SEM ABANDONO
Perda de prazo não embasa pena de perdimento de mercadoria na alfândega

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A Receita Federal não pode aplicar a pena de perdimento apenas com base no mero decurso do prazo de permanência das mercadorias nos recintos aduaneiros. Antes, deve demonstrar a intenção do agente importador em abandonar, efetivamente, a mercadoria na alfândega.

Por isso, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) confirmou sentença que, na prática, anulou a pena de perdimento de uma carga de medidores de combustível para caminhões Scania, importada pela Bruning Tecnometal S/A, empresa sediada em Panambi (RS).

No curso do processo, o fisco ‘‘batia na tecla’’ de que a empresa pediu a prorrogação do regime especial de entreposto aduaneiro após o encerramento do prazo deferido pelo fisco – o que é verdade –, mas não configura abandono de mercadoria numa época de pandemia de Covid-19.

O relator da apelação no TRF-4, desembargador Eduardo Vandré Lema Garcia, afirmou que o importador se manifestou dentro do prazo de 45 dias previsto no artigo 409 do Decreto 6.759/2009, requerendo a manutenção no regime de entreposto, o que impede o reconhecimento de seu ‘‘ânimo de renúncia’’ aos bens. Logo, ficou evidente a ilegalidade da conduta da autoridade fiscal.

‘‘Consigno, ademais, que não há na legislação aduaneira previsão expressa a respeito do prazo para o pedido de manutenção no Regime de Entreposto Aduaneiro, sendo adequada a utilização, por analogia, do prazo do art. 409 do Decreto nº 6.759/2009, devidamente observado pela parte impetrante’’, fulminou no acórdão, desacolhendo a apelação do fisco.

Mandado de segurança

Segundo os autos, em 15 de abril de 2019, a empresa pediu e obteve a admissão no regime de entreposto aduaneiro na importação referente à Declaração de Importação – DI 19/0670209-0. O regime está previsto no artigo 9º do Decreto-Lei 1.455/1976 – regulamentado pelo artigo 404 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009).

De acordo com o artigo 408 do Regulamento, a mercadoria poderá permanecer no regime de entreposto pelo prazo de até um ano, prorrogável por período não superior, no total, a dois anos, contados da data do desembaraço aduaneiro de admissão.

Após o término da vigência do regime especial, a empresa requereu à Receita, no dia 11 de maio de 2020, a prorrogação do regime de entreposto por mais um ano. Para tanto, alegou dificuldades financeiras relacionadas à pandemia causada pela Covid-19. O fisco, entretanto, indeferiu o pedido do importador, já que apresentado após o fim da vigência do regime – decisão que restou mantida em sede de recurso administrativo.

Ato contínuo, em 8 de julho de 2020, a Receita Federal procedeu à lavratura do auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal, destinados à aplicação da pena de perdimento. Fundamento administrativo: abandono das mercadorias armazenadas em recinto alfandegado, não desembaraçadas pelo contribuinte, no prazo de 45 dias.

Contra esta decisão, a Bruning Tecnometal S/A impetrou mandado de segurança em face da autoridade fiscal na alfândega. O juízo da 14ª Vara Federal de Porto Alegre, em análise de mérito, reafirmou a concessão da segurança para: anular a decisão administrativa que indeferiu a prorrogação do regime aduaneiro especial e o auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal contidos nos autos do processo administrativo.

Indeferimento ilegal

O juiz federal Fábio Soares Pereira – embora admitindo que o pedido não foi feito dentro do prazo – considerou ilegal o indeferimento da prorrogação, pois o fisco não demonstrou que houve intenção de abandono da mercadoria. Tanto que, ainda dentro do prazo de 45 dias (prazo legal para dar destinação às mercadorias entrepostadas), o importador formulou requerimento de prorrogação do regime.

Nesta hipótese – discorreu na sentença –, a jurisprudência do TRF-4 e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) diz que ‘‘para a aplicação da pena de perdimento, não basta o mero exaurimento do prazo; deve haver, também, demonstração do animus de abandono da mercadoria’’.

Em agregação de fundamento, Pereira também citou o parágrafo primeiro do artigo 408 do Regulamento, que diz, ipsis literis: ‘‘Em situações especiais, poderá ser concedida nova prorrogação, respeitado o limite máximo de três anos’’.

