BOA-FÉ DE TERCEIROS
Entendimento do STJ sobre fraude gera insegurança jurídica na compra de imóveis

Por Gustavo Vaz Faviero

Foto: Agência Brasil

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reafirmado o entendimento segundo o qual, conforme o artigo 185 do Código Tributário Nacional (CTN), são consideradas fraudes absolutas as alienações de bens do devedor posteriores à inscrição do crédito tributário na dívida ativa (CDA), a menos que ele tenha reservado quantia suficiente para o pagamento total do débito.

O problema é que a Corte está reproduzindo este entendimento nos casos de alienações sucessivas de imóveis, independentemente da boa-fé do comprador – que desconhece o passivo fiscal anterior.

Tomemos como exemplo o seguinte: “A” vende em 2008 um imóvel para “B”. Posteriormente, “B” aliena esse mesmo imóvel para “C” em 2018, que, em 2023, faz a venda final para “D”.  Antes de adquirir o imóvel, “D” analisa toda sua documentação, verifica que “C” possui todas as certidões negativas e que a matrícula do imóvel não aponta nenhuma indisponibilidade, penhora ou restrição.

Contudo, no entendimento atual do STJ, “D” pode vir a perder o imóvel pela existência de uma “fraude” decorrente de um crédito tributário inscrito em dívida ativa de “A” ou “B”, mesmo que não haja nenhuma averbação na matrícula do bem.

A situação é completamente desproporcional (ou mesmo lógica) nestes casos. Não se pode querer impor ao comprador, nesse tipo de cadeia de alienações sucessivas de imóveis, a obrigação de investigar as certidões negativas de todos os proprietários anteriores.

Ainda, por se tratar de uma presunção absoluta de fraude, uma vez concretizado o negócio, a única prova que o comprador de boa-fé pode vir a fazer é que o devedor possuía bens aptos a satisfazer o crédito – algo extremamente difícil de se obter.

A postura inflexível do STJ acaba por desvirtuar o instituto da fraude à dívida tributária, criado para coibir atos abusivos e fraudulentos que o devedor tome no intuito de fugir à sua responsabilidade patrimonial.

Ora, se até o Direito Criminal prevê que o tempo é capaz de extinguir a punibilidade de determinado crime, qual a justificativa de que o tempo não flexibilize a interpretação do artigo 185 do CTN a fim de mitigar o reconhecimento de um ilícito em favor de um terceiro de boa-fé?

Segurança e execução

Há um embate entre a segurança jurídica, elemento central do estado democrático de direito, e a crise do sistema de execução do Direito brasileiro.

De um lado há um gargalo enorme, com número milionário de execuções fiscais abarrotando os tribunais, causando um congestionamento processual, gerando um elevado número de execuções frustradas.

Como remédio dado para tentar sanar essa crise foram criadas medidas executivas atípicas como forma de tentar satisfazer créditos, bem como vem sendo flexibilizado o reconhecimento de fraudes, impactando terceiros.

Ocorre que nestes casos o tratamento mais agressivo da execução vai no sentido contrário da segurança jurídica. Essa interpretação isolada do artigo 185 do CTN afasta todo o sistema de garantias reais que o Direito Privado possui.

Não bastasse isso, o entendimento do STJ fere a Lei de Registros Públicos, que disciplina mecanismos de publicidade que possuem o objetivo de promover a estabilidade e a segurança dos negócios jurídicos, onde a matrícula do imóvel é o documento centralizador de eventuais restrições e onerações.

O entendimento jurisprudencial do STJ, na verdade, fomenta a criação de microssistemas, onde não se tem mais fraude à execução de um modo geral, mas fraude à execução tributária, fraude à execução trabalhista, fraude à execução civil, e assim por diante.

O que deveria haver, na verdade, é um entendimento único sobre o que configura uma fraude à execução. Inclusive, para o caso concreto não haveria nem a necessidade de alteração legislativa, mas uma alteração da jurisprudência.

Idealmente, o artigo 185 deveria ser interpretado em conjunto com o artigo 54, inciso III, da Lei 13.097/2015 e a Lei de Registros Públicos, de modo que apenas nos casos em que a CDA estivesse averbada na matrícula do imóvel é que se geraria para terceiros a presunção absoluta de fraude. A legislação está posta. Basta aos tribunais aplicá-la.

Gustavo Vaz Faviero é coordenador da área tributária no escritório Diamantino Advogados Associados

PRESUNÇÃO DE DANO
Empresa do agro pagará dano moral coletivo por descumprir normas de saúde, segurança e higiene

A exposição ao risco à saúde e segurança dos trabalhadores, provocado pela maneira como é organizada a atividade produtiva, configura dano moral in re ipsa, assim justificando a estipulação de indenização com finalidade reparatória e pedagógica, a fim de minimizar a probabilidade de que as exposições ocupacionais ultrapassem os limites legais.

Com este entendimento, a 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-5, Campinas-SP) manteve sentença, proferida pela Vara do Trabalho de Presidente Venceslau (SP), que condenou a empresa Potensal Nutrição e Saúde Animal a pagar indenização de R$ 30 mil a títulos de danos morais coletivos. O valor será repassado para entidades filantrópicas.

Além disso, a empresa foi condenada a cumprir todas as medidas de controle de riscos do trabalho, sob pena de multa de R$ 5 mil por item descumprido.

Segundo a relatora do julgamento do recurso ordinário no TRT-15, desembargadora Tereza Aparecida Asta Gemignani, ‘‘além da natureza reparatória, a indenização por dano moral coletivo também tem finalidade pedagógica, pois visa estimular a requerida [a empresa condenada] a organizar sua atividade produtiva de modo a evitar a exposição de seus trabalhadores às situações de risco à saúde e segurança no meio ambiente de trabalho’’.

