DIGNIDADE VIOLADA
Apelido ofensivo e suspensão injusta: decisões do TRT-SC condenam discriminação racial no trabalho

Reprodução Canva/JT News

O Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, comemorado na quarta-feira (3/7), foi lembrado pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina), ao escolher dois acórdãos que reforçam a responsabilidade dos empregadores na prevenção e no combate à discriminação racial no ambiente laboral.

A data celebra a aprovação da Lei 1.390, de 1951 (conhecida como Lei Afonso Arinos), primeira legislação brasileira a tratar do tema. Serve também como um alerta à sociedade sobre a necessidade de erradicar quaisquer atitudes que distingam ou excluam pessoas com base em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica.

Vítima suspensa

Em maio de 2024, a 3ª Turma do TRT-SC condenou a Fundação Educacional da Região de Joinville (Univile) a indenizar um trabalhador que, além de ofendido por racismo, foi suspenso após comunicar a conduta dos colegas para a superior.

Durante o trabalho, um médico-veterinário utilizava o computador compartilhado da Universidade quando se deparou com mensagens de teor racista – questionando sua competência devido à raça e origem regional – trocadas entre dois colegas via WhatsApp. Um dos envolvidos na conversa havia usado a máquina anteriormente e esquecido de encerrar a sessão.

Diante da gravidade do ocorrido, o veterinário acionou a superior hierárquica para verificar o conteúdo, além de registrar um boletim de ocorrência na Polícia no mesmo dia, acusando os colegas de racismo.

Ciente dos fatos, o empregador iniciou um processo administrativo interno. O procedimento resultou em três penalidades: um dos envolvidos na conversa foi demitido sem justa causa, o outro recebeu uma advertência, e o veterinário ofendido acabou suspenso por oito dias, com respectivo desconto no salário, com base em uma suposta invasão de privacidade.

Insatisfeito com a penalidade aplicada, o reclamante procurou a Justiça do Trabalho, alegando que a sanção era injusta e desproporcional, especialmente considerando que havia sido vítima de racismo.

No julgamento de primeiro grau, o juiz responsável pelo caso na 2ª Vara do Trabalho de Joinville considerou desproporcional a suspensão do reclamante, anulando a penalidade e ordenando a devolução dos valores descontados no salário.

A sentença também reconheceu o dano moral sofrido devido ao racismo, condenando a reclamada a pagar R$ 5 mil por danos morais decorrentes da suspensão e R$ 15 mil pelas ofensas raciais.

Recurso da reclamada

Ao recorrer à segunda instância para tentar reverter a condenação, a reclamada argumentou que agiu dentro dos limites de seu poder disciplinar. Contudo, o relator do caso na 3ª Turma, desembargador José Ernesto Manzi, não entendeu desta forma.

O magistrado manteve a decisão de anular a suspensão e destacou o dever do empregador de indenizar o trabalhador ofendido. No entanto, o acórdão reduziu a indenização por danos morais de R$ 15 mil para R$ 10 mil, considerando as medidas corretivas adotadas, como a demissão de um dos envolvidos. O voto do relator também retirou a indenização de R$ 5 mil pelos danos da suspensão.

A decisão está em prazo de recurso.

Apelido ofensivo

Outra decisão, também condenando o reclamado a indenizar o autor em R$ 10 mil, foi proferida em março pela 2ª Turma do TRT-SC. O caso envolveu um rapaz que recebeu o apelido ofensivo de ‘‘neguinho saci’’, atribuído por uma das colegas.

O caso aconteceu na Fort Atacadista (SDB Comércio de Alimentos Ltda.) de Itapema, litoral norte do Estado. Ao procurar a Justiça do Trabalho, o reclamante afirmou que informou repetidamente aos supervisores sobre as ofensas raciais, mas nenhuma medida efetiva foi tomada.

O trabalhador recorreu, então, ao conselho de ética da empresa, mas as ofensas persistiram. Somente após utilizar um canal de denúncias é que a agressora foi suspensa por três dias. No entanto, ao retornar, continuou com o comportamento discriminatório, fazendo piadas racistas no transporte fornecido pela empresa. Uma testemunha afirmou que essas atitudes permaneceram até o fim do contrato de trabalho da funcionária.

