RISCO DA ATIVIDADE
Greve de caminhoneiros não justifica cobrança de estadia de contêineres, diz TJSP

Desembargador César Zalaf foi o relator
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A 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou sentença, proferida pelo juiz Joel Birello Mandelli, da 6ª Vara Cível de Santos, que considerou ilícita a cobrança da estadia de contêineres pela transportadora a uma fabricante de produtos de aço, contratante do serviço. O argumento é de que a greve dos caminhoneiros não justifica a exigência do débito.

A parte autora acordou com a ré o transporte rodoviário de oito contêineres do terminal portuário de Santos a seus armazéns. A carga estava à disposição no dia 2 de novembro de 2021, com a retirada acontecendo somente no dia 14 do mesmo mês.

Após o pagamento do serviço, a fabricante foi surpreendida com uma cobrança complementar de R$ 55,2 mil referente ao período de armazenagem no porto entre os dias 2 e 14 de novembro.

Por não concordar com a ameaça da transportadora de execução do título e uma possível negativação do nome, a indústria ingressou na justiça para obtenção da inexigibilidade do débito. A parte ré apontou que a demora na liberação dos contêineres e a greve dos caminhoneiros justificaram a necessidade da cobrança.

Em seu voto, o relator do recurso, desembargador César Zalaf, argumentou que a tese apresentada pela defesa não se justifica. É que uma vez que ‘‘nenhum contêiner pode ser removido da zona primária para a secundária (armazém da ré) sem autorização e liberação do porto, todos seguem um fluxo conforme a determinação portuária’’. Além disso, a mercadoria só pode ser liberada após o desembaraço aduaneiro.

Em relação à greve dos caminhoneiros, que aconteceu no mesmo período que a carga estava no porto, o magistrado apontou que ‘‘independente da imprevisível grandiosidade de sua repercussão, é fato caracterizado como fortuito interno’’ e que decorre do risco da atividade da empresa. A turma de julgamento foi completada pelos desembargadores Thiago de Siqueira e Carlos Abrão. A decisão foi unânime. Com informações da Assessoria de Comunicação Social do TJSP.

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1003002-55.2022.8.26.0562 (Santos-SP)

CARTA NA MANGA
Nulidade de algibeira, a estratégia rejeitada pela jurisprudência do STJ

Arte: Banda Carta na Manga

De um lado, princípios consagrados no ordenamento jurídico brasileiro e reforçados pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015, como a lealdade, a boa-fé processual e a cooperação; do outro, uma parte que, sabendo de suposto vício no processo, prefere não se manifestar, deixando para fazê-lo em momento mais conveniente aos seus interesses.

A estratégia processual conhecida como nulidade de algibeira, ou de bolso, tão comum na esfera civil quanto na penal, tem sido recorrentemente analisada – e rechaçada – pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No julgamento do RHC 115.647, o ministro Ribeiro Dantas afirmou que ‘‘a jurisprudência dos tribunais superiores não tolera a chamada nulidade de algibeira – aquela que, podendo ser sanada pela insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva de melhor conveniência futura’’.

O ministro Raul Araújo, no AREsp 1.734.523, acrescentou que ‘‘a suscitação tardia da nulidade, somente após a ciência de resultado de mérito desfavorável, configura a chamada nulidade de algibeira, manobra processual que não se coaduna com a boa-fé processual e que é rechaçada pelo Superior Tribunal de Justiça’’.

Acórdão paradigmático do STJ estabeleceu a tese das nulidades de algibeira

A difusão da expressão ‘‘nulidade de algibeira’’ e do entendimento jurídico correspondente é creditada ao ministro do STJ Humberto Gomes de Barros (falecido), que a utilizou pela primeira vez em 14 de agosto de 2007, quando atuava na Terceira Turma e foi relator do REsp 756.885.

A discussão tratava de intimações feitas em nome de um advogado que recebeu os poderes para representar a parte ré, por meio de substabelecimento, quando ainda era estagiário – o que poderia gerar nulidade sob a ótica do CPC de 1973.

A parte cumpriu todas as intimações recebidas, à exceção de uma, que tratava de perícia contrária aos seus interesses. Sem manifestar qualquer oposição naquele momento e nos atos seguintes, ela só alegou a nulidade muito tempo depois, em embargos de declaração contra a sentença na fase de liquidação.

Para o ministro Humberto Gomes de Barros, a parte, visivelmente, guardou a alegação de nulidade para usá-la em momento mais conveniente, e mesmo assim não demonstrou prejuízo ao exercício da ampla defesa.

