AÇÃO RENOVATÓRIA
A proteção simultânea do fundo de comércio e do direito de propriedade

Especial Imprensa STJ

Abrir um negócio e mantê-lo em funcionamento não é tarefa simples. Entre as inúmeras variáveis que podem determinar lucro ou prejuízo do empreendimento, destaca-se a localização do ponto comercial.

Ao escolher onde fixará seu estabelecimento, o empresário considera fatores como poder aquisitivo do público local, questões de segurança, facilidade de acesso, tamanho do imóvel. A partir daí, investe em reformas e equipamentos, faz publicidade, constitui uma clientela, consolida seu nome e sua imagem perante os consumidores, formando o que grande parte da doutrina define como o ‘‘fundo de comércio’’.

Nas palavras do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, ‘‘apesar de não existir conceito uniforme na doutrina brasileira, o fundo de comércio é o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos destinados ao exercício da atividade empresarial, englobando, por conseguinte, todos os bens úteis e necessários ao exercício da empresa’’ (REsp 1.872.262).

Justeza nas relações de locação comercial

Visando proteger esse conjunto de bens na locação urbana para fins comerciais, o legislador positivou a chamada ação renovatória, a qual permite que o inquilino, independentemente da vontade do locador, renove o contrato por igual prazo, desde que cumpridos os requisitos legais (artigo 51 da Lei 8.245/1991 – Lei do Inquilinato).

Entretanto, conforme esclareceu a ministra Nancy Andrighi, no recente julgamento do REsp 1.971.600, a ação renovatória não pode servir para a restrição do direito à propriedade do locador nem para a violação da natureza bilateral e consensual do contrato de locação, com a eternização da avença.

Nessa toada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) constrói sua jurisprudência sobre o tema, tendo como base o equilíbrio entre os direitos tanto do locatário quanto do locador.

Concordância com a renovação gera responsabilidade do fiador por reajuste do aluguel

A Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 1.911.617, decidiu que o fiador que não foi parte na ação renovatória pode ser incluído no polo passivo do cumprimento de sentença, respondendo por todas as obrigações fixadas no julgamento da demanda – inclusive pelo aluguel determinado judicialmente, e não apenas pelo valor que havia sido proposto pelo locatário na petição inicial. A condição para isso é que tenha sido juntada à renovatória sua declaração anuindo com a prorrogação do contrato.

No caso analisado, duas fiadoras questionaram acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que as manteve no polo passivo do cumprimento de sentença para pagamento das diferenças de aluguel, após o reajuste judicial do valor da locação comercial em patamar mais alto do que o proposto pelo locatário na ação renovatória. O TJ-SP consignou que a declaração das fiadoras, concordando com a renovação, era suficiente para responsabilizá-las.

Ao STJ, elas alegaram que a obrigação de fiança gerada pela declaração oferecida na renovatória seria limitada ao valor sugerido na petição inicial, de modo que não poderiam ser obrigadas a arcar com o aluguel muito mais alto fixado judicialmente.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou que a Lei do Inquilinato estabelece documentos específicos que devem instruir a ação renovatória de locação comercial, entre eles a declaração do fiador – ou de quem vai substituí-lo na renovação – de que aceita os encargos da fiança. ‘‘O encargo que o fiador assume não é o valor objeto da pretensão inicial, mas, sim, o novo aluguel que será arbitrado judicialmente’’, afirmou a magistrada.

Nesse sentido já decidiram a Quinta Turma (REsp 327.917 e REsp 401.036) e a Sexta Turma (AgRg no Ag 1.017.282), órgãos que, no passado, eram competentes para julgar recursos sobre locação predial urbana no STJ.

Sentença na renovatória não atinge quem já não integrava a relação locatícia

Em julgamento sob a relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva (REsp 1.521.383), a Terceira Turma entendeu que ‘‘os efeitos da sentença proferida em ação renovatória proposta contra quem já não mais figurava na relação locatícia, na condição de locadora, nos termos do artigo 472 do Código de Processo Civil/1973, não atingem o novo administrador de imóvel pertencente a fundo de investimento imobiliário constituído antes da existência de litigiosidade sobre o bem’’.

‘‘Não se pode estender os efeitos do título judicial a quem jamais integrou a relação processual, tampouco impedir a atual administradora do imóvel, proprietária fiduciária, de ajuizar a competente ação de despejo’’, ponderou o relator.

