RAZÃO EXTRACONTRATUAL
Trabalhadora que se ausentou do serviço por violência doméstica é reintegrada em MG

 

Foto ilustrativa: José Cruz/Agência Brasil

Uma atendente de telemarketing dispensada por justa causa, sob alegação de abandono de emprego, foi reintegrada ao serviço pela Justiça do Trabalho de Minas Gerais. O juiz em atuação na 30ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, Daniel Chein Guimarães, reconheceu haver elementos robustos apontando que a ausência da profissional se devia a ‘‘condenáveis práticas de violência doméstica, às quais estava sendo submetida há meses e que ensejaram a aplicação de medidas protetivas’’.

A reintegração foi mantida pela 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais). ‘‘Ressalte-se que a própria ré deixou de capitular a justa causa como abandono de emprego, motivo por que presume-se que não havia ânimo da reclamante de deixar de trabalhar. Por outro lado, não é possível a configuração de desídia quando a empregada possui justo motivo para as faltas ao trabalho. Nesse contexto, correta a reversão da justa causa pelo Juízo de origem’’, resumiu no acórdão o desembargador-relator Antônio Neves de Freitas.

Desembargador Antônio Neves de Freitas foi o relator
Foto: Imprensa/TRT-3

Ação reclamatória

A reclamante requereu a anulação da dispensa, efetuada em 1º de junho de 2022, com a consequente reintegração ou, sucessivamente, pagamento de indenização substitutiva. Alegou estar grávida quando ocorreu o desligamento contratual.

Já a empregadora, empresa de teleatendimento (Contact Center), negou a pretensão da trabalhadora. Na contestação, sustentou que ela não tem direito à estabilidade pleiteada, uma vez que a rescisão se operou pela modalidade justa causa, em razão da ‘‘desídia no desempenho das funções’’.

Alegação frágil do preposto

Embora a defesa tenha mencionado que a rescisão aconteceu por desídia, o juiz do trabalho Daniel Chein Guimarães entendeu que o preposto da empregadora acabou fragilizando a alegação. ‘‘Ele mencionou, na verdade, outro motivo ensejador da justa causa aplicada’’, ressaltou o juiz. Pelo depoimento do preposto, a profissional foi dispensada por justa causa, mas por abandono de emprego, desde 10 de abril de 2022.

Na visão do magistrado, não ficou demonstrado que a parte reclamante tenha tido a real intenção de se desligar da empresa, apesar de ter se ausentado por lapso temporal muito superior aos 30 dias estabelecidos pela jurisprudência.

‘‘À míngua das necessárias convocações para seu retorno ao trabalho, inércia essa que foi, inclusive, noticiada pelo próprio preposto, que se incorreu, ora em confissão expressa, ora na ficta confessio: disse que não tem a informação se houve comunicação da trabalhadora mediante telegrama; que, ao que parece, ocorreu contato telefônico; que não sabe dizer o que a profissional mencionou nesse telefonema’’.

Abandono de emprego não configurado

Nesse contexto, o julgador entendeu que não foram atendidos ambos os pressupostos imprescindíveis para a configuração do abandono de emprego noticiado pelo representante processual da empresa.

‘‘Não apenas o animus abandonandi, como também, e inclusive, as alegadas injustificadas faltas ao trabalho. Há elementos robustos, nos presentes autos, para se depreender que a ausência laboral se devia a condenáveis práticas de violência doméstica; que ela estava sendo submetida há meses e que ensejaram a aplicação das medidas protetivas constantes da decisão judicial prolatada em 10/7/2022, em razão de derradeira agressão ocorrida em 9/7/2022’’, esclareceu na sentença.

Para Daniel Chein Guimarães, revelou-se verossímil que a ausência reiterada da profissional tinha uma razão extracontratual atípica. ‘‘Percebe-se que a empregadora não conseguiu demonstrar, com a robustez necessária, que a trabalhadora tinha, de fato, o intuito de não mais laborar nas dependências sem lhe prestar qualquer satisfação.’’

Justa causa desconstituída

Assim, diante dos fatos, o juízo trabalhista desconstituiu a justa causa aplicada à reclamante. E, em decorrência do seu estado gravídico no momento da dispensa e até a data da decisão, determinou a ‘‘imediata reintegração ao emprego, nas mesmas condições laborais vivenciadas, idênticas a função, a remuneração e a jornada de trabalho’’.

O juízo também deferiu à trabalhadora uma indenização substitutiva dos salários devidos desde 1º de junho de 2022 até a efetiva reintegração, com repercussões em férias, 1/3, 13º salário e Fundo de Garantia. O julgador condenou ainda a outra empresa, parte no processo, que é do ramo telecomunicações, a responder subsidiariamente pelos créditos deferidos. (Redação Painel com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3)

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0010651-80.2022.5.03.0109 (Belo Horizonte)

CAPACIDADE FINANCEIRA
Empresa em recuperação pode participar de licitação, reafirma STJ

Arte: Escola Virtual Gov

Uma empresa em processo de recuperação judicial pode participar de procedimento licitatório. Afinal, a circunstância de a empresa se encontrar em recuperação judicial, por si só, não caracteriza impedimento para contratação com o Poder Público, ainda que não seja dispensada da apresentação das certidões negativas de débitos fiscais.

O entendimento foi reafirmado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime.

De acordo com o processo, uma construtora impetrou mandando de segurança (MS) contra ato praticado pelo reitor da Universidade Federal do Cariri (UFCA), no Ceará, buscando a nulidade do ato administrativo de não assinatura do contrato decorrente de edital licitatório, proveniente daquela instituição de ensino superior, tendo em vista a ausência de previsão legal impeditiva de que empresas em recuperação judicial participem de processo licitatório.

O juízo de primeiro grau concedeu parcialmente a ordem, no sentido de impossibilitar a utilização de tal critério para obstar a assinatura do referido contrato com a impetrante. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5, que jurisdiciona em Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe) negou provimento ao recurso de apelação da UFCA. O argumento: conforme o artigo 31 da Lei 8.666/93, não é necessária a apresentação da certidão negativa de recuperação judicial para a participação de empresas em recuperação judicial em procedimento licitatório.

No recurso ao STJ, a UFCA sustentou que a exigência editalícia de comprovação, pelas empresas participantes de procedimento licitatório, da boa situação financeira como forma de assumir o objeto do futuro contrato, impede que as empresas em recuperação judicial sejam habilitadas no certame.

Construtora comprovou possuir capacidade econômico-financeira

Ministro Francisco Falcão foi o relator
Foto: Imprensa STJ

O relator do recurso, ministro Francisco Falcão, observou que, de acordo com a jurisprudência do STJ, a exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial deve ser relativizada a fim de possibilitar à empresa em recuperação judicial participar do certame licitatório, desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua viabilidade econômica.

O magistrado destacou que, conforme apontou o TRF-5, apesar da construtora estar em recuperação judicial, comprovou possuir capacidade econômico-financeira para honrar o contrato.

‘‘Nesse sentido, a relativização da exigência de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial, consoante entendimento firmado neste STJ, tem arrazoamento, ainda, na comprovação da prestação da garantia contratual pelo recorrido, exigência essa prevista tanto na Lei 8.666/1993 (artigo 56) como no edital licitatório’’, disse o relator.

Ao negar provimento ao recurso especial (REsp) da UFCA, Francisco Falcão ressaltou que, como bem fundamentou o TRF-5, não cabe à Administração, em consonância com o princípio da legalidade, efetuar interpretação extensiva quando a lei não o dispuser de forma expressa, sobretudo, quando se trata de restrição de direitos. (Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ)

Leia o acórdão do REsp 1.826.299-CE