‘‘Sem que haja prejuízo processual, não há nulidade na intimação realizada em nome de advogado que recebeu poderes apenas como estagiário. Deficiência na intimação não pode ser guardada como nulidade de algibeira, a ser utilizada quando interessar à parte supostamente prejudicada’’, ponderou o ministro.

Ainda que o vício de intimação seja o mais comum quando se fala sobre as nulidades de algibeira, os órgãos julgadores do STJ já identificaram essa manobra processual em diversas outras circunstâncias.

Banco tentou anular citação com base em argumento não manifestado antes

No julgamento do REsp 1.637.515, em 2020, a Quarta Turma, por maioria de votos, entendeu que um banco se valeu da nulidade de algibeira para rediscutir a validade de sua citação na medida cautelar de exibição de documentos ajuizada por uma empresa do ramo industrial.

Ministro Marco Buzzi
Foto: Rafael Luz/STJ

Ainda no início do processo, o banco pediu a declaração de nulidade da citação, exclusivamente pelo fato de ela ter sido recebida por funcionário sem poderes para representar a instituição financeira. Por meio do REsp 96.229, a discussão chegou ao STJ, que declarou a validade do ato.

Após o retorno dos autos à primeira instância, o banco, em embargos de declaração, voltou a questionar uma possível nulidade da citação. Dessa vez, argumentou que faltava no instrumento a indicação do prazo para a defesa, o que foi acolhido pelo Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM).

Para o relator do caso no STJ, ministro Marco Buzzi, não poderia ter havido nova deliberação sobre vício da citação, pois a questão estava abrangida pelo efeito preclusivo da coisa julgada formal estabelecida no REsp 96.229. Na sua avaliação, havia fortes indícios de utilização da ‘‘odiosa’’ nulidade de algibeira.

O relator comentou que, tendo o banco alegado a nulidade da citação por um motivo desde o ano de 1994, ficou evidente sua atitude de guardar ‘‘na algibeira’’, para usar em momento oportuno, outro defeito contido no mesmo mandado de citação.

Provocação tardia de intervenção do MP configura nulidade de algibeira

A Terceira Turma, no julgamento do REsp 1.714.163, apontou o uso da nulidade de algibeira em uma discussão sobre a necessidade de intimação do Ministério Público (MP) para representar herdeiros incapazes, cujo pai morreu no curso de ação em que figurava como uma das partes.

Na origem, o pai ajuizou ação de adjudicação compulsória, mas os pedidos foram considerados improcedentes. Somente mais tarde, em recurso especial dos filhos, alegou-se que a intervenção do MP deveria ter ocorrido não apenas no inventário, mas também na ação de adjudicação compulsória, razão pela qual todos os atos praticados desde a comunicação do falecimento seriam nulos.

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, a jurisprudência do STJ estabelece que o reconhecimento de nulidade processual, ainda que absoluta, pressupõe a existência de efetivo prejuízo. No caso, a ministra observou que o espólio do pai foi representado adequadamente pelo inventariante, não havendo menção no recurso a prejuízos decorrentes da falta de intervenção do MP. A arguição de nulidade – destacou a relatora – se deu apenas depois que o espólio já havia apresentado apelação e embargos de declaração.

‘‘Causa profunda estranheza, no ponto, que a arguição de nulidade apenas tenha ocorrido após a confirmação da improcedência dos pedidos deduzidos pelo espólio em segundo grau de jurisdição’’, avaliou Nancy Andrighi, ao concluir que a suscitação tardia da participação do MP configurou nulidade de algibeira.

Invocação tardia de nulidade em oitiva de testemunha não muda julgamento

Em dezembro de 2022, a Sexta Turma negou provimento a um agravo em recurso especial (AREsp 2.204.219) por entender que a invocação tardia de nulidade da oitiva de testemunha, a fim de reverter resultado desfavorável, demonstra a utilização da nulidade de algibeira.

A defesa, buscando reverter uma condenação por tráfico de drogas, alegou ao STJ que não concordou com a inversão da oitiva de testemunhas – procedimento adotado na audiência de instrução e julgamento –, mas não se manifestou sobre isso nas alegações finais por acreditar, entre outras razões, que o julgamento caminharia para a absolvição.