O recurso especial (REsp) foi interposto por locatária de uma loja em shopping center de Porto Alegre. O tribunal de origem havia reconhecido a legalidade da ação de despejo promovida pela nova administração do fundo ao qual o imóvel pertencia, mesmo após sentença transitada em julgado contra a antiga administração ter reconhecido o direito de renovação pelo locatário.  O inquilino sustentou que tal sentença deveria se estender aos sucessores do fundo de investimento.

Cueva explicou que, nesse caso, a decisão dada na renovatória só obrigaria a nova direção do fundo se ficasse comprovado que não houve notificação de que uma nova administradora passou à condição de locadora no contrato inicialmente celebrado com pessoa jurídica diversa – situação diferente da consignada nos autos, em que houve o devido aviso por correio, previamente ao ajuizamento da renovatória.

‘‘Não há falar em sucessão, na qual o sucessor assume a posição do sucedido na relação jurídica deduzida no processo, haja vista que a ação renovatória foi proposta contra quem, naquele momento, já não era mais a administradora do imóvel objeto de locação’’, disse o relator.

Prazo máximo de renovação compulsória de aluguel comercial é de cinco anos

Em maio deste ano, a Quarta Turma do STJ definiu que o prazo máximo para a renovação compulsória de aluguel comercial é de cinco anos, ainda que o contrato inicial tenha duração superior (REsp 1.990.552).

Na ocasião, o colegiado analisou recurso de uma rede de restaurantes contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) que, com base no inciso II do artigo 51 da Lei do Inquilinato, deferiu por apenas mais cinco anos a renovação do aluguel de várias lojas utilizadas pela rede em um shopping center, sendo que o contrato original tinha sido firmado com duração de 12 anos e 11 meses.

A empresa alegou que essa limitação temporal não estaria prevista, pois o estabelecido no artigo 51 da Lei 8.245/1991 – segundo ela – é a renovação compulsória do contrato locatício comercial pelo mesmo período em que vigorou o último contrato.

Relator do processo no STJ, o ministro Raul Araújo destacou que, quando a norma dispõe que o locatário tem o direito de renovar o contrato pelo mesmo prazo do ajuste anterior, ela se refere, conforme decidiu o TJ-RS, ao prazo de cinco anos previsto no inciso II do artigo 51, e não ao prazo do último contrato celebrado. ‘‘O prazo máximo de cinco anos mostra-se razoável para renovação compulsória de contratos de locação de imóvel para uso comercial’’, afirmou.

Ministro Raul Araújo
Foto: Gustavo Lima/STJ

Ação renovatória de espaço destinado à instalação de ERBs

O local destinado à instalação de Estação Rádio Base (ERB), objeto do contrato de locação não residencial, configura fundo de comércio e é tutelado pela ação renovatória. Esse foi o entendimento da Terceira Turma nos Recursos Especiais 1.790.074 e 1.872.262 e da Quarta Turma no AgInt no AREsp 1.551.389 e no AgInt nos EDcl no AREsp 1.577.914.

‘‘As ERBs são estruturas essenciais ao exercício da atividade de prestação de serviço de telefonia celular, que demandam investimento da operadora, e, como tal, integram o fundo de comércio e se incorporam ao seu patrimônio’’, afirmou a ministra Nancy Andrighi ao relatar o REsp 1.790.074.

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, cujo voto prevaleceu no julgamento do REsp 1.872.262, ao tratar das peculiaridades da atividade exercida pelas operadoras de telefonia móvel, lembrou a intensa regulação a que são submetidas essas empresas pelo poder público e o caráter de continuidade que devem ostentar seus serviços. ‘‘É evidente que o local destinado à instalação de ERB configura fundo de comércio a ser tutelado pela ação renovatória’’, concluiu.

Outro ponto importante destacado pelo magistrado é que, nesse caso, a procedência do pedido de renovação compulsória do contrato de locação comercial depende do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 51 da Lei 8.245/1991 e da inexistência de legítima oposição de exceção de retomada pelo locador.

Renúncia em ação renovatória após transcorrido o prazo para a renovação

Ao julgar o REsp 1.707.365, a Terceira Turma entendeu que é possível a renúncia em ação renovatória mesmo quando o pedido é formulado após o prazo pretendido de renovação do contrato.

