Foto-ilustração: Blog Maria Vitrine
As hipóteses para demissão por justa causa, previstas no artigo 482 da CLT, não contemplam qualquer ato faltoso do empregado, a título de mau procedimento. Antes, o fato deve ser de gravidade tal que efetivamente torne insustentável a manutenção do contrato de trabalho.
Por não observar corretamente o espírito deste dispositivo, a Lojas Riachuelo S.A. teve de reverter a demissão por justa causa de uma operadora de caixa em dispensa imotivada, por decisão, em sede de recurso, da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1, Rio de Janeiro). A empresa a dispensou porque ela utilizou a senha de uma colega que estava de folga para realizar operações no caixa.
Com a anulação do ato demissional, a trabalhadora irá receber as verbas rescisórias decorrentes da modalidade da dispensa imotivada, aí incluídas as guias para saque do fundo de garantia e do seguro-desemprego.
O colegiado entendeu que o compartilhamento de senhas era prática comum na empresa. Por isso, a conduta da autora não configurou mau procedimento. O voto que pautou a decisão do segundo grau, reformando a sentença, foi do desembargador-relator Antonio Paes Araújo. A decisão foi unânime.
Compartilhamento de senha era prática comum
A trabalhadora narrou que foi demitida por justa causa por ter realizado operação de caixa enquanto estava logada em matrícula de uma colega que estava de folga, contrariando as regras da empresa. Ressaltou que era prática comum a utilização da senha de outro assistente de atendimento quando o colega de trabalho se encontrava em outro setor ou não estava presente, com a finalidade de zerar a fila de clientes. Ademais, alegou que esse procedimento era incentivado pela empresa. Assim, a funcionária requereu a reversão da demissão por justa causa aplicada.
Em sua defesa, a empresa alegou que foi informada que a profissional estaria utilizando indevidamente a senha e matrícula de uma colega de trabalho para efetuar operações de caixa. Acrescentou que, após a informação, foi constatado que a obreira operou o caixa, utilizando a matrícula da funcionária que estava de folga. Argumentou que a falta funcional ensejou a aplicação da penalidade de demissão por justa causa, uma vez que, além de infringir as normas da empresa, colocou em risco a integridade da colaboradora, já qualquer problema ou falta estariam vinculados ao login registrado no sistema.
Quebra de contrato, apurou o primeiro grau
O juízo da 8ª Vara do Trabalho de Niterói considerou incabível a reversão da justa causa aplicada pela empregadora. Diante das provas produzidas, entendeu que houve a demonstração de que a profissional tinha ciência da responsabilidade ética a ser cumprida. Dessa forma, reconheceu que a funcionária realizou prática vedada pela empresa e não comprovou eventual arbitrariedade quanto à forma de distrato contratual, julgando improcedente o pedido.
‘‘Ora, ao firmarem um contrato de trabalho, ambas as partes assumem as obrigações nele estipuladas, sejam elas legais, normativas ou convencionadas pelas próprias partes. Ao deixar de cumprir com tais obrigações, a parte torna-se o inadimplente, rompendo assim o princípio do pacta sunt servanda [ ‘pactos devem ser respeitados’]’’, escreveu na sentença o juiz do trabalho André Gustavo Bittencourt Villela.
Inexistência de dolo, entendeu o TRT-RJ
Desembargador Antonio Araújo foi o relator
Foto: Imprensa/Amatra I
Inconformada, a trabalhadora recorreu da sentença, interpondo recurso ordinário trabalhista (ROT) no TRT-1. Repisou o argumento de que não foi comprovada a ocorrência de falta grave, uma vez que o compartilhamento de senhas entre os funcionários era prática incentivada pela própria empresa, como mostrou a prova testemunhal.
No segundo grau, o caso foi analisado pelo desembargador-relator Antonio Paes Araújo. Ele disse, inicialmente, que não é qualquer ato faltoso cometido pelo trabalhador que dá causa à extinção contratual nessa modalidade.
Araújo observou que a trabalhadora assumiu, em seu depoimento, que utilizava a senha de outras colegas para completar operações no sistema que eram feitas com sua própria senha. ‘‘Diante desse cenário, observa-se que era comum o compartilhamento de senhas entre os funcionários da reclamada, principalmente porque determinadas operações precisavam do registro por dois empregados, como estornos e cancelamentos, operações essas que, ao que se infere, eram necessárias e comuns na rotina da reclamante’’, pontuou. Assim, para o desembargador, ficou comprovada a inexistência de dolo da trabalhadora.
Prática agilizava os atendimentos
O relator entendeu, ainda, que a reclamada não comprovou que o comportamento da trabalhadora seria apto a acarretar o rompimento do vínculo pela modalidade de justa causa. ‘‘A partir da comprovação pela reclamante de que o compartilhamento de senhas entre os funcionários era inclusive fomentado pelos supervisores, a fim de que tivesse agilidade o atendimento aos clientes, verifica-se que a conduta da autora não possui subsunção com o conceito de mau procedimento. Além disso, nota-se que a reclamada não demonstra a ocorrência de prejuízo com o uso da senha de outra colega pela autora, sobretudo considerando que o expediente empregado tinha como escopo agilizar o atendimento dos clientes, reduzindo o tempo de espera nas filas. Pelos mesmos motivos, não se verifica a quebra da fidúcia necessária à continuidade do vínculo empregatício’’, concluiu o relator. Redação Painel de Riscos com informações da Secom/TRT-RJ.
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0100749-10.2020.5.01.0248 (Niterói-RJ)