Ministro Rogerio Schietti Cruz
Foto: Lucas Pricken/STJ

No entanto, o relator do recurso, ministro Rogerio Schietti Cruz, salientou que os próprios autos demonstram claramente que a defesa concordou com a realização posterior da oitiva de uma das testemunhas de acusação, sem apontar qualquer nulidade nas alegações finais, trazendo o assunto à discussão apenas no recurso de apelação.

‘‘Como decorrência do disposto no artigo 565 do Código de Processo Penal e tendo em vista a proibição de comportamento contraditório da parte (venire contra factum proprium), não se reconhece nulidade a que deu causa a própria parte’’, concluiu o relator.

Falta de intimação em contrarrazões configura nulidade sanável

No julgamento de recurso especial (REsp 1.372.802) em ação de substituição de penhora, a Terceira Turma rejeitou a argumentação apresentada pela empresa recorrente, que se valeu da nulidade de algibeira para apontar um possível vício no processo. No caso, ela alegou omissão por parte do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que não lhe deu a chance de apresentar contraminuta ao agravo de instrumento interposto pela parte contrária.

Para o colegiado, a parte agravada não teve a oportunidade de se manifestar naquele momento, mas, após o julgamento monocrático do agravo, todos os envolvidos foram intimados da decisão, o que renovou o contraditório e sanou qualquer dúvida quanto à ciência da interposição do recurso e da inexistência de intimação para contraminuta.

O relator no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino (falecido), destacou que a parte ficou em silêncio quando intimada da decisão monocrática e suscitou a nulidade somente nos embargos de declaração opostos ao acórdão do agravo regimental.

‘‘Essa estratégia de permanecer silente, reservando a nulidade para ser alegada em um momento posterior, já foi rechaçada por esta turma, tendo recebido a denominação de nulidade de algibeira’’, alertou o relator.

De acordo com Sanseverino, o STJ entende que a intimação para apresentação de contrarrazões é condição de validade da decisão que causa prejuízo à parte não intimada. No entanto – ponderou –, trata-se de uma nulidade sanável, pois o contraditório se renova continuamente ao longo do processo, abrindo-se oportunidade às partes para se manifestarem.

Vício de patrocínio duplo deve ser alegado na primeira oportunidade

Ministro Marco Aurelio Bellizze
Foto: Sérgio Amaral/STJ

No julgamento do AREsp 2.197.101, a Terceira Turma entendeu que o vício de patrocínio duplo deve ser alegado na primeira oportunidade em que couber à parte se manifestar no processo. A suscitação tardia, ou seja, somente após a ciência do resultado de mérito desfavorável, configura nulidade de algibeira.

A origem do caso foi uma execução de título extrajudicial proposta por concessionária de veículos, em que se discutia a validade da citação por edital de uma cliente apontada como inadimplente.

Após o STJ restabelecer a sentença que havia declarado a nulidade da citação, a empresa alegou em agravo interno que a consumidora tinha advogado constituído nos autos quando interpôs recurso na corte ainda sob a representação da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, na condição de curadora especial.

Para o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, a concessionária não tinha razão ao pedir a anulação da decisão em que a Defensoria Pública representava a parte contrária.

‘‘Isso porque não houve a manifestação na primeira oportunidade em que poderia tê-lo feito, visto que a constituição do patrono foi protocolizada nos autos em 9/5/2002, antes do ajuizamento do agravo em recurso especial pela Defensoria Pública, na qualidade de curadora especial, tendo a insurgente deixado transcorrer in albis o prazo de resposta’’, avaliou o ministro.

Vício na formação de comissão de PAD só foi alegado após demissão

A Primeira Seção do STJ identificou a utilização da nulidade de algibeira ao julgar mandado de segurança (MS 22.757) impetrado por dois ex-servidores da Polícia Federal no Amazonas, que foram demitidos após a apuração de atos ilícitos em processo administrativo disciplinar (PAD).

Conforme os impetrantes, a escolha da comissão processante violou os princípios do juiz natural e da impessoalidade, pois recaiu em servidores especificamente contrários a eles. Além disso, a substituição de um dos membros teria ocorrido de forma contrária à lei.

O relator do caso, ministro Gurgel de Faria, observou que esses fundamentos não foram alegados na via administrativa, embora supostamente existentes desde a designação da comissão; ou seja, desde o início do PAD.

‘‘Sobre a nulidade de algibeira, presume-se de óbvio conhecimento a composição da comissão processante por ser fato público e notório, determinado por ato administrativo desde o início do processo’’, avaliou o ministro.