‘‘A respeito, vale registrar que a exigência […] aplica-se tão somente para o pedido de prorrogação formulado depois do segundo ano de vigência do regime de entreposto aduaneiro; entre o primeiro e o segundo ano, eventual pedido de prorrogação não depende de justificativa especial – apresentada, aliás, pela impetrante (pandemia)’’, concluiu.

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5040176-26.2020.4.04.7100 (Porto Alegre)

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MERO DISSABOR
TJMG nega dano moral a consumidor que comprou produto imprestável para construção de deck

Vender ao consumidor um produto com defeito, imprestável para o objetivo a que se destina, justifica o pagamento de danos materiais, mas não o de danos morais. Afinal, embora os inconvenientes, trata-se de ‘‘mero dissabor’’, que não atrai o dever de indenizar na esfera moral.

Este foi o desfecho de uma ação indenizatória ajuizada na Comarca de Uberlândia (MG), em que um consumidor não conseguiu sensibilizar os integrantes da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) a conceder, também, o dano moral pleiteado na inicial. Os desembargadores mantiveram apenas a indenização por danos materiais, arbitrada no juízo de origem, no valor de R$ 13,3 mil.

Construção de Deck Cumaru

Em maio de 2011, o consumidor comprou 154m² de madeiras do tipo ‘‘Deck Cumaru’’ da J.P. Madeiras e Ferragens, no valor de R$ 13,3 mil. As madeiras seriam instaladas na área de lazer da residência do cliente. Para o assentamento das peças, o autor da ação indenizatória adquiriu, também, parafusos, materiais diversos, produtos para lixamento e tratamento da madeira, além de contratar mão de obra especializada para a realização do serviço. O total das despesas chegou a R$ 22,9 mil.

Dois meses após a construção do deck, conforme relatado no processo, o proprietário foi surpreendido com o empenamento e retraimento das tábuas por toda a extensão da área de lazer. Ao consultar um técnico, soube que o motivo do problema foi a utilização de madeira ‘‘verde’’, que é inapropriada para a construção de deck em área externa.

Loja assumiu que vendeu madeira ‘‘verde’’

A empresa que vendeu o produto assumiu, extrajudicialmente, que a madeira estava ‘‘verde’’, apesar de o vendedor ter assegurado, no momento da compra, que seria entregue madeira ‘‘seca’’. O consumidor, então, entrou com ação indenizatória para obter o ressarcimento completo do prejuízo, incluindo demais materiais e mão de obra, além do incômodo gerado.

Desembargador Pedro Bernardes de Oliveira

O laudo pericial apontou que o empenamento da madeira poderia ter várias causas concomitantes: ausência de projeto, local exposto ao sol e chuvas, barrotes usados e mal espaçados, parafusos mal dimensionados, madeira com umidade (madeira ‘‘verde’’) e profissional sem o devido conhecimento ou zelo. E, por isso, o documento não incluiu os outros gastos.

Sem comprovação de abalo psicológico

Para o relator da apelação no TJMG, desembargador Pedro Bernardes de Oliveira, os fornecedores são responsáveis pela qualidade dos produtos e serviços que colocam no mercado e devem garantir a sua boa funcionalidade. Assim, ainda que o fato de a madeira úmida não ter sido a única causa para empenamento das tábuas, certo é que o produto vendido era inapropriado para o fim ao qual se destinava. Por esta razão, a parte ré deve responder pelos vícios do produto.

O magistrado acrescentou que ‘‘pelo mesmo fundamento de que a madeira ‘verde’ não foi a única causa para o empenamento e retração das tábuas, não prospera o pedido do apelante de que a apelada seja condenada ao pagamento das demais despesas materiais com compras de outros materiais e pagamento de mão de obra’’.

E sobre os danos morais, o relator afirmou que os fatos evidenciados não extrapolam o mero dissabor. ‘‘Houve tão somente frustração, sendo que os aborrecimentos com a obra em si ocorreriam ainda que a reforma do deck não tivesse apresentado qualquer defeito. Em que pese a frustração do consumidor com o vício apresentado pelo produto e a ausência de solução pelas fornecedoras, não houve lesão aos direitos da personalidade, restando demonstrados apenas prejuízos materiais, os quais serão ressarcidos’’, definiu o desembargador Pedro Bernardes de Oliveira.

O desembargador Amorim Siqueira e o juiz convocado Fausto Bawden de Castro Silva votaram de acordo com o relator. Redação Painel de Risco com informações da Assessoria de Imprensa do TJMG.