No primeiro grau, o pedido de indenização foi negado. Como fundamento, o juízo da Vara do Trabalho de Itapema alegou que o autor apresentou provas insuficientes para a caracterização do dano moral.

Recurso do autor da ação

Inconformado com o desfecho do caso, o trabalhador recorreu ao TRT-SC. Na 2ª Turma, a desembargadora Teresa Cotosky, relatora do recurso ordinário, votou para reverter a decisão do primeiro grau. No acórdão, a magistrada enfatizou a gravidade da conduta da agressora e a omissão do empregador em tomar medidas efetivas.

‘‘Ouvir ofensas do tipo ‘neguinho saci’ em seu ambiente de trabalho ou no transporte mantido pelo seu empregador uma única vez já teria o condão de minar a autoestima e dignidade de qualquer pessoa, que dirá recorrentemente e mesmo após o ofendido ter se insurgido e denunciado a conduta a seu empregador, que, apesar de ter intervido após ser provocado, não adotou medidas pedagógicas e disciplinares capazes de evitar a reiteração das ofensas’’, destacou a relatora.

Teresa Cotosky concluiu a decisão, enfatizando que as responsabilidades do empregador incluem não apenas garantir a segurança física dos trabalhadores, mas também assegurar um ambiente de trabalho em que a dignidade e os direitos fundamentais dos empregados sejam respeitados.

A empresa não recorreu da decisão. Redação Painel de Riscos com informações de Carlos Nogueira, da Secretaria de Comunicação Social (Secom)/TRT-12

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ATUAÇÃO LEGÍTIMA
MPT pode investigar denúncia de contratação irregular de advogados por escritório

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho (STF) rejeitou recurso do Escritório Pereira Gionédis Advogados, de Curitiba, que pretendia impedir a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) para apurar denúncia de que mascarava vínculo de empregado com advogados por meio de contratos de associação.

De acordo com o colegiado, cabe ao órgão instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores.

Denúncia sobre contratação de advogados 

Em 2019, o MPT recebeu uma denúncia do Sindicato dos Advogados do Estado do Paraná de que o escritório estaria burlando vínculos empregatícios por meio da contratação de advogados como autônomos (associados). Decidiu, então, abrir um procedimento preparatório de inquérito para apurar a denúncia.

Em seguida, o escritório ajuizou ação judicial, sustentando que o MPT não tinha legitimidade para defender os interesses individuais dos advogados e pedindo a anulação do procedimento investigatório.

A banca pediu, também, que o MPT fosse impedido de fiscalizar o escritório e de exigir a apresentação dos contratos de associação firmados com seus advogados associados.

O juízo da 6ª Vara do Trabalho de Curitiba julgou procedente o pedido, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-9, Paraná) reformou a sentença e autorizou a atuação do MPT.

Ministro Agra Belmonte foi o relator
Foto: Secom/TST

Apuração é competência do Ministério Público

O relator do recurso do escritório, ministro Agra Belmonte, explicou que, nas relações trabalhistas, o MPT atua na defesa de interesses individuais e indisponíveis. ‘‘Trata-se de tutela do interesse público primário, de caráter eminentemente social (relevante à sociedade como um todo)’’, observou.

Nesse sentido, a Constituição da República legitima o Ministério Público a expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los. O estatuto do MP da União (Lei Complementar 75/1993), por sua vez, estabelece entre suas competências promover o inquérito civil e a ação civil pública para proteção de direitos constitucionais e outros interesses individuais indisponíveis e para instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores.

A partir desses esclarecimentos legais, o relator ressaltou que a atuação do MPT é plenamente legítima. ‘‘Busca-se, em procedimento administrativo, averiguar suposta fraude à legislação trabalhista e, portanto, apurar sonegação de direitos’’, assinalou. Embora esses direitos sejam individuais do ponto de vista material, o fato averiguado afeta não apenas os advogados do escritório, mas toda a classe profissional.

