VÍCIO RELEVADO
Citação por aplicativo de mensagem é válida se der ciência inequívoca da ação judicial

Reprodução Acrimesc

​Ainda que não exista previsão legal de citação por meio de aplicativo de mensagens, a comunicação por essa forma poderá ser considerada válida se cumprir a finalidade de dar ao destinatário ciência inequívoca sobre a ação judicial proposta contra ele.

Esse entendimento foi considerado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao anular uma citação realizada por meio do WhatsApp. O colegiado constatou que houve prejuízo para a ré, uma mãe que ficou revel em ação de destituição do poder familiar, na qual o pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro foi julgado procedente.

No caso, o contato do oficial de Justiça e a mensagem contendo o mandado de citação e a contrafé foram enviados à filha da ré pelo aplicativo, não tendo havido prévia certificação sobre a identidade do destinatário. Além disso, o colegiado levou em conta que a pessoa a ser citada não sabia ler nem escrever.

A relatora do recurso na Turma, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, diante da impossibilidade de compreensão do teor do mandado e da contrafé, o citando analfabeto se equipara ao citando incapaz, aplicando-se a regra do artigo 247, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC), que veda a citação por meio eletrônico ou por correio nessa hipótese.

‘‘É previsto investigar, em qualquer situação que envolva a formalidade dos atos processuais, se o desrespeito à forma prevista em lei sempre implica, necessariamente, nulidade ou se, ao revés, o ato praticado sem as formalidades legais porventura atingiu o seu objetivo (dar ciência inequívoca a respeito do ato que se pretende comunicar), ainda que realizado de maneira viciada, e pode eventualmente ser convalidado’’, disse a ministra Nancy Andrighi.

Citação por aplicativo de mensagem não tem nenhuma base ou autorização legal

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Lucas Pricken/STJ

Segundo a relatora, a possibilidade de intimações ou citações por intermédio de aplicativos de mensagens ou redes sociais – como WhatsApp, Facebook e Instagram – ganhou destaque após o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2017, aprovar o uso de ferramentas tecnológicas para a comunicação de atos processuais, e após ter editado, durante a pandemia da Covid-19, a Resolução 354/2020.

Nancy Andrighi observou que, desde então, proliferaram portarias, instruções normativas e regulamentações internas em comarcas e tribunais brasileiros, com diferentes procedimentos para a comunicação eletrônica, o que revela que a legislação atual não disciplina a matéria e, além disso, evidencia a necessidade de edição de normas federais que regulamentem essa questão, com regras isonômicas e seguras para todos.

Por não haver nenhuma base ou autorização legal, a ministra concluiu que a comunicação de atos processuais por aplicativos de mensagens possui vício em relação à forma – o que pode levar à sua anulação.

Vício formal não se sobrepõe à efetiva ciência da parte sobre a ação judicial

Contudo, a relatora destacou que, no âmbito da legislação processual civil, a regra é a liberdade de formas; a exceção é a necessidade de uma forma prevista em lei, e a inobservância de forma, ainda que grave, pode ser sempre relevada se o ato alcançar a sua finalidade.

‘‘Se a citação for realmente eficaz e cumprir a sua finalidade, que é dar ciência inequívoca acerca da ação judicial proposta, será válida a citação efetivada por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp, ainda que não tenha sido observada forma específica prevista em lei, pois, nessa hipótese, a forma não poderá se sobrepor à efetiva cientificação que indiscutivelmente ocorreu’’, declarou no voto. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Número do processo não divulgado em razão de segredo judicial.

QUEDA DE BRAÇO
STF invalida mudanças da Reforma Trabalhista que aumentavam exigência para edição de súmulas

Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou dispositivos da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) que exigiam quórum de dois terços para que os Tribunais do Trabalho aprovassem ou revisassem súmulas ou enunciados de jurisprudência e estabelecessem regras procedimentais e balizas para sua uniformização jurisprudencial.

A decisão se deu na sessão virtual encerrada na segunda-feira (21 de agosto), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6188, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).

Autonomia

O julgamento havia sido iniciado em junho de 2021, com o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski (aposentado). Segundo o relator, as regras contrariam o princípio da separação dos poderes e a autonomia dos tribunais, assegurada pela Constituição Federal.

Para Lewandowski, a edição de enunciados de súmulas deve ser regulada pelos regimentos internos dos tribunais, e o Poder Legislativo não poderia, por iniciativa própria, estabelecer restrições à atuação dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Tratamento anti-isonômico

Outro aspecto observado pelo relator foi que o artigo 926 do novo Código de Processo Civil (CPC), ao tratar da uniformização da jurisprudência pelos tribunais, não fixou quórum, número de sessões ou qualquer outro parâmetro, já que se trata de questão reservada a cada uma das cortes de justiça. Por outro lado, as balizas foram impostas apenas aos TRTs e ao TST.

O ministro Lewandowski não verificou nenhuma circunstância distintiva que autorizasse ‘‘um tratamento absolutamente anti-isonômico entre as várias cortes de justiça’’, especialmente porque os tribunais que integram a Justiça do Trabalho são, como os demais, órgãos do Poder Judiciário, conforme decorre do artigo 92 da Constituição Federal.

