DIREITO INDISPONÍVEL
Cláusula de acordo coletivo de trabalho que exige comunicação de gravidez é inválida

Norma coletiva de trabalho que exige a comunicação prévia da gravidez é nula, porque se trata de direito que não pode ser negociado. Por isso, a Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou recurso do Banco Santander Brasil contra decisão que o condenou a pagar indenização pelo período de estabilidade de uma bancária dispensada quando estava grávida.

Gravidez foi atestada no aviso-prévio

Na reclamatória trabalhista, a bancária disse que foi comunicada da dispensa em junho de 2018, com aviso-prévio indenizado até agosto. Em setembro, um exame de ultrassom revelou a gravidez de oito semanas. Segundo ela, a concepção ocorreu no curso do aviso-prévio. Portanto, teria direito à estabilidade até cinco meses depois do parto.

O banco, em sua defesa, alegou que desconhecia a gravidez até ser notificado da ação trabalhista. Citou também a cláusula da convenção coletiva de trabalho que estabelece a obrigação de comunicar o estado de gravidez, por escrito, no curso do aviso-prévio indenizado, para a garantia da estabilidade.

Direito não depende de boa-fé do empregador

A 13ª Vara do Trabalho de São Paulo concluiu que, apesar de a bancária, de fato, não ter comunicado a gravidez, a cláusula coletiva não poderia restringir um direito que não está condicionado à boa-fé do empregador.

Como não havia mais possibilidade de reintegração, porque o período de estabilidade já estava esgotado, a sentença deferiu o pagamento de indenização compensatória. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo).

Estabilidade visa proteger a criança

O relator do recurso de revista (RR) do banco, ministro Breno Medeiros, observou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao validar acordos e convenções coletivas que limitem ou afastem direitos trabalhistas, excluiu dessa possibilidade os direitos absolutamente indisponíveis. O direito à estabilidade da gestante, por ser direcionado também à proteção da criança, e não exclusivamente à mulher, se enquadra nessa categoria.

Segundo o entendimento do julgador, a norma coletiva dispôs de um direito de terceiro (o bebê). ‘‘Nem os pais, nem muito menos o sindicato, têm legitimidade para dispor livremente dos interesses indisponíveis dos nascituros afetados pela norma coletiva’’, afirmou, lembrando as disposições da Constituição e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990).

No mesmo sentido, o ministro assinalou que o STF, no Tema 497 da repercussão geral, fixou a tese de que a estabilidade da gestante exige apenas que a gravidez seja anterior à dispensa.

A decisão foi unânime. Redação Painel de Riscos com informações de Carmem Feijó, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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RRAg-1001586-10.2018.5.02.0013

ESPECIAL
Os limites à proibição de penhora dos recursos do FGTS, segundo a jurisprudência do STJ

Criado em 1966, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) tem por objetivo principal assegurar ao trabalhador uma indenização no caso de demissão sem justa causa. O Fundo é formado, principalmente, pelos depósitos feitos pelos empregadores em nome dos trabalhadores.

Apesar de sua função básica de proteger o cidadão em situação de desemprego involuntário, a legislação, ao longo do tempo, flexibilizou as regras sobre utilização dos recursos do FGTS, tornando possível, por exemplo, o uso do saldo para compra de imóvel ou até o saque de parte do Fundo no mês de aniversário do trabalhador (o conhecido saque-aniversário do FGTS).

Essa flexibilidade, contudo, não se estende à penhora dos recursos do FGTS para o pagamento de dívidas, tendo em vista que esse tipo de crédito tem natureza salarial. Essa restrição à penhora está expressa no artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 8.036/1990, o qual estabelece que as contas vinculadas em nome dos trabalhadores são absolutamente impenhoráveis.

O atributo da impenhorabilidade não impediu, porém, que discussões sobre a constrição de recursos do FGTS chegassem ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), especialmente em casos nos quais a dívida cobrada – da mesma forma que o FGTS – tinha natureza alimentar.

Penhora fora das hipóteses legais é excepcional

Nesse sentido, o STJ já estabeleceu que não é possível a penhora do saldo do FGTS para pagamento de honorários de sucumbência ou de qualquer outro tipo de honorário. O entendimento foi fixado pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.619.868.

O caso teve início na execução de honorários de sucumbência contra uma empresa cuja personalidade jurídica foi desconsiderada, passando os sócios a integrar o polo passivo da demanda. Requerido o bloqueio de dinheiro em conta, somente foi encontrada a quantia de R$ 800, restando em aberto o valor de R$ 4.633,77. Diante disso, houve o requerimento de penhora sobre o saldo de FGTS dos executados, o qual foi negado pelas instâncias ordinárias.