‘‘A renúncia é ato unilateral, no qual o autor dispõe da pretensão de direito material deduzida em juízo, podendo ser apresentada até o trânsito em julgado da demanda’’, salientou o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

Segundo os autos, uma empresa de varejo requereu a renovação de contrato de aluguel pelo prazo de cinco anos – dezembro de 2010 a novembro de 2015 –, pedido julgado improcedente em primeira instância, com expedição de mandado de despejo e com a determinação de pagamento dos aluguéis devidos até a desocupação, além de impostos e taxas não quitados.

Em março de 2016, a locatária apresentou renúncia e requereu a extinção do processo com resolução do mérito, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) rejeitou a homologação do pedido, por considerar que já havia transcorrido o prazo final do objeto da demanda renovatória e que ainda estava sendo discutido o valor do aluguel.

Cueva considerou ‘‘equivocado’’ o entendimento do TJ-MG sobre o esvaziamento da pretensão pelo decurso do tempo, mas esclareceu que reconhecer o direito do inquilino de desistir da renovatória não o exime do cumprimento da obrigação de deixar o imóvel e efetuar o pagamento dos aluguéis devidos até a data da efetiva desocupação, visto que tal ação tem caráter dúplice.

‘‘A improcedência da pretensão renovatória, seja qual for o motivo, implica a expedição de mandado de despejo, além da possibilidade de cobrança dos aluguéis não quitados, consoante preconiza o artigo 74 da Lei 8.245/1991.’’

Reajuste por benfeitorias realizadas pelo locatário pode ser concedido fora da renovatória

A Corte Especial do STJ, em embargos de divergência (EREsp 1.411.420), reformou decisão da Quarta Turma segundo a qual somente na ação renovatória (novo contrato) poderiam ser levadas em conta, para a fixação do aluguel, as acessões realizadas pelo locatário, não podendo ser consideradas essas melhorias em ação revisional (mesmo contrato). No recurso, alegou-se que tal entendimento seria contrário a julgados anteriores da Quinta Turma e da Sexta Turma.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, observou que, conforme o acórdão da Quarta Turma, a ação revisional se limitaria ao imóvel com suas características originais da época da contratação. No entanto, ela lembrou que o artigo 19 da Lei do Inquilinato dispõe que o locador ou o locatário poderão pedir revisão judicial do aluguel para ajustá-lo ao preço de mercado.

‘‘Não se pode conceber que o aluguel de um imóvel, cuja área edificada passa ao quíntuplo de seu tamanho originário, deva ter o preço alterado exclusivamente em virtude de fatores externos. A ação revisional de contrato de locação autoriza o ajuste do valor do aluguel, considerando em seu cálculo eventual acessão ou benfeitoria realizada pelo locatário, com autorização do locador’’, declarou.

Juros de mora sobre as diferenças dos aluguéis fixados no contrato e na renovatória 

Ministro Marco Aurélio Bellizze
Foto: Emerson Leal/STJ

Sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze (REsp 1.888.401), a Terceira Turma definiu que o termo inicial dos juros de mora incidentes sobre as diferenças entre os valores do aluguel estabelecido no contrato e aquele fixado na ação renovatória será a data para pagamento determinada na própria sentença transitada em julgado (mora ex re) ou a data da intimação do devedor para pagamento na fase de cumprimento de sentença (mora ex persona).

No recurso, questionou-se decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DFT) que determinou a incidência dos juros de mora a partir do vencimento de cada parcela, visto que o aluguel fixado na renovatória é devido desde a data da renovação do contrato.

Em seu voto, Bellizze destacou que o caso era peculiar, em razão de se encontrar ainda na fase de conhecimento da ação renovatória, inexistindo decisão transitada em julgado sobre fixação de prazo para a diferença dos aluguéis.

‘‘Deve-se perquirir se a sentença da ação renovatória fixa prazo para o pagamento do saldo devedor, haja vista que, se o fizer, a mora do devedor se dará com o trânsito em julgado, mas caso o título executivo judicial não faça referência ao prazo para adimplemento, caberá ao credor interpelar o devedor para pagamento’’, considerou o relator.

