PROVA DE PROPRIEDADE
Titulação de terras: a pedra no sapato do crédito de carbono

Por João Eduardo Zica Diamantino

A aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto que regula o mercado de crédito de carbono foi um importante primeiro passo a ser dado na regulamentação deste setor. Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido e que, invariavelmente, deverá passar pela complexa problemática da titulação de terras no Brasil. Afinal, a possibilidade de fraude para as emissões de gás carbônico não interessa a qualquer debate sério que se pretenda fazer. A história da titulação de terras se confunde com o descobrimento do Brasil. Desde a chegada dos portugueses a terras tupiniquins, já vivenciamos quatro períodos: regime de sesmarias; regime de posse; regime da Lei de Terras; e regime republicano, vigente desde a promulgação da Constituição de 1889. Spoiler: sem solução ainda.

Das capitanias hereditárias, até os conceitos atuais de propriedade, posse e domínio, deve-se dizer que o Brasil foi ineficiente em titular a totalidade das terras que compõe a nação. Os efeitos de tal ineficiência ecoam no cotidiano dos cidadãos brasileiros, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A título de exemplo, cita-se a grilagem de terras, onde glebas são invadidas e tituladas ilegalmente. Não se pode acreditar que basta uma certidão vintenária de um imóvel para que se conclua a due diligence da efetiva propriedade de algo. Aqui, tem-se matrículas sobrepostas, documentos falsos, terras inexistentes registradas e até mesmo a possibilidade de a terra ser considerada indígena, independentemente de documento de compra e venda expedido por algum Estado.

Que o problema é antigo já é sabido. Mas a grande questão é: iremos perder esse grande embalo mundial de sermos a maior nação verde do mundo por problemas agrários? Impulsionado pela COP-30 sediada no Pará, pelo conceito de ESG, as discussões ambientais e a posição estratégica que ocupa na produção global de alimentos, o país vive um momento de atenção internacional, e o atual governo surfa nessa onda. É aí que entram os créditos de carbono. Um mercado multibilionário que pretende movimentar a economia global. Mas tem um porém — o mercado de crédito de carbono possui um trâmite específico para que possa ser de fato comercializado. São necessários cinco requisitos para que exista a possibilidade de comercialização do crédito de carbono: projeto, validação, monitoramento, verificação e emissão. Acontece que, no projeto, é necessário comprovar a propriedade. Isso, para evitar que alguém usufrua do direito de propriedade alheio para obter benefícios financeiros com a venda dos créditos.

O primeiro caso de fraude reportado aconteceu na Ilha do Marajó, onde uma empresa emitiu créditos decorrentes de áreas de reserva extrativista federal. Mesmo com as matrículas canceladas há anos, os vendeu para companhias multinacionais, conseguindo driblar a certificação internacional. Importante destacar que a população nativa da região não recebeu qualquer tipo de verba. E a história se repete, mais uma vez no Estado do Pará, agora em Portel, onde três empresas usaram de terras públicas para emissão de créditos de carbono, desta vez tendo um apelo midiático maior e evidenciando a principal falha no mercado, a falta de titulação. Ainda que os créditos de carbono passem pela certificação de alguma empresa específica, fica claro que o processo ainda está sujeito a falhas. Deste modo, a luz de atenção se acendeu na comunidade estrangeira em relação aos créditos emitidos no Brasil, em especial na Amazônia Legal.

O atual governo, em diversas ocasiões, frisou que uma de suas prioridades seria o meio ambiente. Falar é fácil, fazer nem tanto. Um bom modo de começar seria por meio da titulação agrária. Ao assegurar aos títulos de propriedade a sua devida legalidade, não haveria mais grilagem, o que, consequentemente, diminuiria o desmatamento. Ato contínuo, traria investimentos que visassem a manutenção de nossas florestas, como os créditos de carbono, em uma relação que não há perdedor. O mundo ficaria mais ecológico, e o Brasil, mais rico. Será que o presidente da República terá força política e interesse, em resolver esse problema que é praticamente concomitante ao descobrimento da América? Será que pela primeira vez haverá esforços efetivos em titular as glebas? A agenda política deve ir além do discurso. Vai ser difícil que o mercado continue caminhando com uma ‘‘pedra no sapato’’ a longo prazo. Se Brasília falhar em corrigir este rumo, o Brasil perderá a chance de arrecadar bilhões de dólares.

João Eduardo Zica Diamantino é sócio da área cível no Diamantino Advogados Associados

EQUIPARAÇÃO SALARIAL
TRT-RS condena Zaffari a pagar salário de atendente a operador de loja em rescisão

O inciso III da Súmula 6 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) é autoexplicativo: ‘‘A equiparação salarial só é possível se o empregado e o paradigma exercerem a mesma função, desempenhando as mesmas tarefas, não importando se os cargos têm, ou não, a mesma denominação’’.

Munida deste fundamento, a 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) confirmou a equiparação salarial de um operador de loja com o funcionário que desempenhava o cargo de atendente na Companhia Zaffari Comércio e Indústria. Por unanimidade, foi mantida a sentença da juíza Carolina Cauduro Dias de Paiva, da 2ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.

De acordo com o processo, o empregado trabalhou no setor de eletrodomésticos do supermercado de junho de 2018 a março de 2021. Em junho de 2019, o atendente que serviu como paradigma passou a trabalhar no mesmo setor do reclamante, com idênticas atribuições. Testemunhas confirmaram que ambos atendiam clientes e organizavam a loja e o depósito.

Para a juíza Carolina, é evidente que a nomenclatura dada ao cargo ou função não impede a equiparação quando demonstrada a identidade de funções. ‘‘Estou convicta de que o rol de atividades era igual, não havendo suporte, portanto, para a diferenciação salarial’’, disse a magistrada na sentença.

Desa. Maria Silvana Rotta Tedesco
Foto: Secom /TRT-4

As partes recorreram ao Tribunal em relação a diferentes aspectos da sentença – petição inicial embutia outros pedidos. Quanto à equiparação salarial, os desembargadores alteraram, apenas, a data de início do pagamento das diferenças salariais. O marco temporal passou a ser o mesmo em que o atendente começou a trabalhar no setor de eletrodomésticos junto ao reclamante.

A relatora do acórdão, desembargadora Maria Silvana Rotta Tedesco, salientou que o direito à equiparação salarial está condicionado ao preenchimento dos requisitos dispostos no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, como dito, na Súmula 6 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). As normas preveem, entre outros requisitos, a identidade de funções, trabalho de igual valor, simultaneidade na prestação de serviços, além de idêntico empregador e localidade.

‘‘A prova produzida nos autos confirma que o reclamante exercia as mesmas atividades que o funcionário paradigma. A empresa não comprovou qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial pleiteada na inicial, pelo que restam devidas as diferenças salariais deferidas na origem’’, concluiu a desembargadora no acórdão.

Também participaram do julgamento os desembargadores Manuel Cid Jardon e Rosiul de Freitas Azambuja.

Não houve recurso da decisão. Redação Painel de Riscos com informações de Sâmia de Christo Garcia/Secom/TRT-4.

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ATOrd 0021061-74.2020.5.04.0002 (Porto Alegre)