Os julgadores da Nona Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), por unanimidade, mantiveram a dispensa por justa causa de técnica de enfermagem que tratou com rispidez paciente que havia dado à luz filhos gêmeos e ainda fez comentário ofensivo em relação a um dos bebês, de cunho racista, comparando-o a um ‘‘macaquinho’’. Nesse contexto, foi dado provimento ao recurso da Fundação de Assistência Integral à Saúde/Hospital Sofia Feldman (FAIS/HSF) para modificar sentença oriunda do juízo da 38ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que havia anulado a justa causa.
De acordo com o desembargador André Schmidt de Brito, que atuou como relator e cujo voto foi acolhido pelos julgadores, o comportamento da técnica de enfermagem denota a ausência de postura profissional condizente com o cargo ocupado e respalda a dispensa por justa causa fundada na alínea ‘‘j’’ do artigo 482 da CLT.
‘‘A meu ver, a conduta da obreira é grave o suficiente para respaldar a justa causa, não se cogitando, no caso, de necessidade de gradação de pena, eis que a quebra de fidúcia restou evidente pelo descumprimento da mais elementar obrigação da trabalhadora, que tem, como função primordial, o cuidado humano’’, destacou o relator na decisão.
O julgador ainda verificou ter sido atendido o princípio da imediatidade, considerando que a denúncia da paciente foi levada à ouvidoria no dia seguinte ao ocorrido e, quatro dias depois, após a apuração dos fatos, a técnica de enfermagem foi dispensada por justa causa.
Diante da manutenção da justa causa, foram consideradas indevidas as verbas decorrentes da rescisão imotivada, com a exclusão da condenação imposta na sentença. A instituição de saúde foi absolvida de pagar à profissional o aviso-prévio indenizado, férias mais 1/3; 13º salário, multa de 40% sobre o FGTS e multa do artigo 477 da CLT.
Entenda o caso
Segundo afirmou testemunha indicada pela empregadora, a técnica de enfermagem estava trabalhando em plantão noturno quando se aproximou da paciente, que havia dado à luz filhos gêmeos e um dos bebês estava internado na UTI. A profissional fez o seguinte comentário: ‘‘nossa, seu menino parece um macaquinho’’. Ainda de acordo com a empregadora, todos no setor, inclusive os demais pacientes, ficaram desconcertados com a fala da profissional, afirmando que a mãe ficou extremamente constrangida, sem conseguir esboçar reação no momento da agressão.
A empregadora alegou que, após o ocorrido, o clima no setor ficou bastante comprometido, uma vez que a mãe das crianças e os demais pacientes ficaram indignados e questionaram o que iria ser feito diante da conduta absurda da técnica de enfermagem. Sustentou a empregadora que, após o episódio, a ex-empregada passou a tratar a paciente de forma bastante ríspida, o que agravou o estado emocional dela, que teve crise de choro dentro da unidade em que estava internada.
Conduta profissional inadequada
Desembargador André Schmidt foi o relator
Foto: Leo Andrade/Imprensa TRT-3
Na avaliação do relator, a prova oral produzida no processo provou a conduta inadequada da profissional, de forma a inviabilizar a fidúcia necessária à continuação do vínculo de emprego e autorizar dispensa por justa causa. Concluiu-se que, dessa forma, a empregadora se desvencilhou do ônus da prova, nos termos do artigo 818, inciso II, da CLT, comprovando a prática de ato de improbidade cometido pela trabalhadora, na forma do artigo 482, ‘‘j’’, da CLT, suficiente para a ruptura contratual.
Os fatos narrados foram, em parte, admitidos pela própria profissional. Em depoimento, ela confessou ter se referido ao filho da paciente como ‘‘macaquinho’’. Contudo, contextualizou a expressão na seguinte frase: ‘‘o seu filho/bebê é cabeludinho, igual à minha filha, que parecia um macaquinho’’. Segundo afirmou a trabalhadora, ao iniciar o plantão, a mãe já estava chorosa e agitada, porque queria um acompanhante, o que não era permitido pela maternidade.