Demonstração de quitação tributária para ajuizamento da renovatória

Ao proferir seu voto como relator no REsp 1.698.814, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, acompanhado por unanimidade pela Terceira Turma, entendeu que a certidão de parcelamento fiscal é suficiente para suprir a exigência prevista no inciso III do artigo 71 da Lei 8.245/1991 para efeito do ajuizamento de ação renovatória de locação empresarial.

Segundo o dispositivo, ‘‘a petição inicial da ação renovatória deverá ser instruída com prova da quitação dos impostos e taxas que incidiram sobre o imóvel e cujo pagamento lhe incumbia’’.

O tribunal de origem havia definido que a simples realização de parcelamento dos débitos fiscais, mesmo com a apresentação posterior dos comprovantes dos pagamentos realizados, inviabilizaria a renovação, pois o parcelamento é causa de suspensão do crédito tributário, mas não de sua extinção.

Sanseverino destacou que a controvérsia era diferente de outras analisadas pelo STJ, que já admitia a comprovação da quitação de impostos e taxas após a propositura da ação renovatória, desde que tivesse ocorrido antes do ajuizamento. Segundo ele, ‘‘a peculiaridade do presente caso é que foi apresentado apenas comprovante de parcelamento do débito fiscal no momento do ajuizamento da ação renovatória, tendo ocorrido a quitação ao longo do processo’’.

O magistrado ponderou que, nessa situação, é requisito fundamental a prova do cumprimento das obrigações tributárias assumidas pelo locatário, o que, segundo os autos, ocorreu em duas etapas: demonstração do parcelamento prévio e comprovação do posterior pagamento das parcelas negociadas com o fisco.

‘‘A interpretação sistemática e teleológica do disposto no inciso III do artigo 71 da Lei de Locações conduz ao reconhecimento da regularidade do parcelamento fiscal firmado antes do ajuizamento da ação para propositura da renovatória de locação comercial’’, concluiu.

REsp 1872262

REsp 1971600

REsp 191161

REsp 327917

REsp 401036

Ag 1017282

REsp 1521383

REsp 1990552

REsp 1790074

REsp 1872262

AREsp 1551389

AREsp 1577914

REsp 1707365

EREsp 1411420

REsp 1888401

REsp 1698814

PREJUÍZO À ACESSIBILIDADE
TST invalida penhora de veículo pertencente a pessoa com deficiência

Secom TST

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI) do Tribunal Superior do Trabalho (TST) invalidou penhora de veículo de um empregador executado pela Justiça do Trabalho que questionava alienação do automóvel por ser pessoa com deficiência. A Turma afastou a legalidade da penhora do bem com o fundamento de que a constrição do bem fere a dignidade da pessoa humana e da solidariedade.

Mandado de segurança

Ministro Evandro Valadão foi o relator
Foto: Secom TST

Em execução trabalhista que envolve a Tecnocart Embalagens, em Diadema (SP), o juízo de primeiro grau, após a desconsideração da personalidade jurídica, determinou a penhora do veículo pertencente a um dos sócios da empresa. Pessoa com deficiência, o sócio alegou que o veículo era adaptado às suas necessidades, do qual dependia para se locomover, inclusive para visitas ao médico. Buscando afastar a penhora, o sócio impetrou mandado de segurança contra a determinação.

Bem de família 

Na sentença, o juiz afirmou que o veículo penhorado não equivale a bem de família e que a Lei 8.989/95 se aplica exclusivamente para fins de isenção tributária. Além disso, entendeu que não há prova de que o sustento do portador de deficiência dependa do automóvel e que o fato do veículo proporcionar maior comodidade não significa que sua falta o priva de locomover-se.

O caso chegou, então, ao Tribunal Superior do Trabalho.

Dignidade e solidariedade

Na avaliação do relator do recurso do executado na SDI, ministro Evandro Valadão, o veículo especial do executado não pode ser penhorado em razão tanto do princípio da proteção da pessoa com deficiência, quanto diante do dever estatal de promoção de inclusão e de acessibilidade plena a pessoa com deficiência.

Valadão lembrou que a Constituição consagra a dignidade da pessoa humana e o princípio da solidariedade como fundamentos da República, impondo como dever do estado zelar pelas garantias das pessoas com deficiência.

