IMPORTAÇÃO DA CHINA
Documento inapto para o desembaraço não fundamenta, por si só, pena de perdimento

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A simples retificação do nome do importador na fatura comercial, a partir de documento desnecessário ao desembaraço, não pode ser caracterizada automaticamente como fraude pela autoridade alfandegária, dando ensejo à infração aduaneira de falsidade documental.

Nesse entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve sentença que anulou auto de infração lavrado pela Fazenda Nacional (União) contra a Carbonsteel Comercial Importadora Ltda., sediada em São Paulo, que havia importado uma quantidade expressiva de peças de aço carbono da China. Como reflexo da decisão judicial, a empresa se livrou do perdimento da carga, pena aplicada em função de presunção de falsidade documental.

Para o relator da apelação, desembargador Rômulo Pizzolatti, se o fundamento para a aplicação da pena de perdimento sugerida no auto de infração é inservível, por si só, agiu acertadamente a juíza da 2ª Vara Federal de Joinville (SC), Geórgia Zimmermann Sperb, que decretou a nulidade do procedimento administrativo.

Nas duas instâncias da Justiça Federal da 4ª Região, ficou claro que a nova fatura apresentada – embora com nome errado do importador – não tinha potencial para provocar dano ao erário, bastando que fosse desconsiderada quando da sua apresentação.

Desembargador Rômulo Pizzolatti foi o relator
Foto: Sylvio Sirangelo/ACS/TRF-4

Uma importação e duas importadoras que são uma só

Com base nos documentos anexado à peça inicial e a partir das alegações da parte autora, o desembargador Pizzolatti já havia vislumbrado a dinâmica dos fatos e dado solução à lide ao julgar agravo de instrumento na Turma. Acompanhe a síntese do raciocínio do experiente julgador, a seguir.

Primeiro, uma pessoa física iniciou negociação de mercadoria no exterior quando integrava a empresa 1 (Carbonsteel Importação e Exportação Eireli). Assim, tendo a pessoa física encerrado sua relação com a empresa 1, constituiu uma nova empresa (empresa 2, denominada Carbonsteel Comercial Importadora Ltda.), por meio da qual seguiu com os atos de importação.

Daí, decorreu inconsistência nos documentos da operação, pois a fatura comercial foi emitida no nome da empresa 1, ao passo que a Declaração de Importação (DI) foi registrada pela empresa 2. A autoridade alfandegária identificou a inconsistência e solicitou esclarecimentos ao importador, o qual provocou o exportador a alterar a fatura comercial, para que constasse o nome da empresa 2.

Ao avaliar este novo documento – emitido pré-datado, já que mantida a data da fatura inicial, em que a empresa 2 sequer existia formalmente –, a autoridade aduaneira concluiu haver falsidade documental. Por conta disso, lavrou auto de infração para propor a pena de perdimento da mercadoria importada.

Nova fatura não era ‘‘documento necessário’’ ao desembaraço

Para Rômulo Pizzolatti, a pena de perdimento, nessas situações, é prevista para a falsidade ou adulteração de documento necessário ao seu embarque ou desembaraço, conforme o inciso VI do artigo 689 do Decreto 6.759/09, que regulamenta a administração das atividades aduaneiras e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior.

Assim, não seria adequado tomar um documento complementar – apresentado espontaneamente pelo importador em resposta a exigência em que se demandavam esclarecimentos – como documento necessário. Ainda mais que a fatura original já constava do despacho de importação.

‘‘É dizer, quando muito, poderia a autoridade aduaneira ter desconsiderado a ‘nova fatura’ pretensamente ‘retificadora’, mesmo por falsificada, mas […] não reputar este documento, grosseiramente desconexo diante da declaração de importação e flagrantemente inapto a sintetizar a operação comercial, como um ‘documento necessário ao embarque ou desembaraço’ e a partir disso promover a pena de perdimento das mercadorias. A rigor, esta ‘nova fatura’, imprestável, trata-se mesmo de um documento desnecessário ao despacho de importação’’, escreveu no acórdão.

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5022227-06.2022.4.04.7201 (Joinville-SC) 

 

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PARCELAS ÍNFIMAS
Supremo confirma inclusão de contribuintes considerados inadimplentes no Refis

Ministro Cristiano Zanin, do STF
Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a reinclusão no Programa de Recuperação Fiscal (Refis) de contribuintes considerados inadimplentes. Eles haviam sido excluídos do Programa por recolherem valores considerados insuficientes para amortizar a dívida – situação que ficou conhecida como ‘‘parcelas ínfimas ou impagáveis’’.

Ao referendar liminar concedida em abril de 2023, o Supremo considerou que não cabe a exclusão de contribuinte que aderiu ao parcelamento e que esteja fazendo os pagamentos nos percentuais estipulados no Programa com fundamento na tese das ‘‘parcelas ínfimas’’.