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0560423-74.2011.8.13.0702 (Uberlândia-MG)

PERSEGUIÇÃO NO TRABALHO
Lojas Renner é condenada a pagar dano moral por violência psicológica

Reprodução Wikimidia

Por sofrer perseguição de supervisores, em razão do número de afastamentos por licença médica, uma ex-assistente da Lojas Renner em Rio Grande (RS) obteve o direito de receber indenização no valor de R$ 4 mil a título de reparação por danos morais presumidos.

A decisão, proferida na origem pela 1ª Vara do Trabalho de Rio Grande, foi confirmada pela 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul), em julgamento de recurso ordinário.

Tanto no primeiro como no segundo grau da Justiça do Trabalho gaúcha, os julgadores, à unanimidade, comprovaram o assédio moral, por ofensa a direitos de personalidade da trabalhadora, elencados no inciso X do artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem.

Afastamentos por doenças

Conforme o processo, a reclamante trabalhou para a Lojas Renner, no cargo de assistente, de setembro de 2018 a janeiro de 2020. No período, desenvolveu gastrite nervosa, ansiedade e síndrome do pânico. Em razão das enfermidades, a trabalhadora apresentou diversos atestados médicos entre abril e dezembro de 2019, tendo recebido, inclusive, benefício previdenciário comum.

A frequência dos atestados fez com que as supervisoras orientassem as demais trabalhadoras a não conversar nem receber ajuda da assistente, que poderia representar ‘‘má influência’’. A orientação foi confirmada por testemunhas. As chefias diziam que ela ‘‘não gostava de trabalhar’’ e que ‘‘as doenças eram inventadas’’.

Juíza Simone Ruas
Foto: Arquivo Secom/TRT-4

As depoentes afirmaram que as chefes gritavam e as repreendiam na frente dos clientes – o que acontecia igualmente com a autora. Uma das trabalhadoras disse que também desenvolveu síndrome de pânico e fez tratamentos psicológico e psiquiátrico no ano que entrou na loja.

Isolamento no ambiente laboral

No primeiro grau, a juíza do trabalho Simone Silva Ruas reconheceu que  o  conjunto  da  prova  demonstra  a existência  de  violência  psicológica,  regular  e  sistemática, pela marginalização  no  ambiente  de  trabalho. Para a magistrada,  havia uma orientação geral velada de isolar a autora das demais empregadas, revelando preconceito no agir das gestoras por causa dos inúmeros afastamentos médicos.

No entendimento da juíza, trata-se de lesão de ordem moral passível de reparação por meio de indenização. ‘‘É  inequívoco que o tratamento persecutório repetitivo e reiterado por parte de cada uma das gestoras é capaz  de  ensejar  repercussões  negativas  na  esfera  íntima  da reclamante, independentemente  de  ter  ou  não  culminado  com  o  adoecimento  da empregada’’, afirmou a juíza na sentença.

Danos a valores íntimos da personalidade

A empresa reclamada recorreu ao TRT-4, pedindo a reforma da sentença. No mérito, sustentou que não ficou comprovado que a reclamante sofreu qualquer tipo de perseguição ou assédio. O relator do acórdão na 11ª Turma, desembargador Ricardo Hofmeister de Almeida Martins Costa, no entanto, ressaltou que o contexto dos autos é inequívoco no sentido de que a autora sofreu assédio moral, revelando a existência de violência psicológica sistemática capaz de ensejar abalo moral indenizável.

Desembargador Ricardo Martins Costa           Foto: Inácio do Canto/Secom TRT-4

O magistrado destacou que o caso se inclui na modalidade in re ipsa, que dispensa comprovação de existência e extensão do dano. Ou seja, o dano é presumível desde que se trate de fato com potencial suficiente a causar lesão a valores íntimos da personalidade.

‘‘O dano extrapatrimonial (moral) reparável é aquele que decorre da violação a direitos protegidos e que guarnecem a esfera da personalidade do trabalhador, como a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem, mediante ação ou omissão praticada pelo empregador’’, ressaltou o desembargador Martins Costa.

Também participaram do julgamento os desembargadores Manuel Cid Jardon e Maria Silvana Rotta Tedesco.

Não houve recurso da decisão. Redação Painel de Riscos com informações de Sâmia de Christo Garcia (Secom/TRT-4).

