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Homem que se aproveita do relacionamento amoroso, cobrando da mulher pelos serviços domésticos, incorre em conduta ilícita e deve ser julgado a partir de uma perspectiva de gênero, conforme orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Afinal, este tipo de serviço não é incompatível com a sua masculinidade, apesar de ainda imperar o preconceito da divisão sexista do trabalho.
O entendimento é do juiz Henrique Macedo de Oliveira, no período em que atuou na 4ª Vara do Trabalho de Uberaba (MG), ao enterrar uma ação reclamatória em que o reclamante pedia o reconhecimento de vínculo empregatício com a sua ex-companheira. Ao não reconhecer o vínculo, na função de doméstico-cuidador, caíram por terra os pedidos reflexos, como pagamento de verbas rescisórias, FGTS, horas extras e indenização por danos materiais.
Para o magistrado, a Protocolo trouxe considerações teóricas sobre a questão da igualdade, justamente para que as decisões judiciais ocorram de forma a realizar o direito à igualdade e à não discriminação, evitando a repetição de estereótipos e a perpetuação de diferenças.
Trabalho em razão do afeto
Segundo o processo, o autor da ação permaneceu na casa da ex-companheira quando ela estava em viagem para o exterior, por cerca de um mês, assumindo tarefas domésticas e cuidados com o filho dela. Mas, após analisar as provas, o magistrado observou que a situação ocorreu em razão do relacionamento afetivo que existia entre ambos, sem a configuração de prestação de trabalho, muito menos de vínculo de emprego, na forma prevista no artigo 3º da CLT.
Na conclusão do julgador, o autor se aproveitou de seu relacionamento com a ré para obter vantagem ilícita, revelando um aspecto curioso da assimetria de gênero, em que um homem se sente à vontade para cobrar de uma mulher o pagamento pelos serviços domésticos realizados no curso do relacionamento.
Entenda o caso
O homem alegou que foi admitido pela ex-companheira, em 13 de abril de 2022, para a função de ‘‘doméstico-cuidador’’, afirmando que trabalhou na casa dela até 17 de maio de 2022, quando deixou de comparecer ao local em razão da falta de pagamento dos salários.
Juiz Henrique Macedo de Oliveira
Foto: Imprensa/TRT-3
Em defesa, a ré negou a existência do vínculo empregatício ou mesmo de qualquer prestação de serviços. Disse que, na verdade, ela e o reclamante mantinham um relacionamento amoroso na época e que, apenas em razão desse vínculo afetivo, deixou o filho aos cuidados do reclamante, enquanto realizava uma viagem a trabalho.
Os depoimentos das partes, bem como das testemunhas apresentadas pela ré, demonstraram que, de fato, o autor permaneceu na casa da ex-companheira em virtude do relacionamento amoroso que havia entre eles. O reclamante, por sua vez, não produziu provas testemunhais ou documentais aptas a revelar a alegada relação de emprego.
‘‘A relação de emprego, juridicamente caracterizada, funda-se a partir da existência de trabalho prestado por pessoa física, com pessoalidade e onerosidade, de forma não eventual e subordinada (art. 2º c/c art. 3º, ambos da CLT). Negada a prestação laboral e o liame empregatício, competia à parte reclamante comprovar as suas alegações e desse encargo não se desvencilhou a contento’’, destacou o magistrado na decisão.
Reclamante: lavava, passava e fazia comida
Ao depor em juízo, o autor reconheceu que teve um relacionamento amoroso com a ré, afirmando que a conheceu em um site de relacionamentos. Disse que morou na casa dela por cerca de um mês, trabalhando na residência no período em que ela viajou, quando ‘‘lavava, passava e fazia comida’’, além de cuidar do filho da ré, contando que, no período, eles eram apenas amigos.
Ré: sem promessa de pagamento
A ré também prestou depoimento e confirmou que conheceu o autor no site de relacionamentos, por meio do qual se falaram por cerca de um ano. Relatou alguns encontros e afirmou que o autor se hospedava em sua casa. Contou que foi convidada por uma amiga para trabalhar como cabeleireira na França, ‘‘por cerca de 45 dias ou dois meses’’, quando o autor ficou em sua casa, com seu filho, que é ‘‘especial, portador de deficiência mental’’. Relatou que o autor montou uma fábrica de pipa na sala de sua residência e que ‘‘colocava o filho para vender pipa’’. Disse ainda que, na época, eles ainda tinham um relacionamento amoroso e que não prometeu pagamento ao reclamante durante a viagem.
Testemunhas: planos de vida em comum
A ré apresentou duas testemunhas, que confirmaram que ela e o autor mantinham um relacionamento amoroso quando ela viajou para França e que, nesse período, ele foi morar na casa da ré, junto com o filho dela. Uma testemunha, inclusive, afirmou que ‘‘autor e a reclamada estavam planejando uma vida em comum’’, enquanto a outra, que era o vizinho da ré, contou que o relacionamento entre ambos era de conhecimento geral na vizinhança.
Inexistência de relação de emprego
Para o magistrado, os depoimentos colhidos em audiência, tanto das partes como das duas testemunhas ouvidas, confirmaram a tese da defesa de que existia entre as partes uma relação análoga à união estável, pois o autor e a ré, por um determinado período, coabitavam a mesma residência e mantinham um relacionamento afetivo. Além disso, pareceu evidente, ao julgador, que o autor se comprometeu a cuidar da casa e do filho da ré enquanto ela viajava a trabalho.
‘‘Em outras palavras, um homem assumiu temporariamente o papel de cuidador do lar, como é de praxe para as mulheres, historicamente incumbidas dessa tarefa, e depois achou absolutamente natural ajuizar uma ação trabalhista buscando reconhecimento jurídico como empregado’’, destacou na sentença, que já transitou em julgado. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.
O TRT-3 não disponibilizou a sentença.
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