‘‘Outra conduta não se espera do MPT senão a de instaurar procedimento investigatório para a apuração da veracidade das condutas alegadas’’, concluiu.

A decisão foi unânime. Com informações de Guilherme Santos, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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Ag-AIRR-1289-12.2019.5.09.0006

DIREITO À INFORMAÇÃO
STF valida norma que dispensa publicação de atos de sociedades anônimas em diário oficial

Ministro Dias Toffoli foi o relator
Foto: Rosinei Coutinho/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) validou norma que dispensa as sociedades anônimas de publicarem atos societários e demonstrações financeiras em diário oficial e exige a divulgação das informações em jornal de grande circulação, em formato físico e eletrônico.

A decisão unânime foi tomada na sessão virtual encerrada em 28/6, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7194.

Na ação, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) questionava dispositivo da Lei 13.818/2019 que alterou a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976). A redação anterior obrigava as empresas a publicar seus atos em diário oficial da União, do estado ou do Distrito Federal e em outro jornal de grande circulação no local de sua sede.

Após a alteração normativa, foi mantida apenas a segunda obrigação, com a divulgação das informações de forma resumida no jornal físico e, simultaneamente, da íntegra dos documentos na página do veículo na internet.

O relator, ministro Dias Toffoli, ressaltou que as inovações tecnológicas afetam profundamente a forma de acesso à informação, e é razoável que uma lei de 1976 seja atualizada para acompanhar essas transformações.

Segundo Toffoli, a divulgação da íntegra dos atos societários na página da internet de jornais de grande circulação atinge grande número de pessoas interessadas.

Além disso, foi mantida a obrigatoriedade de divulgação na mídia impressa, o que contempla as pessoas que não costumam ou não conseguem usar meios eletrônicos de acesso à informação. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

ADI 7194.

PALAVRAS MACHUCAM
Professora negra vai receber R$ 15 mil por discriminação racial e de gênero em Batatais (SP)

Foto ilustrativa Site TRT-15

Uma escola da cidade de Batatais (SP) foi condenada pela 3ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15-Campinas) ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 15 mil, decorrente de discriminação racial e de gênero contra uma professora negra.

Conforme consta nos autos, a professora foi chamada para uma reunião, onde estavam presentes a coordenadora, a mantenedora e o diretor. Segundo ela, na ocasião, o diretor teria mencionado que, ‘‘tendo em conta o cenário econômico atual e o fato de você ser mulher e negra, o que sobra é você trabalhar de babá’’.

A mantenedora da instituição, em seu depoimento, afirmou que a reunião ocorreu com a finalidade de conversarem sobre a atuação da docente na escola, pois alguns pais relataram comportamento inadequado com os alunos. Segundo a mantenedora, ‘‘resolveram, em vez de desligá-la, conversar com ela’’.

Durante a reunião, pontuaram os compromissos do professor em sala de aula. Diante da negativa da reclamante em atender tais compromissos, o diretor orientou que pensasse melhor, ‘‘por conta da dificuldade em arrumar emprego neste cenário atual, e inclusive o cenário de enfrentamento que a mulher negra vivenciou ao longo da História, mesmo assim conseguindo um espaço no mercado de trabalho’’.

Preconceito e desvalorização

Para a relatora do acórdão, a juíza convocada Marina de Siqueira Ferreira Zerbinatti, o fato de a escola questionar a professora sobre seu comportamento é ‘‘legal e regular, tratando-se de prerrogativa da empregadora exigir do empregado o cumprimento das normas e orientações de serviço’’. A magistrada ressaltou, ainda, ‘‘que não é relevante se o comportamento da autora com os alunos e colegas de trabalho era ou não difícil’’.

Assim, o colegiado analisou especificamente se a fala do diretor implicou tratamento discriminatório sob a ótica racial e de gênero.

Para a relatora, é evidente o dano moral, uma vez que considerou ‘‘profundamente discriminatório pretender limitar as possibilidades de trabalho de uma pessoa a seu gênero e sua cor de pele’’, ainda que não haja alegação de que a professora tenha tido seu acesso ao emprego dificultado por sua condição pessoal, ou mesmo que a despedida tenha sido discriminatória.