ROT-1000902-22.2021.5.02.0000-SP

AÇÃO DECLARATÓRIA
Anuência do comprador legitima cobrança de taxa de manutenção em loteamento antes da Lei 13.465/17

Imprensa STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que, tendo havido a concordância do adquirente no momento da compra, é válida a cobrança de taxa de manutenção das áreas comuns pela administradora de loteamento, mesmo antes da promulgação da Lei 13.465/2017 (Lei do Reurb).

A decisão foi tomada no reexame de recurso especial (REsp), para eventual juízo de retratação (artigo 1.040, inciso II, do Código de Processo Civil), após o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 695.911 (Tema 492).

De forma unânime, os ministros da Terceira Turma mantiveram o acórdão anterior, por entender que ele não conflita com a posição do STF.

Na origem do caso, em fevereiro de 2009, um grupo de proprietários ajuizou ação declaratória de inexistência de obrigação contra a administradora do loteamento em que possuíam terrenos, em virtude da cobrança de taxa destinada à manutenção das áreas comuns.

Os autores da ação alegaram não existir lei que os obrigasse a pagar a taxa. Segundo eles, mesmo que se tratasse de um condomínio, as decisões sobre sua administração deveriam ser aprovadas em assembleia, mas isso não ocorreu, o que inviabilizaria por completo a exigência de pagamento.

Por seu lado, a administradora afirmou que, desde a constituição do loteamento, foi estabelecido contrato-padrão com a previsão de que haveria serviços de conservação cujo custeio seria rateado entre os proprietários, e que, durante vários anos, os autores pagaram a mensalidade sem qualquer oposição, tendo os serviços sido efetivamente prestados.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) entendeu que a cobrança da taxa era válida, pois os compradores sabiam da sua exigência quando assinaram o contrato. A decisão foi mantida pelo STJ no primeiro julgamento do recurso.

Situação é diferente da julgada pelo STF

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa STJ

Ao analisar o RE 695.911, o STF definiu que ‘‘é inconstitucional a cobrança, por parte de associação, de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei 13.465/1917 ou de anterior lei municipal que discipline a questão’’.

Para a relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, a decisão proferida pela Terceira Turma não destoa do entendimento fixado pelo STF, o qual diz respeito à situação em que não há regulamentação legal nem manifestação de vontade das partes.

A ministra transcreveu trechos do acórdão do TJ-SP nos quais se reconhece que os compradores dos terrenos estavam cientes de que teriam de arcar com as taxas. ‘‘O contexto delineado pelas instâncias de origem revela que, a despeito da ausência, à época, de previsão legal, os recorrentes manifestaram expressa vontade de assumir, perante o loteador, a obrigação de pagar a taxa de manutenção’’, afirmou.

Nancy Andrighi lembrou que a aquiescência dos compradores com esse pagamento constou dos contratos, cujo modelo estava registrado no cartório de imóveis. Diante dessa peculiaridade, concluiu a relatora, ‘‘sobressai a distinção com o decidido no RE 695.911, de modo que o acórdão exarado por esta turma não conflita com o precedente da Suprema Corte’’.

A ministra assinalou ainda que, em decisão sobre o mesmo loteamento (RE 1.207.710), o ministro do STF Gilmar Mendes – assim como a Terceira Turma do STJ – entendeu que se tratava de um caso peculiar, que não se assemelhava ao entendimento proferido por aquela corte em repercussão geral.

Leia o acórdão no REsp 1.569.609-SP

 

 

TRABALHO INTERMITENTE
Gestante não convocada tem reconhecido direito à estabilidade

Secom TST

Arte SindiSaúde Ceará

Uma assistente de loja que prestava serviços por meio de contrato intermitente e deixou de ser convocada para o trabalho após informar que estava grávida teve reconhecido o direito à estabilidade provisória. Com isso, a empresa deverá pagar indenização substitutiva, correspondente ao período da estabilidade gestacional, entre outras verbas.

O entendimento ocorreu após a Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitar o exame do recurso da empresa contra a condenação, imposta pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), que também entendeu que houve rescisão indireta do contrato de trabalho (falta grave do empregador).

Modalidade de contratação

Na reclamatória trabalhista, a assistente disse que começou suas atividades em um estabelecimento comercial em agosto de 2018, por meio de contrato de trabalho intermitente. Nessa modalidade de contratação, criada pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), a pessoa trabalha quando é convocada pela empresa e, nos demais períodos, fica em inatividade.

