JUS VARIANDI
Doméstica não tem direito a acréscimo salarial por acumular a função de cuidadora de idosos

Igor Tishenko/DepositPhotos/Reprodução TRT-4

Ainda que na formalização do contrato tenha constado a função de cuidadora de idosos, o trabalho de doméstica se amolda à execução de tarefas em âmbito doméstico, obrigando-se a empregada a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.

Assim, a 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) não reconheceu o pedido de acréscimo salarial feito por uma empregada doméstica que alegou desempenhar também a função de cuidadora de idosos. Em decisão unânime, foi confirmada a sentença do juiz da 1ª Vara do Trabalho de Pelotas, Daniel de Souza Voltan.

Entre outubro de 2016 e março de 2022, a empregada trabalhou para dois idosos, por meio de três contratos diferentes. Inicialmente, em período prescrito, acompanhou a mulher em uma casa de repouso. Após o falecimento da idosa, a empregada foi contratada pela filha do casal para prestar serviços na casa do pai, também falecido à época do ajuizamento da ação.

Empregador pode mudar as tarefas do empregado

De acordo com as provas, especialmente conversas anexadas ao processo, foi demonstrada a rotina de arrumação e limpeza da casa. O juiz Daniel considerou irrelevante o fato de que o contrato inicial tenha sido para prestar cuidados a idosos em ambiente doméstico. ‘‘A designação das tarefas a serem desempenhadas encontra-se dentro do jus variandi [poder de modificar as condições de serviço segundo as circunstâncias] do empregador’’, explicou o magistrado.

A empregada obteve o reconhecimento do direito ao pagamento de parcelas relativas a férias e décimo terceiro, além de FGTS. Quanto ao plus salarial por acúmulo de funções, ela recorreu ao TRT-4 para reformar a decisão. Os desembargadores, contudo, mantiveram o entendimento de primeiro grau quanto à matéria.

O relator do acórdão, desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo, esclareceu que a empregada apenas esteve obrigada a realizar serviços em ambiente doméstico compatíveis com sua condição pessoal, ainda que no contrato tenha constado a função de cuidadora de idosos. ‘‘Não havendo prova acerca da realização de outras tarefas domésticas, nada há a deferir’’, disse o magistrado.

Também participaram do julgamento os desembargadores Alexandre Corrêa da Cruz e Carlos Alberto May.

Não houve recurso da decisão. Redação Painel de Riscos com informações de Sâmia de Christo Garcia/Secom/TRT-4.

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ATOrd 0020818-56.2022.5.04.0101 (Pelotas-RS)

FINANCIAMENTO DE PROJETOS
Adequar empresas à economia verde pode ser um bom negócio

Por Ianara Cardoso de Lima

Captura Web

O discurso sobre a quebra do equilíbrio climático do planeta sobe de tom a cada ano. De ‘‘crise climática’’, passou-se à ‘‘emergência climática’’, e de ‘‘aquecimento global’’ para ‘‘ebulição global’’.

E não é para menos. As previsões sobre as consequências das mudanças do clima, inequivocamente provocadas pela ação da humanidade, bateram à nossa porta antes da hora, com ondas e calor, tempestades, alagamentos, secas e vendavais nunca experimentados.

Enquanto os Estados discutiram na COP 28, realizada nos Emirados Árabes Unidos, os rumos da governança global do clima frente aos alarmantes resultados do último relatório publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em 20 de março de 2023, coube às empresas o questionamento acerca de seu papel nesse cenário.

É inegável a necessidade da diversificação de atores na governança global do clima, dentre os quais há que se destacar o papel da iniciativa privada para atingir os objetivos comuns relacionados às mudanças climáticas.

Para Elinor Ostron, ganhadora do Prêmio Nobel de Economia no ano de 2009 com tese que permanece atual, ainda que haja esforços globais, caso estes esforços não sejam apoiados e encampados regionalmente e localmente, não irão funcionar. Para a autora, os benefícios globais somente podem ser gerados por ações locais.

E é neste ponto que se concentra o papel das empresas, no agir local.

Pelo fato de as empresas terem alcançado, em muitos casos, patamares de poder econômico superior ao de alguns estados nacionais, fica evidente que podem arcar economicamente com a responsabilidade por seus atos e, inclusive, agir de modo a alterar, como menciona Clodomiro Bannwart Júnior, estudioso sobre a ética empresarial, ‘‘qualidade de vida e o bem-estar social das pessoas que dela dependam’’.

Evidente também que, em razão do processo de conscientização da sociedade a respeito das questões ambientais, em especial da finitude dos recursos naturais e dos impactos que as atividades produtivas geram no meio ambiente, a cobrança e responsabilização das empresas, no que tange à sua interação com o meio ambiente, aumentou significativamente.

Ricardo Abramovay, professor titular da FEA/USP, afirma que é cada vez mais importante o ‘‘capital reputacional’’ das empresas e que isso é percebido pelas organizações da sociedade civil, que passam a cobrar comportamentos não predatórios das empresas.

Assim, mudar a maneira como as empresas agem, caminhando para ações que visam o desenvolvimento sustentável, não seria apenas vital para a preservação do planeta, mas também a salvação da própria empresa, conforme ensina Élisabeth Laville, pioneira no estudo da sustentabilidade na França.

Em contrapartida, de acordo com o relatório ‘‘Better Business, Better World’’, elaborado pela Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU, há cerca de 12 trilhões de dólares em oportunidades de negócios até 2030, e a efetivação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável pode gerar cerca de 380 milhões de novos postos de trabalho até 2030.

Não por coincidência, o Brasil, que tem pretensão de liderar os debates globais sobre a proteção do meio ambiente, teve a delegação com maior participação de empresas na COP desse ano. A imprensa registrou a presença, entre outros, do Itaú, Vale, JBS, Ambipar e Gerdau.

O objetivo das empresas foi levar ao debate da COP as necessidades dos setores econômicos e gerar oportunidades de financiamento de projetos que estejam de acordo com as políticas de sustentabilidade e combate às mudanças climáticas.

Luciana Nicola, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco afirmou, em entrevista para o Estadão, que daqui para frente as empresas devem estar engajadas em ações, pois não há mais tempo.

Vai ao encontro do discurso empresarial o Plano de Transformação Ecológica, que vem sendo desenvolvido pelo Ministério da Fazenda e tem como objetivos (i) promover o aumento da renda por meio da geração de empregos verdes; (ii) reduzir a pegada ambiental e a emissão de gases de efeito estufa; e (iii) promover o desenvolvimento equitativo por meio da difusão de benefícios e distribuição de renda.

O Plano, que ainda não foi oficialmente lançado pelo Ministério da Fazenda, conta com seis eixos – finanças sustentáveis, adensamento tecnológico, bioeconomia, transição energética, economia circular e infraestrutura verde e de adaptação.

Os seis eixos serão desenvolvidos por meio de instrumentos financeiros, fiscais, regulatórios, administrativos, operacionais e de monitoramento e fiscalização, o que significa que haverá muita oportunidade de crédito e financiamento, além de incentivos fiscais para os empreendimentos que se engajarem na agenda em prol do combate às mudanças climáticas.

Parece, afinal, que a adequação das empresas a um modelo de economia verde e de baixa emissão de carbono pode, além de garantir que a vida humana não desapareça da terra, ser também um bom negócio.

Ianara Cardoso de Lima é sócia da área cível no escritório Diamantino Advogados Associados.