O colegiado também ressaltou que ‘‘a fala transbordou todo o preconceito e a desvalorização que tanto pesam sobre a mulher, principalmente a mulher negra, no mercado de trabalho’’, mesmo que o seu objetivo ‘‘não fosse amesquinhar’’ tão somente. Salientou, porém, que foi ‘‘notório que acabou por reproduzir justamente o atual e conhecido cenário de injustiça racial e de gênero’’. Com informações da Comunicação Social do TRT-15.

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ATOrd 0010051-94.2023.5.15.0075 (Batatais-SP)

BOA-FÉ
TRF-4 derruba condenação criminal de empresário que extraiu argila sem autorização

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Sede do TRF-4 em Porto Alegre
Foto: Diego Beck/ACS/TRF-4

O caput do artigo 21 do Código Penal (CP) diz que o desconhecimento da lei é indesculpável. O parágrafo único considera o erro sobre a ilicitude, se inevitável, isento da pena; se evitável, poderá diminuir a ilicitude.

A força deste dispositivo fez a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) rever a condenação criminal imposta a um empresário – proferida pela 1ª Vara Federal de Itajaí (SC) – por extração ilegal de argila numa única lavra localizada no município de Canelinha (SC), entre os anos de 2015 e 2016. O réu não tinha autorização para a lavra.

A maioria entendeu que o réu incorreu em erro de tipo inevitável por equivocar-se quanto a um dos elementos do tipo penal descrito no artigo 2º da Lei 8.176/91 – ‘‘sem autorização legal’’. O dispositivo: ‘‘Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo’’.

No primeiro grau, condenação por dolo direto

Na denúncia-crime oferecida pelo Ministério Público Federal de Santa Catarina (MPF-SC), o empresário foi processado como incurso nas sanções do artigo 2º, caput, da Lei 8.176/91, e do artigo 38 da Lei 9.605/98 (penaliza condutas e atividades lesivas ao meio ambiente), na forma do artigo 70 do CP. Em síntese, crime de usurpação de matéria-prima pertencente à União praticado em área de preservação permanente (APP).

Em sentença de mérito, o juízo de primeiro grau condenou o réu a um ano e dois meses de prisão, pena convertida em prestação de serviços à comunidade, e ao pagamento de prestação pecuniária e de multa.

‘‘Se realizou o réu a exploração mineral sem observar aspecto tão básico quanto a existência de córrego nas imediações, é porque assim quis proceder, tendo agido com o dolo direto previsto na parte inicial do inciso I do art. 18 do Código Penal, ou porque, em cegueira deliberada quanto a eventual existência de curso d’água nas proximidades, assumiu o risco de atingir área de preservação permanente, havendo atuado, então, pelo menos com o dolo eventual […] Entendo, portanto, que deve o réu […] ser também condenado como incurso nas sanções do art. 38 da Lei nº 9.605/98’’, cravou na sentença condenatória o juiz federal Moser Vhoss.

No segundo grau, erro de tipo essencial

No julgamento de apelação, a maioria dos integrantes da 8ª Turma do TRF-4 derrubou a sentença condenatória, graças aos fundamentos jurídicos expostos pelo juiz federal convocado Rodrigo Kravetz, voto divergente vencedor.

Para o julgador, as provas trazidas aos autos demonstram a boa-fé do empresário apelante e a intenção de exercer a atividade de extração mineral dentro dos ditames legais. É que ele contava com o auxílio de geólogo que já atuava como responsável técnico da área, a fim de se resguardar de eventuais irregularidades.

Ele afirmou que a dúvida a respeito da percepção da realidade sobre um elemento do crime não exime o apelante de eventual responsabilidade civil, administrativa ou ambiental pelos atos que praticou. Contudo, é causa impeditiva da condenação na seara penal.

‘‘O erro de tipo essencial, o qual exclui o dolo, incide quando o agente se equivoca sobre os elementos constitutivos do tipo penal; isto é, tem uma falsa percepção da realidade’’, registrou na ementa do acórdão.

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5006137-04.2019.4.04.7208 (Itajaí-SC)

 

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