do CPC’’, decidiu o juiz.

Ofício às autoridades competentes

Invocando a obrigação de comunicar irregularidade às autoridades competentes, expressa na Consolidação de Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, o julgador determinou a expedição de ofícios à seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), ao Ministério Público Federal (MPF-RS) e ao Ministério Público do Trabalho (MPT-RS). Todas as instituições terão acesso à cópia do processo trabalhista, para apurar possíveis indícios de fraude e, se for o caso, tomar as medidas cabíveis contra o empregador e/ou a ex-empregada.

‘‘Isso advém da ideia de que se o juiz não tem competência para sanar algum descumprimento à lei de que tome conhecimento, deve comunicar ao agente público que a tenha, pois o juiz deve participar da construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3º, I, da CRFB/88) com respeito às instituições estatais e à lei e com a busca da paz social que é um fim do direito’’, concluiu Mauricio de Moura Peçanha.

Recurso ordinário

Inconformadas com o teor da sentença que extinguiu o processo, sem resolução do mérito, as partes litigantes entraram com recurso ordinário no TRT-4.

A reclamada buscou a reforma do julgado quanto a não homologação do acordo extrajudicial, arguindo pela sua validade e ausência de fraude – além de impedir a expedição de ofícios às instituições. Já a parte reclamante reagiu quanto ao entendimento de ocorrência de conluio entre as partes e procuradores e de lide simulada.

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0020395-50.2021.5.04.0451 (São Jerônimo-RS)

 

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