ESPECIAL STJ
Teoria menor da desconsideração da pessoa jurídica e o CDC na jurisprudência

Arte: IDEC

A fim de garantir a satisfação de um crédito e evitar situações de abuso nas relações de consumo, a legislação brasileira estabeleceu a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica.

A medida consiste em estender os efeitos das obrigações da empresa a seus sócios, permitindo que a execução de uma dívida seja redirecionada da pessoa jurídica devedora à pessoa física do sócio ou acionista. Quanto aos pressupostos de sua incidência, a teoria da desconsideração se subdivide em duas: teoria maior e teoria menor.

Como regra geral, o ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no artigo 50 do Código Civil (CC). O dispositivo preceitua que a desconsideração somente pode ser autorizada mediante clara comprovação de que houve abuso da personalidade, seja por desvio de finalidade da pessoa jurídica (PJ), seja por confusão patrimonial entre os seus bens e os dos sócios.

Risco empresarial não é de quem contrata com a pessoa jurídica

De outro lado, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), no parágrafo 5º de seu artigo 28, dispõe norma que ficou conhecida como teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica. O CDC admite a aplicação da medida a partir da simples demonstração do estado de insolvência da empresa ou do fato de que a personalidade jurídica representa obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados, sem que seja necessário comprovar fraude ou abuso de direito.

Para essa teoria, quem tem de suportar o risco da atividade empresarial é o empresário, e não o consumidor. A possibilidade de aplicação da teoria menor gerou controvérsias: há quem aplauda a regra e há aqueles que a contestam.

No Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o REsp 279.273, a ministra Nancy Andrighi reconheceu a dissidência doutrinária suscitada pela inovação do parágrafo 5º do artigo 28 do CDC. Contudo, ela defendeu que o disposto no parágrafo 5º não tem relação de dependência com o caput do artigo, argumentando favoravelmente à sua aplicação, e destacou a importância da interpretação sistemática do dispositivo quando de seu emprego em casos concretos.

‘‘A lei, aplicada com prudência, encontrará seus próprios limites por meio da atividade interpretativa dos tribunais, não sendo aconselhável que se ceife a iniciativa legislativa de plano, iniciativa essa que conferiu novos contornos ao instituto da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica’’, declarou Nancy Andrighi.

Aplicação da teoria menor protege interesses vulneráveis

Situações que envolvem a aplicação da teoria menor são comuns nos julgamentos do STJ, sobretudo em casos nos quais são tutelados interesses considerados especialmente vulneráveis. O entendimento pela teoria menor costuma ser adotado com o objetivo de proteger direitos de indivíduos e grupos sociais envolvidos em relações jurídicas assimétricas – caso da relação de consumo.

No já mencionado REsp 279.273, fixou-se a compreensão de que a teoria menor da desconsideração, acolhida excepcionalmente no direito do consumidor e no direito ambiental, deve incidir com a mera prova de que a pessoa jurídica não pode pagar suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial.

‘‘Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica’’, destacou a ministra Nancy Andrighi

Entendimento semelhante foi adotado no julgamento do AREsp 823.555, da Quarta Turma. Para o relator, ministro Antonio Carlos Ferreira, nas relações de consumo, é possível haver a desconsideração da personalidade jurídica quando esta representar simples obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores, nos termos do artigo 28 do CDC.

AREsp 1.560.415, também da Quarta Turma, relatado pelo ministro Marco Buzzi, reforçou o entendimento jurisprudencial da corte no sentido de que a aplicação da teoria menor da desconsideração é justificada pelo mero fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo à reparação dos danos causados ao consumidor.

Responsabilização pessoal vincula-se à prática de atos de gestão

Alguns julgados da corte discutem os limites da responsabilização, como o REsp 1.900.843, da Terceira Turma. De acordo com o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, cujo entendimento prevaleceu no acórdão, apesar de não se exigir prova de abuso ou fraude para fins de aplicação da teoria menor, o parágrafo 5º do artigo 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem, embora seja sócio, não desempenhe atos de gestão, ressalvada a prova de que tenha contribuído, ao menos culposamente, para a prática de atos de administração.

Se, por um lado, os sócios que não tenham praticado atos de gestão não podem ser responsabilizados pela teoria menor, por outro, gestores que não integrem o quadro societário da empresa também não. A tese foi fixada pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.862.557, também em acórdão de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Com base em lições doutrinárias, o relator concluiu que somente seria possível responsabilizar o administrador não sócio por incidência da teoria maior, especificamente, quando houvesse comprovado abuso da personalidade jurídica.