Parecer

Na ação, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) questiona um parecer de 2013 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) que considerava inválidos os pagamentos quando os valores recolhidos de acordo com o critério legal (porcentagem da receita bruta) fossem insuficientes para amortizar as dívidas. Para a OAB, a Lei 9.964/2000, que instituiu o Refis, não prevê essa regra.

Em abril de 2023, o ministro Ricardo Lewandowski (aposentado) concedeu a liminar na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 77 e determinou a reinclusão desses contribuintes. A ADC foi convertida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7370) e, na sessão virtual encerrada em 21 de junho, o Tribunal acompanhou o voto do ministro Cristiano Zanin, novo relator do caso, para referendar a liminar.

Previsão legal

Para Zanin, a exclusão de pessoas jurídicas do Refis com fundamento na tese das ‘‘parcelas ínfimas’’ viola os princípios da legalidade tributária, da segurança jurídica e da confiança legítima. Ele explicou que a lei autorizou o pagamento do débito consolidado da pessoa jurídica em parcelas mensais e sucessivas, calculadas com base em percentual da receita bruta do mês imediatamente anterior. Mas não fixou prazos nem previu o que seria considerado como parcela ínfima ou impagável para fins da exclusão do parcelamento.

Na avaliação de Zanin, a PGFN usurpou a competência do Poder Legislativo para criar hipóteses de exclusão do parcelamento por meio de interpretação ampliativa da norma tributária.

‘‘Não há de se permitir que, depois de 13 anos, a administração tributária, discricionariamente, já que sem autorização em lei em sentido estrito, dê cabo de parcelamento regularmente firmado’’, disse no voto.

Votaram no mesmo sentido a ministra Cármen Lúcia e os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Edson Fachin, Gilmar Mendes, André Mendonça e Nunes Marques.

Ficaram vencidos os ministros Flávio Dino, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, que rejeitaram a ação por entenderem que trata de matéria infraconstitucional. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

ADI 7370

ABALO MORAL
Telefônica de Belo Horizonte vai indenizar ex-empregado alvo de memes no trabalho

Reprodução Pinterest

Tolerar brincadeiras que magoam colega no ambiente de trabalho é atitude antijurídica e ilícita passível de indenização por dano moral, principalmente se retrata a sua aparência de forma jocosa. Trata-se de conduta patronal que viola direitos de personalidade assegurados no inciso X do artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem.

Nesse norte, a Décima Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais) manteve, no aspecto, sentença que condenou a Telefônica Brasil S.A. a pagar R$ 2 mil a um ex-funcionário alvo de memes por parte de colegas. Por meio de fotomontagens, eles satirizavam a aparência dele, tratando-o pelos apelidos de ‘‘colombiano’’ ou ‘‘peruano’’.

Meme é uma mensagem quase sempre de tom jocoso ou irônico que pode ou não ser acompanhada por uma imagem ou vídeo e que é intensamente compartilhada por usuários nas mídias sociais.

Apelidos desagradáveis

O trabalhador, que exercia a função de atendente de telemarketing, alegou que faz jus ao recebimento de reparação por dano moral em razão de diversas situações de assédio que viveu. Uma delas se refere aos apelidos, que não eram do seu agrado.

Testemunha confirmou a versão do trabalhador. Contou que, vez ou outra, aparecia um meme com a foto do trabalhador escrito colombiano, ou com uma montagem dele com uma flauta. Afirmou que o reclamante era chamado pelo apelido na frente de todos, inclusive dos clientes.

A empresa reclamada argumentou que o autor da ação reclamatória não tinha sentimento negativo em relação aos apelidos colocados pelos colegas. Sustentou, ainda, que a prova oral demonstrou que o trabalhador tinha bom relacionamento com a gerência.

Chacotas atingem a honra do trabalhador

Para o relator do recurso ordinário, desembargador Antônio Gomes de Vasconcelos, é incontroverso que o autor foi alvo de apelidos, chacota e piadas, envolvendo a aparência dele. ‘‘Isso atingiu a honra, abalando-o moralmente’’, ponderou.

Segundo o julgador, o dano moral nesse caso é presumível. ‘‘Sobretudo considerando que a empregadora não tomou nenhuma providência para coibir o comportamento impertinente dos empregados ofensores’’, ressaltou.

No entendimento do desembargador, o fato de possuir bom relacionamento com os gerentes não afasta a obrigação da empresa de garantir um ambiente de trabalho saudável aos empregados e, particularmente, ao ofendido, como retratado nos autos.

Ele concluiu que a sentença da 41ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte não comporta modificação, negando provimento ao recurso da empresa nesse aspecto. A decisão foi acompanhada pelos demais julgadores do colegiado de segundo grau.