A profissional reconheceu que a paciente se encontrava em uma situação delicada, tendo em vista que havia dado à luz gêmeos e que os dois bebês estavam internados na UTI pediátrica. Disse que essa situação deixou a mãe apreensiva e vulnerável, o que a levou a uma reação exagerada e desproporcional em relação ao ocorrido. Contou que foi chamada pela direção da maternidade três dias após o ocorrido, quando foi questionada sobre a utilização da palavra ‘‘macaco’’. Acrescentou que confirmou o fato, contudo, com a explicação de que a declaração não teve cunho discriminatório ou ofensivo.
Tratamento ríspido
Para o relator, as declarações da própria profissional não deixaram dúvida sobre a existência do comentário com a utilização de expressão pejorativa. Com relação à forma como a mãe dos gêmeos foi tratada pela técnica, a própria paciente, ouvida como testemunha da empregadora, disse que foi atendida pela ex-empregada após o nascimento de seus filhos, e que, em uma determinada noite, foi tratada de forma ríspida e inadequada, não tendo recebido qualquer auxílio por parte da técnica de enfermagem, embora ela estivesse responsável pelos dois bebês, que, segundo alegou, choravam muito.
A paciente confirmou que a profissional lhe disse que um dos bebês parecia um ‘‘macaquinho’’, de tão ‘‘cabeludinho’’, afirmando que o fato a fez chorar e a deixou muito chateada. Disse que, após o ocorrido, fez uma reclamação junto à ouvidoria da maternidade.
Testemunha apresentada pela instituição de saúde, que ocupava o cargo de enfermeira e assumiu o plantão após o término da jornada da técnica de enfermagem, relatou que foi comunicada por outra enfermeira, pela secretária e pela paciente sobre os fatos ocorridos. Contou que a paciente lhe disse que não havia sido bem tratada pela técnica de enfermagem, que se mostrou indisponível para ajudar com os bebês e que comparou um deles a um ‘‘macaquinho’’. Declarou que levou o fato ao conhecimento da coordenadoria e que a mãe estava muito chorosa e abalada emocionalmente. Afirmou que a paciente do leito ao lado também lhe relatou os mesmos fatos informados pela mãe.
Para o desembargador-relator, ‘‘a situação da puérpera é ainda mais delicada quando o bebê a que deu a luz demanda, por alguma razão, internação em UTI pediátrica, o que deixa a mãe, já fragilizada pelo estado puerperal, ainda mais apreensiva’’.
Falta de acolhimento
Na avaliação do desembargador, a conduta profissional esperada da técnica de enfermagem era de acolhimento e cuidado com a mãe e com os filhos recém-nascidos, sobretudo porque esta não contava com qualquer outra ajuda, em razão de regras internas da própria maternidade, sendo as técnicas e enfermeiras as únicas pessoas com quem poderia contar.
‘‘O infeliz comentário da técnica de enfermagem em relação a um dos bebês, ainda que sem intenção pejorativa ou racista, sem dúvida, é ofensivo, sobretudo sem qualquer contextualização no momento em que realizado e, ainda, desprovido de um necessário e esperado pedido de desculpas posterior’’, registrou o relator.
De acordo com o relator, as explicações da ex-empregada não afastam a gravidade do ocorrido, mesmo porque, tratando-se de profissional experiente e que lidava, diuturnamente, com mães em situação de vulnerabilidade, deveria ter ciência de que determinados comentários não são adequados e devem ser evitados, sobretudo se passíveis de interpretações ambíguas.
Além disso, na visão do relator, acolhida pelos demais julgadores, a profissional não procedeu de forma adequada no decorrer do plantão, tendo tratado a paciente com rispidez e deixado de lhe oferecer o necessário auxílio com os bebês recém-nascidos, situação que foi considerada ainda mais grave por ter ocorrido no período noturno, quando a mãe já estava cansada dos cuidados destinados aos filhos ao longo de todo o dia.
A técnica de enfermagem ainda tentou levar ao caso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas o recurso de revista (RR) foi inadmitido pelo TRT-MG. Assim, o processo foi arquivado definitivamente. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.
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0010025-71.2022.5.03.0138 (Belo Horizonte)