‘‘O parágrafo 5º do artigo 28 do CDC não dá margem para admitir a responsabilização pessoal de quem não integra o quadro societário da empresa, ainda que nela atue como gestor’’, afirmou Cueva.

De forma parecida, a Quarta Turma, no julgamento do REsp 1.860.333, de relatoria do ministro Marco Buzzi, entendeu que, ao contrário do que acontece com a teoria maior, a menor não admite a extensão de responsabilidade pessoal a administradores que não integrem o quadro societário de uma empresa, por ausência de previsão legal expressa.

Tipo societário é irrelevante para aplicação da teoria menor

Ao julgar o AREsp 1.811.324, a Quarta Turma decidiu que o tipo societário da empresa não é fator determinante para a aplicabilidade da teoria menor. O precedente estabelecido pelo colegiado foi citado pelo ministro Cueva quando do julgamento do REsp 2.034.442, ao admitir a desconsideração da personalidade jurídica de sociedades anônimas, desde que seus efeitos se limitem às pessoas que detenham efetivo controle sobre a gestão da companhia.

‘‘Embora admitida a aplicação da teoria menor para fins de desconsideração da personalidade jurídica de sociedades anônimas, seus efeitos estarão sempre restritos aos acionistas que detêm efetivo poder de controle sobre a gestão da companhia, dispensadas, sob a disciplina dessa específica teoria, a comprovação de abuso da personalidade jurídica ou a prática de ato ilícito, infração à lei ou ao estatuto social’’, disse o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

A desconsideração da personalidade de sociedade cooperativa foi o tema do julgamento do REsp 1.766.093, em que se discutiu o cabimento da medida contra membros do conselho fiscal da entidade. Relator do voto prevalente no julgamento, o ministro Cueva entendeu que não era possível responsabilizar as duas recorrentes sem que houvesse a mínima presença de indícios de que tivessem contribuído, ao menos culposamente, e com desvio de função, para a prática de atos de administração.

A recorrência do tema nos julgados do tribunal levou à publicação da edição 162 de Jurisprudência em Teses, com o título Direito do Consumidor – VI. A ferramenta seleciona e apresenta a interpretação do STJ sobre assuntos específicos, citando os precedentes mais recentes da corte.  Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 279273

REsp 1900843

REsp 1862557

REsp 1860333

AREsp 1811324

REsp 2034442

REsp 1766093

RECLAMAÇÃO
STF invalida decisão que admitiu número ilimitado de sindicalistas com estabilidade

Ministro Dias Toffoli foi o relator
Foto: Rosinei Coutinho/STF

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), anulou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (TRT-22), sediado em Teresina (PI), que permitiu a um sindicato de trabalhadores ter um número de membros para desempenho de atividades sindicais acima do limite legal.

A decisão foi tomada na Reclamação (RCL) 65626.

No caso, o Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros de Teresina (Setut) solicitou ao Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transporte Rodoviário do Estado do Piauí (Sintreto) a indicação de quais membros de uma diretoria composta por 50 integrantes seriam detentores de proteção contra demissão imotivada. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) limita esse número a sete dirigentes sindicais e igual número de suplentes. O Sintreto indicou que todos os 50 teriam direito à estabilidade.

Ao julgar ação do Setut, a primeira instância obrigou o sindicato dos trabalhadores a indicar expressamente os titulares e suplentes que gozam de estabilidade sindical. No entanto, o TRT-22 derrubou essa decisão, alegando vedação de interferência judicial na organização sindical.

Entendimento do STF

O ministro Dias Toffoli destacou que a decisão do TRT-22 violou o decidido pelo STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 276. Na ocasião, o Plenário assentou a recepção do artigo 522 da CLT que dispõe sobre o número máximo de dirigentes sindicais detentores da garantia de estabilidade de emprego estabelecida na Constituição Federal (inciso VIII do artigo 8º).

O relator lembrou, ainda, que o STF considerou que a limitação numérica da estabilidade dos dirigentes sindicais não afeta o conteúdo da liberdade sindical por não gerar restrição à atuação e à administração da entidade sindical.

Estabilidade ilimitada

Para o ministro Dias Toffoli, a medida, além de evitar a criação de situações de estabilidade genérica e ilimitada que conduziriam ao esvaziamento do direito do empregador de promover a extinção do contrato sem justa causa, ‘‘prestigia os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica’’.

Com isso, o ministro determinou que o TRT-22 profira nova decisão, respeitando o entendimento firmado na ADPF 276. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Leia aqui a íntegra da decisão

RCL 65626