Acompanharam o relator, neste entendimento, as ministras Rosa Weber (presidente) e Cármen Lúcia e os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.

Estabilidade

A divergência, vencida, foi aberta pelo ministro Gilmar Mendes, para quem a regra não é abusiva e atenderia à necessidade de conferir estabilidade às decisões e segurança jurídica no âmbito do processo do trabalho. Se filiaram a essa corrente os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e André Mendonça.

As normas invalidadas estão previstas no artigo 702 da CLT (inciso I, alínea ‘‘f’’, e parágrafos 3º e 4º).

ADI 6188

OPÇÃO PROCESSUAL
Autor pode desistir da ação no juizado especial para reapresentá-la na Justiça Comum

O autor que desiste de uma ação, extinta no juizado especial, sem resolução de mérito, pode reapresentá-la na Justiça Comum. Afinal, esta atitude não caracteriza má-fé processual, mas uma opção legítima pelo rito processual mais completo.

Com base nesse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial (REsp) de um prestador de serviços que alegou violação ao artigo 286, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC), após o consumidor desistir da ação no juizado especial para retomar a demanda na Justiça Comum.

O consumidor entrou no juizado com um pedido de indenização contra o fornecedor, alegando prejuízos decorrentes da prestação inadequada de serviços de funilaria. Na audiência de conciliação, ele foi orientado a desistir do juizado especial para iniciar o processo perante a vara cível, apresentando orçamentos que demonstrassem a necessidade de reparos no veículo e outras provas. O prestador de serviços arguiu prevenção do juizado especial, tese rejeitada em primeira e segunda instâncias.

Competência do juizado especial cível tem natureza facultativa

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa/TSE

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso na Terceira Turma, observou que, conforme a jurisprudência do STJ, cabe ao autor escolher entre o processamento da ação perante o juizado especial cível estadual, sob o rito da Lei 9.099/1995, ou perante a Justiça Comum, sob o rito do Código de Processo Civil (CPC).

‘‘A antiga Lei 7.244/1984, que regulamentava o juizado especial de pequenas causas, já previa, em seu artigo 1º, ser uma ‘opção do autor’ o processamento da ação no âmbito desse juizado’’, comentou no voto.

Além da natureza facultativa da competência do juizado especial civil estadual, a relatora destacou que a Lei 9.099/1995 não tem uma regra equivalente ao artigo 286, inciso II, do CPC, que estabelece consequências, sob o ponto de vista da prevenção, para o processo extinto sem resolução de mérito por desistência do autor.

Desse modo, de acordo com Nancy Andrighi, a Lei 9.099/1995 não veda que o autor desista da ação no juizado especial para depois demandar na Justiça Comum, tampouco determina que, nessa hipótese, a nova ação deva ser distribuída ao juizado especial por dependência.

‘‘Se a Lei 9.099/1995 não vedou que o autor desista da ação ajuizada perante o juizado especial e proponha nova ação perante a Justiça Comum, não há que falar em aplicação subsidiária do artigo 286, inciso II, do CPC, para sustentar suposta necessidade de distribuição por dependência ao anterior juízo do juizado especial’’, afirmou a ministra ao rejeitar um dos argumentos do recorrente.

Impossibilidade de aplicação subsidiária do CPC ao rito do juizado especial cível

Nancy Andrighi ressaltou que o legislador não fez previsão da aplicação subsidiária do CPC ao rito da Lei 9.099/1995, diversamente do que fez em relação ao rito do processo penal.

‘‘Na realidade, quando o legislador objetivou a aplicação de determinada norma do CPC ao microssistema do juizado especial cível, regulado pela Lei 9.099/1995, o fez expressamente, como nos artigos 30, 51, 52 e 53 da Lei 9.099/1995 e nos artigos 985, inciso I, e 1.062, do CPC/2015’’ – destacou a ministra.

Segundo a relatora, a impossibilidade de aplicar o CPC, subsidiariamente, ao rito do juizado especial está diretamente relacionada com o fato de a escolha por este rito ser mera faculdade do autor, até porque violaria os princípios da igualdade e do acesso à Justiça impor ao cidadão um sistema muito mais restrito apenas em razão de seu direito ser de pequeno valor ou de baixa complexidade.

No entendimento da ministra, a escolha do rito processual mais completo é legítima, pois o cidadão pode vislumbrar, por exemplo, ‘‘a necessidade de uma instrução mais extensa, sendo essa opção, ademais, um risco assumido pelo próprio autor, diante dos ônus de sucumbência e da maior gama de recursos que também ficará à disposição da outra parte’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 2.045.638

PLANO DE DEMISSÃO
Administradora será indenizada por vazamento de informações depreciativas

A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou o exame de recurso interposto pelo Serviço Social da Indústria no Espírito Santo (Sesi-ES) contra decisão que o condenou a indenizar uma administradora que teve sua avaliação de desempenho divulgada de forma negativa, após vazamento de e-mail.