Em setembro de 2018, a trabalhadora confirmou que estava grávida. Após informar o fato à empresa, não foi mais chamada para prestar serviços. Após o nascimento da criança, também não pôde receber o auxílio-maternidade do INSS, porque a empregadora não havia assinado requerimento que permitiria o acesso ao benefício.

Ela, então, ingressou na Justiça do Trabalho para reivindicar o reconhecimento do direito à estabilidade e o pagamento da indenização correspondente ao período, entre outras verbas trabalhistas.

Mudança de cidade

A empresa, em sua defesa, alegou que os períodos de trabalho e de inatividade não foram pré-estipulados. Também justificou que a trabalhadora havia mudado de cidade e que isso impossibilitou que fosse novamente chamada.

Falta grave e rescisão indireta

No processo, constatou-se que, a partir de outubro de 2018, a assistente deixou de ser chamada pela empresa. Em primeiro grau, a Justiça do Trabalho entendeu que isso foi consequência da gravidez. Dessa forma, considerou que houve rescisão indireta do contrato, decorrente de falta grave da empregadora, e reconheceu o direito à estabilidade, determinando o pagamento da indenização correspondente.

O argumento da empresa de que a trabalhadora se mudara de cidade não foi acolhido, já que, segundo a legislação trabalhista, a pessoa que presta serviços de forma intermitente deve ser chamada com antecedência de três dias e tem até um dia útil para responder, o que não ocorreu no caso.

Violação da dignidade

O Tribunal Regional do Trabalho, ao julgar recurso, destacou que a atitude da empresa violou diretamente a dignidade da pessoa humana e o princípio de proteção à trabalhadora, uma vez que, ao tomar ciência da gestação, deixou a empregada ociosa por cerca de um ano.

Proteção constitucional

A empresa tentou novamente alterar a decisão no TST, mas seu agravo de instrumento não foi acolhido pela Terceira Turma.

Para o relator do agravo, ministro José Roberto Pimenta, mesmo nos contratos intermitentes, os trabalhadores não estão descobertos da proteção constitucional contra atos discriminatórios, como foi constatado no caso.

O ministro-relator observou que os fatos que levaram ao reconhecimento da rescisão indireta se originaram da própria gravidez, e não se pode falar em inexistência do direito à respectiva estabilidade provisória.

A decisão foi unânime.

O processo tramita em segredo de justiça.

ESTRATÉGIA TRIBUTÁRIA
Contador que não recolheu ICMS antecipado não precisa indenizar indústria paulista multada pelo fisco

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O contador não pode ser responsabilizado por erro no lançamento/recolhimento de tributos se os autos mostram que os relatórios e apurações fiscais eram auditados pela empresa contratante dos seus serviços. Logo, sobrevindo uma multa, não se pode falar em imperícia ou responsabilidade do contador, mas em estratégia de planejamento tributário levada a cabo pela empresa.

Firme neste fundamento, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) manteve sentença que julgou improcedente ação indenizatória por danos materiais manejada por Zincoligas Indústria e Comércio Ltda, com sede em Itaquaquecetuba-SP, contra o contador Carlos Alberto Nogueira, que tem escritório em Esteio (RS).

O relator da apelação no colegiado, desembargador Carlos Eduardo Richinitti, apurou que os relatórios e as guias de recolhimento de ICMS estavam sujeitos à conferência e controle da matriz, evidenciando o argumento de que não houve erro do contador, mas estratégia da empresa.

‘‘Aqui cumpre destacar que a apelante não é uma microempresa, mas possui porte razoável diante das quantias que movimentava ainda em 2013, conforme relatórios fiscais acostados às fls. 145/216, somado ao fato de que atuava ao menos em três Estados do País tal qual disseram as pessoas ouvidas em audiência. Isso corrobora a conclusão de que se não ordenou que os relatórios e guias permanecessem sendo preenchidos por meio de conta corrente fiscal, com isso aquiesceu ao efetuar a conferência e controle dos relatórios. Veja-se que know-how não lhe faltava a respeito de planejamento tributário, pois conhecia e lidava com as regras tributárias de SP, RS e SC’’, cravou no acórdão.

