SOLUÇÃO JUSTA
É possível penhorar imóvel financiado com alienação fiduciária na execução de cotas condominiais

Condomínio Australis Easy Club, em Joinville (SC)

​Na execução de cotas de condomínio de um prédio de apartamentos (ou de qualquer outro condomínio edilício), é possível a penhora do imóvel que originou a dívida, mesmo que ele esteja financiado com alienação fiduciária, em razão da natureza propter rem do débito condominial, prevista no artigo 1.345 do Código Civil (CC).

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, deu provimento a um recurso especial (REsp) para permitir a penhora de um imóvel no Residencial Australis Easy Club, localizado em Joinville (SC). Entretanto, o colegiado considerou necessário que o condomínio exequente promova a citação do banco (credor fiduciário), além do devedor fiduciante.

Se quiser pagar a dívida para evitar o leilão, já que é a proprietária do imóvel, a instituição financeira poderá depois ajuizar ação de regresso contra o condômino executado. A decisão da Quarta Turma representa uma mudança em relação à jurisprudência adotada até aqui pelo STJ.

De acordo com o ministro Raul Araújo, cujo voto prevaleceu no julgamento, o entendimento de que a penhora só poderia atingir os direitos relativos à posição do devedor fiduciante no contrato de alienação fiduciária, sem alcançar o próprio imóvel, é válido para qualquer outro credor do condômino, mas não para o condomínio na execução de cotas condominiais. Neste caso, em razão da natureza propter rem da dívida, é necessária a citação do banco.

Credor fiduciário não pode ter mais direitos do que o proprietário pleno

Ministro Raul Araújo foi o redator do acórdão
Foto: Sérgio Amaral/STJ

Para o ministro, as normas que regulam a alienação fiduciária não se sobrepõem aos direitos de terceiros que não fazem parte do contrato de financiamento – como, no caso, o condomínio credor da dívida condominial, a qual conserva sua natureza jurídica propter rem.

‘‘A natureza propter rem se vincula diretamente ao direito de propriedade sobre a coisa. Por isso, se sobreleva ao direito de qualquer proprietário, inclusive do credor fiduciário, pois este, proprietário sujeito a uma condição resolutiva, não pode ser detentor de maiores direitos que o proprietário pleno’’, afirmou o ministro no voto vencedor.

Segundo ele, seria uma situação confortável para o devedor das cotas condominiais se o imóvel não pudesse ser penhorado devido à alienação fiduciária, e também para a instituição financeira, caso o devedor fiduciante estivesse em dia com a quitação do financiamento mesmo devendo as taxas do condomínio.

‘‘Cabe a todo credor fiduciário, para seu melhor resguardo, estabelecer, no respectivo contrato, não só a obrigação de o devedor fiduciante pagar a própria prestação inerente ao financiamento, como também de apresentar mensalmente a comprovação da quitação da dívida relativa ao condomínio’’, destacou.

Prejuízo teria de ser suportado pelos demais condôminos

O caso analisado pelos ministros é de um condomínio edilício: um prédio de apartamentos com unidades privativas e áreas comuns. O condomínio ajuizou a cobrança das cotas em atraso de uma das unidades, mas não teve sucesso em primeira e segunda instâncias.

Ao negar o pedido de penhora do apartamento, a Justiça estadual citou decisões do STJ no sentido de que, como o bem em questão não integra o patrimônio do devedor fiduciante, que apenas detém a sua posse direta, não pode ser objeto de constrição em execuções movidas por terceiros contra ele, ainda que a dívida tenha natureza propter rem.

‘‘Não faz sentido esse absurdo. Qualquer proprietário comum de um imóvel existente num condomínio edilício se submete à obrigação de pagar as despesas. Se essas despesas não forem pagas pelo devedor fiduciante nem pelo credor fiduciário, elas serão suportadas pelos outros condôminos, o que, sabemos, não é justo, não é correto’’, declarou o ministro Raul Araújo ao votar pela possibilidade da penhora.

O ministro disse que a interpretação que vem sendo dada a situações semelhantes é ‘‘equivocada e sem apoio em boa lógica jurídica’’, pois estende proteções de legislação especial a terceiros não contratantes, além de conferir ao banco uma condição mais privilegiada que o direito de propriedade pleno de qualquer condômino sujeito à penhora por falta de pagamento das cotas do condomínio.