“Alto índice de reclamação”

A administradora disse na ação trabalhista que, em maio de 2018, uma gerente executiva do Sistema Findes (Federação das Indústrias do Espírito Santo) disparou e-mail sobre um plano de demissão no Sesi, que deveria ser encaminhado apenas aos gerentes, trazendo a informação de que a administradora era ‘‘portadora de alto índice de reclamação junto à equipe e ao Sindicato dos Professores’’.

Contudo, o e-mail também foi lido pelos funcionários da entidade. O assunto vazou e foi divulgado por um site de notícias de Vitória, com o título ‘‘Avaliação de desempenho e lista de demissões vazam na internet e causam mal-estar no sistema Findes’’.

A administradora, que contava com 22 anos de serviço, disse na ação que o fato lhe causou imensa dor e a impediu de se recolocar no mercado de trabalho.

Intenção

Em sua defesa, o Sesi afirmou que nunca teve a intenção de prejudicar a empregada e que havia tomado todas as medidas ao seu alcance para evitar que o e-mail se propagasse.

Contudo, sustentou que não havia comprovação nos autos de que a divulgação teria trazido algum problema de ordem psicológica para a funcionária nem que ela teria deixado de se recolocar no mercado de trabalho por causa do teor da mensagem.

Abalo

Em maio de 2021, o juízo da 3ª Vara do Trabalho de Vitória condenou o Sesi a indenizar a administradora em R$ 50 mil. Segundo a decisão, ela foi exposta perante os gerentes e o público externo, ‘‘com informações manifestamente depreciativas em relação à sua conduta’’. O Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (TRT-17, Espírito Santo) manteve a sentença.

Fatos e provas

A relatora do recurso de revista do Sesi, desembargadora convocada Margareth Rodrigues Costa, assinalou que o TRT concluiu que houve ofensa moral porque o e-mail continha informações confidenciais da empregada e seu conteúdo havia vazado para imprensa. A mudança dessa conclusão exigiria o reexame de fatos e provas, o que é vedado pela jurisprudência do TST. Com informações de Ricardo Reis, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

Leia aqui o acórdão

Ag-AIRR-934-52.2020.5.17.0003

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
Gratuidade de justiça não alcança serviços prestados pelas juntas comerciais

Divulgação: Junta Comercial de Minas Gerais

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o benefício da gratuidade da justiça não engloba os emolumentos cobrados pelas juntas comerciais para a emissão de certidões de atos constitutivos das sociedades empresárias.

Na fase de cumprimento de sentença de uma ação de indenização por danos morais, a fim de instruir eventual requerimento de desconsideração da personalidade jurídica, a parte autora pediu a expedição de ofício à Junta Comercial de Minas Gerais (JUCEMG) para que apresentasse cópias dos atos constitutivos averbados nos assentamentos da ré.

Em decisão interlocutória, o pedido foi negado, sob o fundamento de que as certidões poderiam ser obtidas diretamente pela parte. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a decisão e acrescentou que, mesmo a parte tendo direito ao benefício da justiça gratuita, não caberia ao Poder Judiciário estadual impor a gratuidade dos serviços em questão.

No recurso especial dirigido ao STJ, a parte recorrente sustentou que a não obtenção das certidões impediria o prosseguimento do processo, comprometendo a efetividade da tutela jurisdicional. Além disso, o recorrente equiparou as juntas comerciais aos notários e registradores, para fins de fornecimento de informações requeridas pelo Judiciário, defendendo que o custo dos documentos pretendidos estaria incluído na gratuidade de justiça.

Pedido de isenção deve ser feito diretamente à junta comercial

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa/TSE

A relatora do REsp no STJ, ministra Nancy Andrighi, afirmou que o artigo 98 do Código de Processo Civil (CPC) traz um rol exemplificativo de despesas cobertas pela gratuidade de justiça. Ao confirmar a decisão do TJMG, a ministra ressaltou que os preços devidos às juntas comerciais pelos seus serviços não estão contemplados no rol do artigo 98 e que eles são estabelecidos em atos infralegais.

‘‘Os serviços desempenhados pelas juntas não se confundem com aqueles prestados pelos notários e registradores de imóveis, não sendo possível aplicar, por analogia, o disposto no artigo 98, inciso IX, parágrafo 1º, do CPC’’, declarou no voto.

Por outro lado, Nancy Andrighi apontou que o artigo 55, parágrafo 1º, da Lei 8.934/1994, restringe as isenções de preços pelos serviços das juntas comerciais aos casos previstos em lei. Assim, segundo ela, o requerimento deve ser feito pelo interessado diretamente à entidade, comprovando que faz jus à isenção.

‘‘Não cabe ao Poder Judiciário, como regra geral, substituir a parte autora nas diligências que lhe são cabíveis para obter determinada prestação jurisdicional’’, complementou.

Informações pretendidas pela parte não são sigilosas

Para a relatora, só seria cabível a expedição de ofício pelo juízo se ela fosse necessária à correta solução da controvérsia ou se ficasse provado que houve negativa imotivada de fornecimento das informações pela junta comercial.

‘‘A requisição judicial não se revela necessária, na medida em que não se trata de informação resguardada por sigilo ou, por outra razão, restrita a terceiro, cuidando-se de dados disponíveis ao público em geral’’, concluiu a ministra-relatora. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 2.060.489