ESTELIONATO DEMOCRÁTICO
Um homem sangrou a engrenagem do mundo

Por Félix Soibelman

Uma comissão parlamentar brasileira, de intelectualidade macarrônica, vai ao Congresso dos Estados Unidos para tentar ‘‘desderramar’’ o leite derramado. Depois que o rei ficou nu, o mundo viu o führer depilado.

Tentando ‘‘desderramar’’ o leite ou ‘‘desquebrar’’ o copo, para fazer frente às denúncias das circunstâncias ditatoriais denunciadas por Elon Musk, a esquerda americana que integra o mesmo contexto de luta contra o fascismo imaginário para pretextar o cerceamento da liberdade de expressão –, cultivando a histeria e alarmismo sobre ‘‘discurso de ódio’’, assim como outros elementos fundamentais da atual psicose política contemporânea –, tenta contrarrestar o efeito devastador de Musk, que deixou os reis nus.

A dimensão das denúncias de Musk significam, analogamente à história de Hans Christian Andersen, ‘‘A roupa nova do rei’’, que se quebraram para sempre, perante o mundo, as versões de defesa da democracia secundadas por mídia e demais Big Techs.

Eles fingiram e induziram todos a fingir, e de aí a acreditarem na própria mentira, que havia um combate contra o golpismo e defesa da democracia mesmos nas mais desabridas violações de direitos, até que veio um gigante e despertou do sono dogmático da hipocrisia a vasta humanidade que se havia deixado tomar pelo conto no qual estava mergulhada.

Ao esfregar os olhos que mal se entreabriram, viu um louco servindo a uma suprema corte cooptada, que formou a primeira juristocracia totalitária nascida no mundo livre, e, ficando nu o rei, todos enxergaram o führer depilado…

Como chegamos a isso, como prosperou tudo isso na notável construção do mundo novo, onde, por anos a fio, as maiores manifestações ocorreram em torno de um presidente e foram tratadas pela mídia como se não existissem?

Parlamentares foram cassados por palavras ou tiveram suas palavras banidas, o sistema acusatório foi minado, pessoas foram presas sem acesso às acusações, críticas às instituições transformaram-se em ataque do Estado Democrático de Direito. E tudo convergiu para o poder de um homem que despedaçou o sistema democrático, servindo-se, paradoxalmente, do epíteto de ‘‘defesa da democracia’’, numa precariedade cultural de infantilismo atroz, em que, pasme-se, via-se toda uma sociedade, inclusive juristas da USP, sendo saturada por este universo infantil e malconcebido.

Não é só no Brasil. O mundo inteiro se viu retratado na longa hibernação da razão, lubrificada pelo sangue dos perseguidos, até que Musk sangrou a engrenagem de modo irrecuperável para a narrativa, da qual, em vão, tentam agora os atingidos juntar os pedaços.

Folha, Estadão, UOL, e, quem diria, o New York Times, publicaram matérias; até a Rede Globo mostrou a manifestação de Bolsonaro na Avenida Atlântica, Copacabana, Rio de Janeiro. O mundo voltou a si perante a sanha da ditadura. Foram mais de 1.500 publicações, e a justiça brasileira, inelutavelmente, passou a ocupar um lugar de desonra no panteão da liberdade – o que não se apagará dos currículos de seus ministros.

Há relutância e resiliência daqueles que sempre cultivaram o medo e os assassinatos em massa no fundo de seu DNA inconfesso, somados aos tipos mais desvalorizados moralmente, que são os adeptos do denuncismo. Todos experimentam, agora, um sentimento de orfandade da sua perfídia, pois, fingindo virtude, agitavam a bandeirinha da democracia. Estes não se contentam com o desabamento de seu disfarce, da sua hipocrisia.

Entre estes, vemos, e é hilário, uma comissão de parlamentares brasileiros serem chamados ao Congresso americano para tentar ser a contrapartida do depoimento de Musk. Como se pudesse fazer retornar o estado de coisas anterior, sem entender a profundidade do divisor de águas instaurado.