Ao STJ, os credores alegaram que a regra da impenhorabilidade de salários, vencimentos e remunerações é afastada na hipótese de pagamento de verba de natureza alimentar, como é o caso dos honorários de sucumbência, incidindo a exceção do parágrafo 2º do artigo 649 do Código de Processo Civil de 1973.

O relator do caso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, explicou que as hipóteses de levantamento do saldo do FGTS estão elencadas na Lei 8.036/1990, e esse rol não é taxativo. O ministro lembrou que o STJ já possibilitou o saque nos casos de comprometimento de direito fundamental do titular do Fundo, como nas hipóteses de doença grave.

‘‘A liberação de valores do FGTS fora das hipóteses legais é medida excepcional, extrema, que não se justifica para o pagamento de dívidas do trabalhador, ainda que tenham natureza alimentar em sentido amplo, como as decorrentes de honorários sucumbenciais e quaisquer outros honorários devidos a profissionais liberais’’, pontuou Cueva no REsp 1.619.868.

Penhora do FGTS para pagamento de dívida alimentar

Contudo, com base no princípio da dignidade da pessoa humana, e considerando a necessidade de subsistência do alimentando, o tribunal permite a penhora de conta vinculada do FGTS e do PIS nas ações de execução de alimentos. O entendimento foi adotado pela Segunda Turma ao negar recurso em que a Caixa Econômica Federal (CEF) argumentava pela impenhorabilidade desses valores (o processo tramitou em segredo judicial).

No caso, a penhora das contas foi feita após a realização de inúmeras outras tentativas de obtenção de bens para garantir o pagamento da pensão alimentícia. Segundo a relatora do caso, ministra Eliana Calmon (aposentada), a Constituição Federal elencou a dívida de alimentos como a única (ao lado da prisão do depositário infiel) forma de prisão civil por dívida, ‘‘de modo que os alimentos são bens especiais para nossa Constituição e devem ser satisfeitos sem restrições de ordem infraconstitucional’’ (a prisão do depositário infiel foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal).

A ministra também ponderou que essa medida é menos drástica do ponto de vista da proporcionalidade, pois, a um só tempo, evita a prisão do devedor e satisfaz, ainda que momentaneamente, a prestação dos alimentos, assegurando a sobrevivência dos dependentes do trabalhador.

Pensão vitalícia por morte também tem natureza alimentar

No mesmo sentido, devido a sua natureza alimentícia, também é possível a constrição de valores do FGTS para pagamento de pensão vitalícia por morte. Esse foi o entendimento adotado pela Quarta Turma no julgamento do REsp 1.816.340.

De acordo com o relator, ministro Marco Buzzi, a jurisprudência do STJ é no sentido de que a exceção à regra da impenhorabilidade engloba tanto a pensão alimentícia decorrente de relação familiar quanto a oriunda de ato ilícito.

No caso em discussão, a Justiça determinou o pagamento da pensão aos filhos de um homem que morreu devido a negligência médica.

Impenhorabilidade do FGTS cede em caso de transferência para conta de investimento

Ainda que o valor seja proveniente de conta vinculada do FGTS, é possível a penhora do saldo em conta de investimento. No julgamento do REsp 2.021.651, a Quinta Turma aplicou o entendimento de que a transferência dos créditos do FGTS para conta de investimento do trabalhador desautoriza a aplicação da regra da impenhorabilidade prevista no artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 8.036/1990.

Segundo a defesa de um homem condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, todo o valor depositado na conta particular era proveniente do FGTS. Dessa forma, argumentou que a penhora de verbas de natureza alimentar, bem como de valores decorrentes de FGTS, depositadas nessa conta, somente poderia ser feita nos casos de execução de alimentos.

O relator do caso, desembargador convocado João Batista Moreira, explicou que, enquanto não ocorrer o saque, a impenhorabilidade absoluta prevista no parágrafo 2º do artigo 2º da Lei 8.036/90 tem por escopo assegurar a aplicação dos recursos do FGTS nos termos do parágrafo 2º do artigo 9º da mesma lei, ou seja, em prol da coletividade.

Uma vez feita a movimentação financeira, disse, passa a incidir o disposto no artigo 833, X, do Código de Processo Civil de 2015, como regramento sobre impenhorabilidade do saldo na outra conta. Assim, somente é impenhorável o montante de até 40 salários-mínimos.