Desa. Tereza Asta Gemigniani foi a relatora
Foto: Comunicação Social TRT-15

Autuação do Ministério Público do Trabalho

A empresa já havia sido autuada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em duas oportunidades por não adotar medidas necessárias para o controle de riscos ambientais. Na primeira autuação, no ano de 2019, entre outros problemas averiguados, constatou-se a existência de poeiras geradas pelo processo produtivo e já assentadas no piso, nos silos e no estoque de matéria-prima, além da ausência de sistema de exaustão em duas importantes etapas da produção.

Naquela oportunidade, foi feita uma tentativa de acordo extrajudicial, por meio de Termo de Ajuste de Conduta (TAC). Em 2021, constatando que as irregularidades não foram sanadas, o MPT exigiu que a empresa cumprisse algumas obrigações, como instalar um sistema de exaustão nas fontes geradoras de poeira e adotar sistema de proteção coletiva para minimizar riscos químicos aos trabalhadores no ambiente de trabalho.

Para o MPT, porém, ficou claro que a empresa deixou de adotar medidas necessárias e suficientes para a eliminação, a minimização ou o controle dos riscos químicos, conforme imagens anexadas à ação civil pública ajuizada pelo MPT.

Em sua defesa, a empresa alegou que nunca foi omissa quanto à observação das normas de segurança do trabalho, que sempre forneceu equipamentos de proteção individual (EPIs) adequados a seus trabalhadores e que não houve empregado afastado por problemas respiratórios. Afirmou, ainda, que as supostas irregularidades foram apontadas em fiscalizações antigas, sendo que já houve transformação de sua planta industrial, com consequente melhoria das condições de trabalho.

Em resposta, o MPT destacou que a própria empresa reconhece que a mudança na planta industrial se deu após a condenação no primeiro grau. Também alegou que, desde observações iniciadas no ano de 2017, a empresa não vinha adotando as medidas necessárias para a devida proteção coletiva da saúde de seus empregados. Quanto à alegação de que nenhum empregado foi afastado por problemas respiratórios, o MPT não considera isso suficiente para invalidar o descumprimento das normas de segurança no momento do ajuizamento da ação, ainda mais considerando que foi concedida tutela inibitória, que independe da demonstração de ocorrência efetiva de dano.

Em relação à multa por item de segurança descumprido, a desembargadora Tereza Gemignani manteve o entendimento, já expresso na sentença, de que, ‘‘se a empresa cumpre as normas como está fazendo crer, não há por que temer, pois certamente não haverá multas a serem aplicadas’’. Redação Painel de Riscos com informações da Comunicação Social do TRT-15.

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ACPCiv 0010106-36.2022.5.15.0057 (Presidente Venceslau-SP)

PRIMAZIA DA REALIDADE
Advogado que prestou serviços sem controle de jornada comprova vínculo de emprego em Goiás

‘‘Tendo em vista a prevalência, na órbita juslaboral, do princípio da primazia da realidade, o contrato de prestação de serviço jurídico não elide a existência de vínculo empregatício se, no caso concreto, estiverem presentes todos os elementos do artigo 3º da CLT (pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação).’’

A ementa estampada no acórdão da Terceira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (TRT-18, Goiás) reflete, à perfeição, o desfecho de uma ação reclamatória ajuizada por advogado contra um grupo de empresas de ensino, incluindo a Faculdade Alfredo Nasser, de Aparecida de Goiânia (GO).

Coordenador de departamento jurídico

O advogado reclamante atuava como coordenador de departamento jurídico dessas empresas, como já havia reconhecido, no primeiro grau, a 3ª Vara do Trabalho de Aparecida de Goiânia.

O relator do recurso ordinário no TRT-18, desembargador Marcelo Pedra, verificou, por meio das provas produzidas, todos os elementos do artigo 3º da CLT que configuram a existência do vínculo empregatício entre o advogado e as empresas reclamadas.

Reclamadas negaram chefia e subordinação

No recurso, as rés alegaram que o reclamante somente estava à sua disposição caso necessário, porém, como advogado autônomo, e não havia controle de jornada diária no contrato de prestação de serviços. Sustentaram, ainda, que não havia subordinação entre os tomadores de serviços e o advogado e que este jamais atuou como chefe ou foi subordinado a qualquer comando dentro dos limites do contrato.

Para o relator, entretanto, apesar de as empresas recorrentes afirmarem a ausência dos requisitos da não eventualidade e da subordinação, argumentando que o profissional atuava como advogado autônomo, a prova oral revelou o contrário.

Prova oral foi decisiva no processo

Do contexto apresentado pelas testemunhas, Marcelo Pedra afirmou que é possível deduzir que o trabalhador atuava como advogado e desempenhava a função de coordenador do departamento jurídico da empresa. Segundo o julgador, testemunhas afirmaram que ele tinha carga horária mínima e estaria no departamento jurídico à noite, caso houvesse alguma demanda, entre outras alegações dadas por testemunhas da empresa e do trabalhador.

O desembargador ressaltou ainda que, diante do apurado, a inexistência de controle da jornada não afasta a subordinação. O relator constatou a presença de todos os elementos integrantes do ‘‘contrato de emprego’’ e manteve a sentença que reconheceu o vínculo empregatício. Redação Painel de Riscos com informações da Coordenadoria de Comunicação Social do TRT-18.

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ATOrd 0010476-16.2023.5.18.0083 (Aparecida de Goiânia-GO)