Para meu conforto, vejo que entre os convidados a irem ter com o Congresso americano está a senadora Eliziane Gama (PSD-AM). Ora, deveriam logo chamar o senador Otto Alencar (PSD-BA) e todo o naipe da ‘‘comédia macarrônica’’, sem recursos intelectuais, para uma tarefa restauradora do mal como essa. Se não vislumbrarmos resultados, teremos, em contrapartida, uma saborosa comédia digna de ser assistida com todo o acessório blockbuster – pipoca e coca-cola – e muitas risadas, o que nos fará lembrar do inglês divertido do ex-presidente José Sarney.

Não obstante, alguns cegos, entre esses muitas das pessoas mais inteligentes que conheço, não conseguiram entender até hoje que o Brasil é uma parte mínima na luta pela sobrevivência ocidental que se desata a partir do episódio suscitado por Musk. Certamente, no Congresso americano, principia a redação do epitáfio do estelionato democrático contra a democracia.

Félix Soibelman é advogado no Rio de Janeiro

ACIDENTE DE TRAJETO
Atendente que usava bicicleta e recebia vale-transporte não será indenizada por atropelamento

Foto Ilustrativa
Arquivo/Agência Brasil

O empregador não pode ser responsabilizado civilmente por acidente de trajeto se paga regularmente o vale-transporte e o empregado, por sua conta e risco, decide fazer o percurso casa-trabalho-casa com outro meio de transporte, mais inseguro nas condições de trânsito.

Por isso, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo) afastou a responsabilidade civil de uma sanduicheria de Cubatão (SP) pelo acidente de bicicleta sofrido por uma de suas atendentes, em deslocamento para o local de trabalho.

Tal como o juízo da 4ª Vara do Trabalho de Cubatão, o colegiado entendeu que a reclamante alterou a sua forma de locomoção ao trabalho por vontade própria, já que recebia vale-transporte para utilizar transporte público. Assim, negou o pagamento de indenização por danos materiais, morais e estéticos, confirmando sentença de improcedência proferida na origem.

Atropelamento

No processo, a trabalhadora argumenta, entre outros pontos, que, por ter sido requisitada a iniciar a jornada uma hora antes do habitual, decidiu sair de bicicleta, porém, foi atropelada no caminho.

O ocorrido gerou afastamento do trabalho por seis meses, com recebimento de auxílio-acidentário. Alega ter sofrido um segundo acidente, ao escorregar e cair na cozinha da empresa, com consequências que se somaram às anteriores e demandaram cirurgia, fisioterapia, gerando dificuldades de locomoção. Em depoimento, a atendente confessou receber vale-transporte pago em dinheiro (três vezes ao mês).

Juíza do trabalho Erotilde Minharro
Reprodução LikedIn

Em defesa, o empregador negou que tenha pedido à empregada para iniciar o turno mais cedo no dia do atropelamento e comprovou que, na data do suposto acidente na cozinha, ela estava de folga.

Além disso, afirmou que a escolha do meio de locomoção individual (bicicleta, em vez de transporte público) se deu sem sua participação, além de ter prestado auxílio à reclamante após o ocorrido.

Vulnerabilidade do ciclista

O acórdão, de relatoria da juíza convocada Erotilde Ribeiro dos Santos Minharro, destaca a vulnerabilidade do ciclista em comparação ao passageiro de um transporte público regular, especialmente em cidades sem ciclovias e ciclofaixas, como é o caso de Cubatão.

‘‘É evidente que o acidente, da forma como aconteceu, não teria ocorrido se a reclamante houvesse na ocasião utilizado o transporte público propiciado pelo fornecimento de vale-transporte’’, afirma a magistrada.

Amparada em jurisprudência, a relatora ressalta que o acidente de trajeto equipara-se ao acidente de trabalho para fins previdenciários e de estabilidade provisória, porém, não se confunde com responsabilidade civil do empregador, já que esta exige prova de culpa da empresa, o que não houve no caso. A julgadora também não reconheceu o segundo acidente por falta de comprovação. Redação Painel de Riscos com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

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ATOrd 1000797-22.2022.5.02.0255 (Cubatão-SP)

RESOLUÇÃO DA ANAC
Aérea deve dar 80% de desconto a acompanhante de menor com necessidade de assistência especial

Reprodução

A 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) manteve a sentença que determinou a uma companhia aérea a concessão de desconto de 80% no valor do bilhete a acompanhante de uma criança passageira, portadora de necessidade de assistência especial (PNAE). O direito ao desconto na tarifa é previsto na Resolução 280 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

A empresa também foi condenada a indenizar os passageiros pelos danos morais sofridos, no importe de R$ 6 mil para cada um dos autores da ação indenizatória. 