Raul Araújo concluiu que a melhor solução é integrar todas as partes na execução, para que se possa encontrar uma solução adequada. ‘‘Não se pode simplesmente colocar sobre os ombros dos demais condôminos – que é o que irá acontecer – o dever de arcarem com a dívida que é, afinal de contas, obrigação tocante ao imediato interesse de qualquer proprietário de unidade em condomínio vertical’’, afirmou no voto. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 2.059.278

AMBIENTE TÓXICO
Ambev é condenada por assédio moral estrutural

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou a Ambev S.A., a maior fabricante de cervejas do mundo, a pagar indenização de R$ 50 mil a um vendedor de Vitória (ES) submetido a assédio moral durante sete anos. Sob a alegação de cobrança de metas, ele era chamado por supervisores, gerentes e até colegas por nomes pejorativos e alvo de constantes xingamentos, inclusive de conteúdo racial.

Respeito mútuo

Na ação, o vendedor contou que trabalhou para a Ambev de 2011 a 2017, na região da Grande Vitória. Nesse período, disse que fora exposto a situações que feriram direitos básicos, como respeito mútuo, dignidade humana e ambiente sadio de trabalho. As condutas eram praticadas usualmente por seus supervisores, gerentes de vendas e outros vendedores.

Xingamentos

Segundo o seu relato na ação reclamatória, o cumprimento de metas envolvia muita pressão psicológica, estresse físico e mental e ameaças de demissão. Eram cobranças públicas, com tratamento desrespeitoso e xingamentos para quem não atingisse as metas. ‘‘Morto’’, ‘‘desmotivado’’, ‘‘desmaiado’’, ‘‘âncora”, ‘‘negão’’ e ‘‘cara de monstro’’ eram algumas das expressões que ele ouvia, e o próprio gerente de vendas inventava apelidos desrespeitosos.

‘‘Brincadeiras masculinas’’

O juízo de primeiro grau reconheceu o assédio moral e condenou a empresa a pagar indenização de R$ 50 mil. Contudo, o Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (TRT-17, Espírito Santo) retirou a condenação.

Considerando o depoimento do trabalhador, o TRT concluiu que todos os vendedores tinham apelidos, com expressões ‘‘perfeitamente inseridas em um ambiente de brincadeiras tipicamente masculinas’’, inclusive as palavras de baixo calão.

Política sistemática

Para o relator do recurso de revista (RR) do vendedor, ministro Alberto Balazeiro, não é aceitável que agressões corriqueiras decorram de brincadeiras masculinas. Para ele, a situação retratada pelo TRT mostra uma conduta reiterada e omissiva da empresa, sob o argumento injustificável do humor, que reproduz comportamentos abusivos que degradam profundamente o ambiente de trabalho. Trata-se, a seu ver, de uma política sistemática da empresa, que visa engajar os trabalhadores no cumprimento de metas, ‘‘a despeito de seu sofrimento psíquico-social’’.

Estereótipo de masculinidade

O ministro se surpreendeu que, mesmo diante desse quadro, o TRT tenha concluído se tratar de ‘‘brincadeiras recíprocas’’ e ‘‘tipicamente masculinas’’. Ele assinalou que, conforme a Resolução CNJ 492 (protocolo para julgamento com perspectiva de gênero), o que é considerado ‘‘humor’’ é reflexo de uma construção social que revela a concepção ou a preconcepção de determinado grupo sobre a realidade vivenciada por outros.

‘‘Os ideais estereotipados em torno do que seria tipificado como ‘masculino’ no âmbito das organizações têm efeitos deletérios para os sujeitos que não se enquadram em um padrão pré-concebido de masculinidade’’, afirmou.

Assédio organizacional

O caso, segundo o relator, retrata efetivo assédio organizacional interpessoal, em que as metas não eram cobradas por meio de motivação positiva, mas de uma cultura generalizada de xingamentos, gritaria e palavras de baixo calão.

Conduta reiterada

Balazeiro lembrou, ainda, que o assédio moral na Ambev tem motivado inúmeras condenações no TST e, apesar disso, a empresa continua desrespeitando a obrigação de manter um meio ambiente de trabalho saudável. A gravidade dessa conduta reiterada, a seu ver, demanda posicionamento enérgico do TST, a fim de evitar a sua perpetuação.

Ofensa racial

Ao restabelecer a condenação, os ministros da Terceira Turma ressaltaram a necessidade de acabar com a naturalização da discriminação e da prática injustificável de brincadeiras abusivas. Para o colegiado, a ofensa de cunho racial é uma das mais graves.

‘‘Não se pode considerar aceitável essa conduta num país que se pretende civilizado’’, resumiu o ministro José Roberto Pimenta. Com informações da jornalista Lourdes Tavares, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

Processo RR-1406-93.2019.5.17.0001