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ATOrd 0020947-06.2019.5.04.0121(Rio Grande-RS)

FÚRIA FISCAL
Partido Novo questiona no STF cobrança de taxas em produção e transporte de grãos no Maranhão

Foto: Imprensa STF

O Partido Novo ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) duas ações questionando normas que instituíram o Fundo Estadual de Desenvolvimento Industrial e de Infraestrutura do Estado do Maranhão (FDI): a Taxa de Fiscalização de Transporte de Grãos (TFTG) e o Fundo Estadual para Rodovias (Fepro).

As Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7406 e 7407 foram distribuídas ao ministro Gilmar Mendes e à ministra Cármen Lúcia, respectivamente.

Na ADI 7406, o partido alega que o FDI não foi instituído como tributo, mas como contribuição não compulsória sobre o valor da tonelada produzida, transportada ou armazenada de soja, milho e sorgo. Contudo, o pagamento é condição para a fruição de tratamentos diferenciados no âmbito do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Na ADI 7407, a legenda argumenta que a TFTG tem base de cálculo idêntica à do ICMS e desconsidera a imunidade das operações de exportação, impondo sobre elas o pagamento da ‘‘taxa’’ e servindo como fonte de custeio do Fepro.

Na avaliação do Novo, o resultado dessas cobranças é a oneração dos produtos maranhenses, e a inconstitucionalidade baseia-se, principalmente, na roupagem de imposto e base de cálculo idêntica à do ICMS. A ministra Cármen Lúcia solicitou informações ao governador e ao presidente da Assembleia Legislativa do Maranhão. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

ITBI
Fisco municipal não pode avaliar imóvel sem instaurar processo administrativo

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Reprodução: Jacy.Com.Br

Na apuração do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que o valor da transação, declarado pelo contribuinte, condiz com o valor de mercado. Tal presunção só pode ser afastada pelo fisco mediante a instauração de processo administrativo, como exige o desfecho do REsp 1937821/SP.

Com este entendimento, a 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) confirmou sentença que declarou nula a cobrança do valor de ITBI – na alíquota de 2% – sobre um imóvel avaliado em R$ 10,7 milhões pela Secretaria Municipal da Fazenda de Santa Cruz do Sul. Consequentemente, o colegiado homologou, como base de cálculo, o valor da venda do imóvel declarado pela empresa contribuinte – R$ 3,3 milhões.

Considerando a jurisprudência do STJ, ficou claro aos julgadores da primeira e segunda instâncias da Justiça gaúcha que o fisco municipal arbitrou unilateralmente a base de cálculo do ITBI, em total desacordo com o entendimento firmado no recurso especial (REsp), submetido ao rito dos recursos repetitivos.

Além disso – observaram os magistrados –, a presunção relativa de veracidade da declaração do contribuinte só pode ser afastada em processo administrativo próprio, como prevê o artigo 148 do Código Tributário Nacional (CTN).

Exercício do contraditório e da ampla defesa

Desembargador Miguel Ângelo da Silva
Foto: Imprensa TJRS

A juíza Josiane Caleffi Estivalet, da 1ª Vara Cível da Comarca de Santa Cruz do Sul, disse que o fisco municipal não comprovou a efetiva instauração de processo administrativo para arbitramento da base de cálculo do imposto. Embora tenha dado ao contribuinte, é fato, a oportunidade de interpor recurso contra a decisão administrativa que majorou a base de cálculo.

‘‘Contudo, conforme bem asseverou o Parquet [Ministério Público] em seu parecer final, o recurso não pode ser confundido com o exercício do contraditório e da ampla defesa, até porque estas prerrogativas devem ser garantidas ao contribuinte de forma prévia à definição da base de cálculo pela Administração Pública, enquanto aquele tem por finalidade, apenas, revisar/alterar decisão já proferida’’, esclareceu na sentença.

O relator que negou a apelação do fisco no TJRS, desembargador Miguel Ângelo da Silva, seguiu a mesma linha. ‘‘Considerando que a municipalidade não instaurou o devido processo administrativo com vistas a apurar eventual discrepância entre o valor da transação indicado pelo contribuinte e o efetivo preço de mercado do respectivo bem, nos termos do art. 148 do CTN, é de ser reconhecida a nulidade do auto de lançamento impugnado, na forma do que decidiu o eg. STJ ao apreciar o Tema 1.113’’, cravou no acórdão.

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5001018-62.2022.8.21.0026 (Santa Cruz do Sul-RS)

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