O nome da companhia aérea e das partes que ajuizaram a ação não foram divulgados, porque o processo tramita sob segredo de justiça. O Painel de Riscos obteve, com exclusividade, o acórdão, que preserva o nome das partes envolvidas.

Ação indenizatória

Os autores narram que, em razão dos cuidados constantes, a criança precisa ser acompanhada por uma profissional de saúde. Informam que solicitaram o desconto prévio, conforme previsto na Resolução 280 da Anac, para a enfermeira, o que foi negado pela ré. Acrescentam que a mãe, que também é acompanhante, arcou com o valor integral da passagem.

Na primeira instância, a 19ª Vara Cível Brasília determinou a emissão das passagens da criança e, com o benefício previsto na Resolução 280, da profissional de saúde que o acompanhara, sob pena de multa única de R$ 20.000.  A empresa ainda foi condenada ao pagamento de compensação por dano moral.

Apelação ao TJDFT

A companhia área recorreu da sentença de procedência, sob o argumento de que o desconto da passagem para acompanhante é destinado aos que acompanham os portadores de necessidades especiais maiores de idade. Alega que, como a criança não pode viajar sozinha, o acompanhante não tem direito ao desconto previsto na Resolução 280. Defende a inexistência de dano moral.

Ao analisar o recurso, a Turma destacou que a norma não estabelece a maioridade como condição para a concessão do desconto na tarifa ao acompanhante. O colegiado lembrou que, para concessão do direito, basta que o passageiro com necessidade de assistência especial (PNAE) não compreenda as instruções de segurança de voo ou não consiga atender às necessidades fisiológicas sem assistência.

Ausência de autonomia

‘‘O simples fato de o menor ser deficiente com impossibilidade de atuar de forma autônoma na hora de ir satisfazer suas necessidades fisiológicas garante objetivamente a ele o direito de que o seu acompanhante, acaso não fornecido pela companhia aérea, tenha desconto de 80% do valor da passagem que ele próprio pagar’’, pontuou.

No caso, segundo o colegiado, não se trata de mera negativa de concessão de desconto na aquisição de passagens aéreas. Para a Turma, os autores devem ser indenizados pelos danos morais sofridos.

‘‘Os apelados se viram angustiados e, por um período relevante de tempo, impedidos de organizar e planejar a viagem para tratamento médico sem qualquer motivo justo por parte da requerida [companhia aérea]’’, escreveu no acórdão o relator da apelação, desembargador Fernando Habibe.

Ele ressaltou que as manifestações para que a decisão liminar fosse cumprida pela companhia aérea ‘‘demonstram muito bem uma parte do sofrimento dos apelados, causado pela empresa apelante, o que caracteriza dano moral’’.

A decisão foi unânime. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TJDFT.

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Apelação 0743902-21.2022.8.07.0001

REPERCUSSÃO GERAL
STF vai decidir se incide IPTU sobre imóvel da União arrendado para concessionária de serviço público

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir se o Imposto Territorial e Predial Urbano (IPTU) incide sobre imóvel da União arrendado para concessionária de serviço público.

A matéria, objeto do Recurso Extraordinário (RE) 1479602, teve repercussão geral reconhecida (Tema 1.297) em deliberação unânime no Plenário Virtual. Ainda não há data prevista para julgamento do mérito do recurso.

No STF, a concessionária Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) questiona decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que declarou legítima a cobrança de IPTU de terreno a ela cedido. Segundo o TJ-MG, o STF fixou a tese de que as empresas públicas e as sociedades de economia mista delegatárias de serviços públicos essenciais, que não distribuem lucros a acionistas privados nem oferecem risco ao equilíbrio concorrencial, são beneficiárias da imunidade tributária recíproca (que impede os entes federados de criar impostos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros), prevista na Constituição Federal (artigo 150, inciso VI, alínea ‘‘a’’).

