COMODATO ABUSIVO
Operadora de TV por assinatura não pode impor ao consumidor responsabilidade total pelos equipamentos

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou abusivas as cláusulas dos contratos de TV por assinatura que, mesmo diante de caso fortuito ou de força maior, impõem ao consumidor a responsabilidade total pelos danos causados aos equipamentos fornecidos pelas operadoras.

O entendimento, por maioria, foi firmado pelo colegiado ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que julgou improcedente a ação civil pública (ACP) movida pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) contra a Claro S. A. (sucessora da NET), que fornece serviços de TV por assinatura e internet.

O tribunal estadual considerou válida a cláusula que atribui ao consumidor, em qualquer circunstância, a responsabilidade pelos equipamentos fornecidos em locação ou comodato, como decodificadores de sinais, modemscable modems e smart cards.

No recurso especial (REsp) aviado no STJ, o MPSP sustentou que a cláusula é abusiva por dar vantagem exagerada ao fornecedor do serviço. A empresa, por sua vez, afirmou que a cláusula serve para resguardá-la contra condutas de má-fé, como dano intencional, comércio no mercado paralelo, apropriação indevida, simulação de furtos ou roubos.

Ministro Humberto Martins foi o relator
Foto: Rosinei Coutinho/Ascom/CJF

Objetivo do consumidor não é alugar equipamentos

O relator do REsp, ministro Humberto Martins, disse que a relação em debate é de consumo e deve ser resolvida com base no artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Segundo ele, é preciso levar em consideração que o objetivo do consumidor é contratar serviço de TV por assinatura e internet (contrato principal), e não receber equipamentos em comodato ou locação (contrato acessório).

Além disso, o relator ressaltou que, nesse tipo de contrato de adesão, o consumidor não tem a liberdade de obter os equipamentos de outro fornecedor. Assim, o ministro ponderou que, como o consumidor – hipossuficiente – tem de se sujeitar ao comodato ou à locação impostos pela operadora, deve ser considerada abusiva a regra contratual que lhe impõe a assunção do risco pela guarda e pela integridade do equipamento em qualquer situação.

‘‘Seria diferente se o consumidor, sopesando os riscos, benefícios e custos envolvidos na operação, pudesse optar, com liberdade, entre a aquisição do aparelho e o comodato/locação. Nessa hipótese, desde que informado adequadamente, seria possível que o consumidor assumisse, de forma consciente, os riscos decorrentes de sua escolha, em especial a assunção da responsabilidade pelo perecimento do aparelho em quaisquer circunstâncias’’, declarou.

Conduta ilícita de alguns não autoriza presumir má-fé do conjunto de consumidores

O ministro apontou também que eventuais prejuízos causados por comprovada ilicitude da conduta de locatários específicos não autorizam a inserção de cláusulas contratuais que presumam a má-fé da generalidade dos consumidores, violando o artigo 4º, inciso III, e o artigo 6º, inciso VIII, do CDC.

Para Humberto Martins, a operadora não pode transferir aos consumidores os riscos inerentes à atividade negocial. Segundo ele, a entrega dos equipamentos ao consumidor é essencial para a prestação do serviço e é do interesse da operadora.

‘‘Não interessam ao usuário, portanto, as ferramentas a serem utilizadas na prestação do serviço, e sim a efetiva recepção e fruição do sinal de rede/televisão’’, pontuou o ministro.

O relator considerou desproporcional que o contrato acessório de comodato ou locação imponha ao consumidor a responsabilidade integral por algo que serve diretamente ao interesse da prestadora, ‘‘enquanto esta, por meio de cláusulas abusivas, pretende se desonerar de todos e quaisquer riscos do contrato e da propriedade’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1852362

CRITÉRIO BIOLÓGICO
INSS vai pagar dano moral por desconsiderar gênero de segurada no pedido de aposentadoria

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Nos pedidos de aposentadoria, o gênero a ser considerado é aquele que consta na certidão do registro civil no ato do requerimento, cabendo ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) promover a respectiva retificação do cadastro em seus sistemas internos.

Por ignorar este procedimento básico, a autarquia previdenciária terá de pagar R$ 3 mil, a título de danos morais, a uma segurada transgênero do Paraná, já que levou em conta apenas o sexo biológico registrado no momento da sua filiação ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), indeferindo a aposentadoria por idade pelo não preenchimento do requisito etário.

A condenação foi imposta pela 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), por maioria de votos, reformando sentença que não viu abalo à honra, à intimidade, ao bom nome e à imagem da segurada – direitos de personalidades delineados no artigo X do artigo 5º da Constituição.

INSS ignorou a mudança de gênero na análise do pedido

Desembargador Márcio Antônio Rocha, voto vencedor
Foto: Sylvio Sirângelo/ACS/TRF-4

O desembargador federal Márcio Antônio Rocha, voto divergente vencedor neste julgamento, destacou que a autora alterou o seu prenome e gênero, na Vara de Registros Públicos de Curitiba, em 2018, solicitando a alteração de cadastro do INSS em 30 de abril de 2019.

O julgador disse que a autarquia fez a alteração, sem óbices, mas, ao analisar o pedido, desrespeitou o histórico da segurada, atribuindo-lhe o gênero masculino por seu critério biológico para justificar o indeferimento da aposentadoria por idade.

Para Rocha, é ‘‘irrazoável e desproporcional’’ o ato administrativo que, plenamente ciente da situação do fato em análise, indeferiu o benefício de aposentadoria por idade à parte segurada, que cumpria o requisito etário conforme o gênero que lhe fora reconhecido por decisão judicial, averbada nos registros da Previdência.

‘‘Tal decisão, evidentemente inesperada e injusta, provocou um choque psicológico e emocional à parte segurada, extrapolando a simples frustração que decorreria do mero indeferimento imotivado ou errôneo do benefício previdenciário a que tinha direito. Portanto, entendo que a decisão administrativa apresenta elementos de culpabilidade, dano e nexo causal ensejadores do dever de indenização por dano moral’’, fulminou o julgador no voto, sendo seguido pela maioria dos seus pares.

Direito civil reconhecido pelo STF

A possibilidade de alteração dos registros civis por mera declaração do interessado foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em favor dos transexuais, no julgamento da ADI 4.275 e do RE 670.422, com repercussão geral (Tema 761).

A tese foi fixada nos seguintes termos:

– O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação da vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa.

– Essa alteração deve ser averbada à margem no assento de nascimento, sendo vedada a inclusão do termo ‘‘transexual’’.

– Nas certidões do registro. não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, sendo vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial.

– Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar, de ofício ou a requerimento do interessado, a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos.

Processo sob segredo de Justiça

Apelação Cível 5050281-71.2020.4.04.7000/PR

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