Ainda de acordo com Gurgel de Faria, se a alegação das partes era no sentido de que a escolha da comissão processante não atendeu aos requisitos formais da lei, este seria o primeiro ato de prejuízo aos processados, devendo ter sido apontado ao longo do trâmite do PAD.

Prática de ato processual sem a substituição da parte falecida gera nulidade relativa

No julgamento do REsp 2.033.239, a Terceira Turma decidiu que a prática de um ato processual após a morte da parte, sem a respectiva substituição pelo espólio, gera nulidade relativa. Para o colegiado, o ato somente deve ser anulado se a não regularização do polo processual representar prejuízo concreto ao espólio.

No caso analisado, entretanto, tentou-se usar uma nulidade de algibeira quando a coexecutada – que era esposa da parte falecida –, de forma deliberada, não comunicou o juízo sobre a morte do executado para anular a avaliação de um imóvel penhorado a pedido de um banco.

O relator do recurso, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que, nos termos do artigo 313, inciso I, do CPC, a morte de uma das partes enseja a imediata suspensão do processo, a fim de viabilizar a sua substituição processual pelo espólio e, assim, preservar o interesse do espólio e dos herdeiros. Porém, o magistrado apontou que a nulidade resultante da inobservância dessa regra é relativa, passível de ser declarada apenas se a não regularização do polo causar real prejuízo ao espólio. Do contrário, os atos processuais praticados são considerados válidos.

‘‘A caracterização de alegado prejuízo processual, advinda da não suspensão do feito, mostra-se absolutamente incoerente quando a parte a quem a nulidade aproveitaria, ciente de seu fato gerador, não a suscita nos autos logo na primeira oportunidade que lhe é dada’’, afirmou.

Audiência não realizada em ação de reintegração de posse só beneficiaria parte contrária

Em outro recurso julgado pela Terceira Turma (REsp 1.699.980), também de relatoria do ministro Bellizze, uma empresa buscava reverter a decisão em ação de reintegração de posse que teve sentença proferida sem a realização de audiência de justificação prévia.

Para o ministro, a falta da audiência não causou prejuízo à empresa, já que o único provimento que poderia decorrer desse ato seria a concessão de providência liminar à parte contrária.

‘‘Ainda que se pudesse vislumbrar a possibilidade de dano à parte ré no caso concreto, a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que a decretação de nulidade processual não prescinde da efetiva demonstração do prejuízo, ônus do qual a parte não se desincumbiu”, ressaltou Bellizze.

Ao lembrar que eventuais vícios processuais devem ser alegados na primeira oportunidade que a parte tiver de se manifestar nos autos, sob pena de preclusão, o relator concluiu que a empresa se valeu dos instrumentos do processo para condicionar o apontamento do suposto vício a uma decisão anterior desfavorável – situação compatível com a nulidade de algibeira.

Vício no prazo para apelação só foi alegado dois anos após o trânsito em julgado

Ao dar provimento ao REsp 1.833.871, a Terceira Turma rechaçou o uso da nulidade de algibeira e decidiu que a parte ré não poderia ter o prazo para apelação restabelecido, sob alegação de nulidade da intimação, após o decurso de aproximadamente dois anos do trânsito em julgado da sentença.

Na origem do processo, discutia-se a divisão de bens de uma empresa de artefatos de cerâmica após a saída de um de seus sócios, que teve o pedido julgado parcialmente procedente. Em seguida, as partes foram intimadas sobre uma decisão que rejeitou embargos de declaração contra a sentença. Por meio eletrônico, o juízo estabeleceu o prazo recursal de dez dias, quando a lei é expressa ao definir que o prazo correto é de 15 dias. No entanto, sem que qualquer recurso fosse apresentado, a sentença transitou em julgado.

Cerca de dois anos depois, a ré apresentou apelação e, informando o erro na intimação eletrônica, requereu o restabelecimento do prazo recursal.

O relator do caso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, ressaltou que a empresa não apelou em nenhum dos prazos possíveis, permanecendo inerte por cerca de dois anos. ‘‘Salta aos olhos a má-fé da apelante, pois guardou a suposta nulidade da intimação para suscitá-la apenas muito tempo depois, no momento em que lhe pareceu mais conveniente’’, declarou o ministro ao associar essa estratégia processual às nulidades de algibeira. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

RHC 115647

AREsp 1734523

REsp 756885

REsp 1637515

REsp 96229

REsp 1714163

AREsp 2204219

REsp 1372802

AREsp 2197101

MS 22757

REsp 2033239

REsp 1699980

REsp 1833871