Contudo, no caso dos autos, o tribunal mineiro entendeu que a imunidade tributária não se estende à concessionária, uma vez que esta ostenta natureza de sociedade anônima de capital aberto, que distribui lucros e dividendos e cujas ações são negociadas na Bolsa de Valores.

No recurso extraordinário (RE), a concessionária alega que a distribuição de lucros a acionistas e a negociação de ativos em bolsa não alteram a natureza pública do bem e da atividade exercida.

Manifestação

Ao se manifestar pela repercussão geral da matéria, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, destacou que há na Corte quatro teses de repercussão geral sobre a aplicação da imunidade tributária para pessoas jurídicas de direito privado. Contudo, nenhuma delas trata especificamente da manutenção da imunidade sobre bens públicos afetados a serviço público outorgado a particular.

Sobre o tema, frisou o ministro, há tanto decisões que afirmam a existência de imunidade tributária recíproca como aquelas que concluem pela incidência tributária. A seu ver, a existência de interpretações diversas sobre a extensão da imunidade tributária recíproca nesses casos evidencia a relevância jurídica da matéria.

A solução a ser adotada pelo Tribunal será aplicada a todos os casos semelhantes nas demais instâncias da Justiça. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

RE 1479602

PREOCUPAÇÃO FINANCEIRA
Operador de loja que vendeu refrigerante vencido tem justa causa anulada e ainda será indenizado em danos morais

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Um operador de loja não pode ser demitido por justa causa apenas por vender a colega de trabalho produtos alimentícios vencidos, pois tais itens, por questões de ética empresarial e de saúde pública, deveriam ser descartados para consumo.

Foi o que entendeu o juiz Eduardo Rockenbach Pires, titular da 38ª Vara do Trabalho de São Paulo, ao derrubar a dispensa por justa causa aplicada a um ex-empregado da Lojas Americanas (em recuperação judicial) e ainda condená-la ao pagamento de danos morais.

O trabalhador reclamante, sem autorização da chefia, rebaixou o preço de oito latas de refrigerante fora do prazo de validade, vendendo-as a um colega. Ambos consumiram os produtos.

Para o juiz sentenciante, ‘‘em qualquer rasa noção de ética, de consciência ambiental, humana ou social’’, a conduta esperada de um grande varejista como a Americanas seria a de corrigir seu próprio procedimento, de modo a evitar que seus empregados consumam produtos vencidos.

‘‘É óbvio que esse consumo irregular, mais cedo ou mais tarde, pode ocasionar acidentes ou doenças. Mas não. A ré não elaborou uma frase nesse sentido; ela se preocupou com a ‘perda financeira’ decorrente da venda de produtos pelo valor abaixo da margem de lucro. Como se a intenção da empresa fosse vender tais produtos normalmente no mercado!’’, espantou-se o julgador.

Juiz do trabalho Eduardo Rockembach Pires
Reprodução: Youtube

Dano moral presumido

O juiz também julgou procedente o pedido de dano moral feito pelo ex-empregado na peça inicial, já que a ‘‘acusação de justa causa’’ feriu direitos de personalidade listados no inciso X do artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem.

Conforme o julgador, a lesão moral se prova assim que for provada a ação que agrediu injustamente algum interesse extrapatrimonial da vítima. ‘‘No caso em exame, o dano ocorre in re ipsa [por presunção], uma vez que a acusação violou a honra objetiva e subjetiva do trabalhador’’, concluiu na sentença, quantificando a reparação em R$ 9 mil.

Em decorrência da sentença favorável ao reclamante, o ato demissional foi convertido em dispensa sem justa causa. Assim, o juízo determinou pagamento de todos os direitos trabalhistas – saldo de salário do mês da rescisão, aviso prévio indenizado, 13º salário proporcional, férias integrais do período aquisitivo e férias proporcionais, Fundo de Garantia do Tempo de Serviços (FGTS) e a multa prevista no parágrafo 8 do artigo 477 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Da sentença, cabe recurso ordinário trabalhista (ROT) ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo).

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ATSum 1001855-95.2023.5.02.0038 (São Paulo)

 

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