CONDUTA ÍMPROBA
Entrega de apartamento em desconformidade com o decorado é publicidade enganosa, diz TJSP

Reprodução Site TJSP

A 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve decisão da juíza Fabiola Giovanna Barrea, da 3ª Vara Cível de Piracicaba, que condenou uma construtora e uma incorporadora por danos morais após entrega de um imóvel com divergências em relação ao apartamento decorado que foi mostrado ao comprador.

A indenização foi fixada em R$ 9 mil, e a pena também inclui a reparação de falhas construtivas e devolução da taxa Sati (Serviço de Assessoria Técnico-Imobiliária) – valor cobrado pelas construtoras com base em 0,8% sobre o preço do imóvel novo adquirido pelo consumidor. A decisão foi unânime.

Segundo os autos, a construtora alegou que a decoração exibida era meramente ilustrativa e que os compradores tinham ciência de que a construção seguia os padrões admitidos pelo memorial descritivo. A alegação, no entanto, não foi acolhida pelo Poder Judiciário.

‘‘O material probatório confirma que a publicidade, decisiva para obtenção do consentimento, traiu as perspectivas dos compradores e, por isso, tal como em outras ações, é devida uma compensação para amenizar os percalços dessa improba conduta contratual’’, salientou o relator do recurso, desembargador Enio Zuliani.

Completaram a turma julgadora os desembargadores Alcides Leopoldo e Marcia Dalla Déa Barone. Com informações da Assessoria de Comunicação Social do TJSP.

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1000347-26.2020.8.26.0451 (Piracicaba-SP)

SEM SOLIDARIEDADE
Pais não são responsáveis solidários por dívida escolar se o contrato foi celebrado por terceiro

Ministro Raul Araújo foi o relator
Foto: Sérgio Amaral/STJ

Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a execução de dívida resultante do não pagamento de mensalidades escolares, quando a prestação dos serviços educacionais foi contratada por terceiro estranho à entidade familiar, não pode ser direcionada aos pais do aluno, que não participaram de tal contrato.

Uma pessoa não pertencente à família assinou o contrato com a escola particular, como responsável financeira pelo estudante. No decorrer do ano letivo, algumas parcelas não foram pagas, e a instituição de ensino pretendeu dirigir a execução da dívida contra os pais.

O juízo de primeiro grau decidiu que eles não eram responsáveis solidários pelos débitos contratuais objeto da ação executória, entendimento mantido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

No recurso ao STJ, a instituição de ensino invocou a jurisprudência firmada a partir do julgamento do REsp 1.472.316, segundo a qual os pais são responsáveis solidários pelo pagamento das despesas escolares dos filhos, em decorrência do poder familiar, mesmo que um deles não faça parte do contrato.

Contrato feito por estranho à entidade familiar não se estende aos genitores

O ministro Raul Araújo, relator do recurso da escola, destacou que a dívida originada da manutenção dos filhos no ensino regular é comum ao casal. Assim, firmado o contrato por um dos genitores, é indiferente que o outro não conste no instrumento, pois o poder familiar implica responsabilidade solidária de ambos pela educação dos filhos.

‘‘O casal responde solidariamente pelas obrigações relativas à manutenção da economia doméstica, em proveito da entidade familiar, ainda que a dívida tenha sido contraída por apenas um dos cônjuges/companheiros’’, afirmou o ministro, com base em dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil.

No entanto, ele ressaltou que a situação trazida pela recorrente difere da jurisprudência mencionada, pois diz respeito a contrato celebrado com terceiro estranho à entidade familiar, que assumiu os encargos com a educação do aluno por mera liberalidade. Não se trata, portanto, de uma obrigação decorrente do poder familiar.

O relator lembrou que, nos termos do artigo 265 do Código Civil, ‘‘a solidariedade não pode ser presumida, resultando de previsão legal ou contratual’’.

Para Raul Araújo, não havendo como reconhecer a responsabilidade solidária oriunda do poder familiar, a execução só poderia ser direcionada aos pais do aluno caso algum deles tivesse dado sua anuência ou participado do contrato com a escola – o que não ocorreu no caso em discussão. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no AREsp 571.709

KILL SWITCH
Vara de Brasília proíbe empresas de crédito de bloquear celular de clientes inadimplentes

Não é razoável retirar um bem essencial e fundamental do consumidor em face de uma dívida civil. Em caso de inadimplemento, o credor tem se valer dos instrumentos jurídicos compatíveis com a natureza da dívida assumida.