Atualmente, o processo aguarda decisão de admissibilidade do recurso de revista, para possível reapreciação no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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ATOrd 0010973-84.2022.5.03.0179 (Belo Horizonte)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Auditores fiscais do trabalho têm competência para interditar empresas e embargar obras

A ministra Maria Helena Mallmann, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), homologou uma manifestação em que a União reconhece a competência dos auditores fiscais do trabalho para interditar estabelecimentos e embargar obras que violam normas de saúde e segurança do trabalho, sem necessidade de autorização do superintendente regional do trabalho. A homologação tem abrangência nacional e resultou de uma ação civil pública do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Desvirtuamento de competência

Na ação, o MPT sustentava que havia incerteza jurídica sobre o tema, em razão da incompatibilidade entre o artigo 161 da CLT – que atribui essa competência aos superintendentes regionais do trabalho – e a Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Constituição Federal e os princípios que regem o Direito do Trabalho. Diante dessa incerteza, alguns superintendentes regionais estariam centralizando a competência, impedindo os auditores fiscais de interditar máquinas e embargar obras quando constatassem situação de grave risco para a saúde ou a segurança do trabalhador.

Para o MPT, o superintendente não seria a pessoa mais indicada para essa competência, ‘‘até por não dispor de conhecimento técnico especializado sobre algumas matérias e por não ser pessoa concursada nos quadros da administração’’.

O pedido foi julgado procedente pelo Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, que entendeu que, segundo a Convenção 81 da OIT, ratificada pelo Brasil, os agentes responsáveis pela fiscalização, em campo, das condições do meio ambiente de trabalho (no caso, os auditores fiscais) têm competência para eliminar as inseguranças que constatarem. O TRT também determinou que a União adaptasse, em seis meses, as normas que disciplinam a inspeção do trabalho, de modo a dar eficácia à sua decisão, e a se abster de praticar atos de ingerência, por meio dos superintendentes regionais ou outros cargos de chefia, nos atos administrativos de interdição e embargos realizados por auditores fiscais do trabalho.

Acordo

O recurso foi incluído na pauta de julgamento da Segunda Turma do TST de 13/3/2024. Um dia antes da sessão, porém, a União apresentou uma petição em que reconhecia a competência dos auditores fiscais do trabalho e pedia a extinção do processo.

Em 2023, a União e o MPT firmaram um acordo (Acordo de Cooperação Técnica 1/2023) essencial para esse resultado. O reconhecimento dos pedidos do MPT pela União resultou em uma homologação judicial que permite aos auditores fiscais do trabalho agir autonomamente para proteger a segurança e a saúde dos trabalhadores. Com isso, fica proibida a interferência dos superintendentes regionais do trabalho ou de outros cargos de chefia no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) nessas decisões, garantindo, na prática, maior autonomia aos auditores fiscais e mais agilidade nas suas ações.

Ao examinar o pedido, a ministra Maria Helena Mallmann concluiu que a submissão da União ao pedido do MPT privilegia o interesse público e, portanto, é viável sua homologação. Com informações do técnico judiciário Bruno Vilar, compiladas pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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RR-10450-12.2013.5.14.0008

LABOR SIMULTÂNEO
Familiar que se beneficia do trabalho doméstico responde por dívida trabalhista, decide TRT-SP

Foto: Blog Concursos Online

A 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo) manteve sentença da 34ª Vara do Trabalho de São Paulo que condenou mãe e filho pelas verbas devidas a empregado doméstico.

Para o colegiado, ficou demonstrada a prestação de serviços contínua à unidade familiar, o que leva ao reconhecimento da responsabilidade solidária das pessoas beneficiadas pelo trabalho.

O reclamante foi contratado para laborar na residência da 1ª reclamada durante a semana, porém passou atuar na casa do 2º reclamado aos finais de semana. Em defesa, a mulher alegou, entre outros pontos, que, aos sábados e domingos, o doméstico exercia a função de diarista para terceiros, incluindo o filho dela. Já o reclamado disse que o serviço era prestado a cada 15 ou 20 dias, não existindo vínculo empregatício.

Da análise da prova testemunhal, entretanto, concluiu-se que o doméstico trabalhava simultaneamente para os dois indivíduos, integrantes do mesmo núcleo familiar, prestando serviços em ambas as residências, ora na mesma jornada de trabalho, ora nas folgas.

O julgado seguiu o entendimento da Lei Complementar 150/2015, que conceituou o empregado doméstico como ‘‘aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana’’. Desse modo, o trabalhador pode exigir o pagamento devido de ambos os réus.

A Turma, porém, reformou a sentença para fixar a jornada de segunda à sexta das 8h às 18h, com uma hora de intervalo, inclusive aos sábados e domingos laborados a partir de setembro de 2021, esses últimos conforme os cartões de ponto que registram o nome do filho da mulher. Redação Painel de Riscos com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

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ATOrd 1000724-97.2023.5.02.0034 (São Paulo)