Ação indenizatória por danos materiais

A empresa pretendia se ressarcir do pagamento de R$ 209 mil (valor de dezembro de 2014), relativo à multa aplicada pela Fazenda Estadual do RS, em razão do recolhimento indevido do ICMS – causado, segunda a autora, pela desídia do contador. O profissional prestou serviços para a parte autora de junho de 2009 a agosto de 2014. As inconsistências de informações fiscais, que ensejaram o processo de indenização por danos materiais, ocorreram entre ocorreram fevereiro de 2013 e maio de 2014.

Segundo detalha a petição, o contador apurou erroneamente o ICMS devido, o que gerou Auto-de-Infração e Imposição de Multa (AIIM) no valor de R$ 1,9 milhão. Ele não atendeu à norma do artigo 46, parágrafo 4º, livro I, do Regulamento do ICMS do Rio Grande do Sul (RICMSRS). O dispositivo determina a apuração e recolhimento antecipado do ICMS relativo à entrada de mercadorias importadas e vindas de outras unidades da federação, o que representava cerca de 90% de suas aquisições. Em síntese, o ICMS referente às mercadorias importadas foi recolhido considerando apenas créditos e débitos, sem observar a exigência de antecipação do diferencial de alíquota decorrente da importação.

A defesa do contador

Citado pela 2ª Vara Cível da Comarca de Esteio, Nogueira esclareceu que o contrato de serviços foi verbal e tinha por objeto apenas a escrituração contábil, sem contemplar planejamento ou assessoria tributária. Isso teria ficado claro, primeiro, a partir da fixação da sua remuneração – R$ 500 por mês; e, em segundo lugar, porque a matriz da empresa tinha um setor fiscal para validar as operações contábeis.

Segundo o profissional, este setor analisava a escrituração das diversas filiais, todas com legislação tributária semelhante, como o Estado de São Paulo. Ou seja, a matriz podia identificar práticas contábeis, analisar os seus riscos e ratificar, ou não, a forma como eram feitos os lançamentos das informações tributárias.

Entrando no mérito, o réu sustentou que há divergência jurisprudencial sobre a validade do recolhimento antecipado do ICMS. Seria possível, assim, que, administrativa ou judicialmente, os lançamentos viessem a ser reconhecidos como lícitos. Portanto, se a parte autora desistiu da chance de anular o lançamento do tributo ou dos consectários da mora, não pode lhe imputar tal responsabilidade.

Ressaltou, por fim, que em nenhum momento a empresa sustentou erro do contador, mas a correção do lançamento. Nesta perspectiva, implicitamente, estaria também ratificando a correção do agir do prestador de serviços.

Sentença improcedente

Por entender que a parte autora não impugnou o principal argumento do réu, de que havia um departamento fiscal com conhecimento para verificar a adequação dos procedimentos contábeis adotados, a 2ª Vara Cível de Esteio julgou improcedente a ação indenizatória.

É que, nos termos do artigo 341, do Código de Processo Civil (CPC), o réu tem obrigação de ‘‘manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas’’. Trazendo para os autos o espírito do dispositivo: tem-se como verdadeira a ‘‘ratificação implícita do procedimento contábil adotado’’.

Superioridade de conhecimento tributário

Para o juiz Francisco Luís Morsch, mesmo que não houvesse tal presunção, não é plausível que um pagamento a menor, que pudesse ter reflexos superiores a R$ 1,8 milhão, ‘‘passasse indiferente’’ ao departamento fiscal da empresa. Principalmente se noutros Estados que contam com filiais da empresa o regime jurídico tributário relativo ao ponto é idêntico.

‘‘Mesmo que assim não concluíssemos, ela [a empresa], mais que o contador, foi negligente. Contratou contador para fazer lançamentos de tal monta, e remunerou o profissional com valores diminutos, fazendo recair sobre o mesmo toda a responsabilidade pelas práticas fiscais. Tanto a

[sociedade] empresária quanto o contador detém responsabilidade pela correção de suas práticas – compliance. No caso, pelo porte dos envolvidos, pela superioridade de conhecimento tributário da autora, é da [sociedade] empresária a responsabilidade pela correção dos lançamentos, não do contador. Não pode uma [sociedade] empresária de tal porte fazer recair sobre um profissional autônomo, remunerado com quinhentos reais por mês, a responsabilidade por expertise contábil que poderia fazer recair sobre a empresa dívida milionária’’, fulminou o juiz na sentença.

Clique aqui para ler a sentença

Clique aqui para ler o acórdão

014/1.16.0003499-9 (Esteio-RS)

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