Para o relator, ainda que se admitisse, no caso, que o saldo em questão fosse equiparado a ‘‘verba alimentar’’ ou ‘‘recurso do trabalhador’’, não incidirá a impenhorabilidade absoluta, uma vez que a Corte Especial, ao julgar o EREsp 187.422, já relativizou a regra para pagamento de dívida não alimentar. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1619868

REsp 1816340

REsp 2021651

DESVIO PRODUTIVO
TRT-MT condena empregadores em danos morais pelo atraso no pagamento de verbas rescisórias

As empresas Exata Cargo Ltda. e TodoBrasil Transportes Ltda., de forma solidária, têm de pagar R$ 4 mil, a título de reparação moral, a um trabalhador que custou para receber as suas verbas rescisórias, passando por grande aflição emocional.

A decisão é da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região (TRT-23, Mato Grosso), confirmando, no mérito, sentença proferida pela 1ª Vara do Trabalho de Cuiabá. O fundamento jurídico a embasar a condenação moral foi a teoria do desvio produtivo, tomada ‘‘emprestada’’ da legislação consumerista.

O dano moral consiste em violação a direitos da personalidade protegidos pelo artigo 5º, incisos V e X, da Constituição. O dano moral representa um atentado à própria dignidade do ser humano, elevado a fundamento da República Federativa do Brasil, conforme o artigo 1º da Carta Magna.

Ex-empregado foi ignorado pelo empregador

Segundo o relato do ex-empregado, após ser demitido, a empresa Exata Cargo atrasou os pagamentos e ignorou repetidas tentativas de contato, deixando-o em situação de grande desgaste emocional.

As provas apresentadas em juízo incluíam prints de conversas no WhatsApp, nas quais o trabalhador tentava resolver a questão diretamente com a empresa – sempre sem sucesso.

O caso foi julgado, no primeiro grau, pela juíza da 1ª Vara do Trabalho de Cuiabá, Elizangela Dower, que reconheceu o dano moral sofrido pelo trabalhador, fixando a indenização em R$ 3 mil.

A magistrada entendeu que o atraso nos pagamentos, aliado à falta de resposta da empresa, configura um desrespeito ao direito do ex-empregado, justificando a reparação.

Desvio Produtivo na seara trabalhista

Na sentença, a juíza Elizangela Dower esclareceu que a teoria do desvio produtivo, que pode ser aplicada às relações de trabalho a fim de reconhecer lesão moral, foi importada do Direito do Consumidor.

‘‘O STJ tem entendido que nos casos em que o fornecedor deixa de praticar ato que lhe era imposto, levando o consumidor ao desgaste de obter o bem da vida em juízo, impõe-se a condenação daquele ao pagamento de uma indenização reparatória, em face do tempo perdido pela parte prejudicada.’’

Tal situação, segundo a magistrada, se amolda ao caso trabalhista em análise, já que o trabalhador, diante dos descumprimentos das obrigações da empresa, buscou reiteradamente solucionar o problema com a empregadora, porém, sem êxito.

Por outro lado, lembrou, a empresa optou pelo parcelamento das verbas rescisórias, a contragosto do trabalhador, e ainda assim não cumpriu com a primeira data de pagamento.

‘‘Todas estas condutas evidenciam uma perda enorme de tempo e desgaste emocional para tentar resolver um problema criado pela ex-empregadora (não pagamento das verbas rescisórias). Trata-se, em verdade, de dano in re ipsa; isto é, que independe de prova cabal acerca de sua ocorrência, pois só o fato em si já permite concluir pelos danos aos direitos da personalidade do trabalhador’’, explicou.

Recurso ao TRT-MT

A empresa ré, discordando da decisão, recorreu ao TRT mato-grossense, argumentando que não havia provas suficientes para justificar a condenação em danos morais. A defesa sustentou que as provas apresentadas pelo trabalhador eram unilaterais e não comprovavam de forma cabal os alegados atrasos.

Ao julgar o recurso, a 1ª Turma do Tribunal, seguindo por unanimidade o voto do relator, desembargador Tarcísio Régis Valente, decidiu não só manter a condenação por danos morais como ainda aumentar a indenização para R$ 4 mil.

Os desembargadores entenderam que a conduta da primeira empresa, ao atrasar os pagamentos e ignorar as tentativas do trabalhador de resolver o problema, causou um prejuízo emocional que merece ser reparado. Além disso, consideraram que a empresa agiu de má-fé ao tentar alterar a verdade dos fatos durante o processo.

Com a decisão do TRT, além de pagar indenização, a empresa foi condenada em multa por litigância de má-fé no valor de 1% do valor da causa.

A decisão transitou em julgado e não cabe mais recurso. Redação Painel de Riscos com informações de Sinara Alvares, da Secretaria de Comunicação do TRT-23.

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ATSum 0000890-66.2023.5.23.0001 (Cuiabá)