Assim, a 23ª Vara Cível de Brasília manteve decisão liminar que condenou as empresas Supersim Análise de Dados e Correspondente Bancário Ltda. e Socinal S.A. Crédito, Financiamento e Investimento a não mais firmarem contratos de empréstimo com cláusula que exija como garantia o celular do consumidor e o bloqueio de suas funcionalidades, em caso de inadimplemento ou mora.

Ação civil pública

A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC).

De acordo com os autores, as rés oferecem empréstimos e utilizam o celular do cliente como garantia. Afirmam que, ao assinar o contrato, o consumidor é forçado a instalar aplicativo que, em caso de inadimplência, bloqueia praticamente todas as funções do celular. Segundo o MPDFT, a prática é denominada kill switch e, conforme parecer da Anatel, conduta não autorizada pela agência e sem regulamentação sobre o tema.

Inadimplente tem o celular praticamente bloqueado

Contam que o aparelho serve como meio coercitivo para constranger o consumidor ao pagamento da parcela em atraso, de forma a suprir os meios executório admitidos pela legislação. Informam, ainda, que não existe registro da empresa Supersim no Banco Central, tampouco autorização da Anatel para bloqueio do telefone. Apontam também: abusividade da prática perante o Código de Defesa do Consumidor (CDC); violação aos direitos fundamentais fruídos via internet e ao Marco Civil da Internet; elevadas taxas de juros e indução do consumidor ao superendividamento; violação ao direito à informação e à boa-fé objetiva; e publicidade enganosa.

A defesa das empresas de crédito

Por sua vez, as rés afirmam que a ação civil pública foi proposta sem a apresentação de qualquer reclamação de consumidor que a fundamentasse, o que significa que não há interesse coletivo a ser defendido. Alegam que são devidamente cadastradas no Banco Central para exercício da atividade financeira e que Anatel reconheceu que o bloqueio de determinadas funções do aparelho celular não envolve o bloqueio de serviços de telecomunicações e, consequentemente, não depende de sua autorização ou regulamentação.

As rés também argumentam que não há violação ao Marco Civil da Internet e que a Supersim não é um provedor de acesso à internet, mas um correspondente bancário. Afirmam que não há vedação legal para concessão de empréstimo mediante a garantia de aparelho celular.

Por fim, reforçam que praticam taxas de juros compatíveis com o mercado e não contribuem para o superendividamento. Assim, consideram que está ocorrendo interferência estatal indevida na atividade das empresas e não há danos morais coletivos no caso.

Prática comercial abusiva, diz sentença

De acordo com a sentença, o aplicativo instalado no celular do consumidor concede à instituição financeira a permissão de administrador do aparelho, de modo que possibilita que as rés bloqueiem as funcionalidades do bem em caso de inadimplência. Resta aos inadimplentes utilizar os smartphones apenas para acessar configurações, contatar serviços de emergência e de assistência ao cliente.

‘‘Percebe-se que o celular não é utilizado como garantia, mas sim como forma de coerção/constrição para forçar o consumidor a pagar a dívida. Como já destacado na decisão que deferiu a tutela de urgência, essa prática comercial se mostra abusiva, pois impede o acesso dos consumidores às funcionalidades do aparelho celular, e, consequentemente, a bens e serviços sem relação com o empréstimo financeiro, aproveitando-se da vulnerabilidade dos consumidores’’, observou a juíza Ana Letícia Martins Santini.

A juíza destacou trecho da decisão de recurso sobre o tema, em que o desembargador Héctor Valverde registra que o público-alvo da atuação conjunta da Socinal S.A. e da Supersim são os autônomos com faixa de renda entre um e dois salários mínimos, bem como os inscritos em cadastros negativos, consumidores que ostentam a qualidade de hipervulneráveis.

‘‘Para além da abusividade, a garantia imposta pelas rés não possui qualquer previsão legal, como as instituídas pelo Código Civil ou nos casos de alienação fiduciária (Decreto-lei 911/1969 e Lei 9.514/1997). […] as rés privam o consumidor de um bem essencial sem a observância do devido processo legal’’, finalizou na sentença. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJDFT.

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ACP 0742656-87.2022.8.07.0001 (Brasília)