AJUDA MÚTUA
TRF-4 inocenta cinco acusados de formar associação para vender seguro de caminhão em Santa Catarina

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Fortes indícios de autoria e materialidade de um crime tipificado no Código Penal (CP) não são suficientes para embasar condenações se o acervo probatório não mostra, acima de qualquer dúvida razoável, que os acusados agiram com efetivo dolo.

O fundamento foi invocado pela 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) para manter íntegra a sentença da 1ª Vara Federal de Chapecó (SC) que inocentou cinco pessoas denunciadas por comercializar seguro de caminhão ao arrepio de autorização e das normas da Superintendência de Seguros Privados (Susep).

Para o colegiado de segundo grau, ficou a dúvida se os réus sabiam ou não que os contratos oferecidos aos caminhoneiros tinham a natureza de seguro ou que mantinham em operação uma instituição financeira com este objetivo.

‘‘A alegação de que os recorridos [réus] tinham experiência na exploração de atividade empresarial no ramo de transportes, de forma a indicar um conhecimento inerente aos seguros de veículos, não é suficiente para comprovação do dolo’’, destacou o relator que negou a apelação do Ministério Publico Federal (MPF), desembargador Ângelo Roberto Ilha da Silva.

Serviços de contratação de seguro em grupo

Segundo a ação penal ajuizada pelo MPF de Santa Catarina (MPF-SC), os réus agiam por meio da Associação dos Proprietários de Caminhões da Região Oeste de Santa Catarina (Associoeste), que foi constituída em 8 de dezembro de 2009 e operou até 31 de julho de 2016. Pelo estatuto social, a instituição tinha como finalidade oferecer benefícios aos associados, ‘‘mediante a disponibilização de serviços de contratação de seguro em grupo’’.

Em parecer, a Susep garantiu tratar-se de típico contrato de seguro, através do qual a Associoeste obrigava-se para com o associado, mediante o pagamento de um valor mensal, a garantir o seu interesse no caso de ocorrência de sinistro dos veículos. Ou seja, por meio de um Plano de Rateio de Riscos, a entidade angariava recursos dos associados e os redistribuía àqueles que sofriam danos em seus veículos.

Para a Susep, características de seguradora

Ficou claro para o órgão fiscalizador do Ministério da Fazenda que estas atividades têm características de seguradoras – previdência, incerteza e mutualismo. Igualmente, contêm elementos essenciais do contrato de seguro – risco, prêmio, importância segurada, segurado e segurador.

Assim, operando com estas características e sem autorização legal da autarquia fiscalizadora, o MPF entendeu que os réus violaram o artigo 16, combinado com o artigo 1º, da Lei 7.492/1986, que define os crimes contra o sistema financeiro.

Para os acusados, apenas proteção veicular entre associados

Em defesa, os réus alegaram que o Grupo de Rateio de Riscos da Associoeste não pode ser equiparado à atividade seguradora, já que o seu objetivo principal era a proteção mútua entre associados, sem qualquer interesse comercial.

No primeiro grau, a juíza federal Priscilla Mielke Wickert Piva trouxe à fundamentação o Enunciado 185, aprovado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF): ‘‘A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão’’.

Grupos restritos de ajuda mútua

Para a julgadora, se há discussão no âmbito administrativo e enunciado cível que acena com a possibilidade de formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão, isso deve ser especialmente considerado no âmbito do Direito Penal, sobretudo pela necessária comprovação de dolo para eventual condenação.

Ao lado dessa possibilidade, ela também ficou em dúvida quanto à caracterização dos contratos firmados pela Associoeste como típicos de seguro. Também admitiu ‘‘dúvida razoável’’ sobre o dolo dos acusados na conduta de fazer funcionar, sem autorização legal, instituição financeira que comercializava seguros – como mencionado na ação penal.

‘‘Nesse contexto, impõe-se a aplicação do princípio do in dubio pro reo, que é decorrente da máxima constitucional da presunção de não culpabilidade, com previsão no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, e que veda condenações baseadas em conjecturas, sem a presença de provas contundentes da materialidade e da autoria delitivas, bem assim do dolo ou culpa do agente’’, definiu a titular da 1ª Vara Federal de Chapecó.

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DANO MORAL COLETIVO
Mercedes-Benz é condenada a pagar R$ 40 milhões por discriminar trabalhadores lesionados

Foto: Divulgação

A prática de condutas vexatórias, humilhantes e discriminatórias contra empregados egressos de programa de reabilitação previdenciário representam barreiras à acessibilidade e inclusão das pessoas com deficiência (PcD), culto ao capacitismo, retrocesso social e lesão a direitos metaindividuais.

A tese foi acolhida pela 11ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15, Campinas-SP), ao condenar a Mercedes-Benz do Brasil a pagar indenização por danos morais coletivos no valor R$ 40 milhões por práticas de assédio e discriminação contra seus empregados. O montante deve ser destinado a uma instituição social indicada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) – autor da ação civil pública cível (ACPCiv) contra a montadora.

Além da reparação moral, o colegiado impôs à empresa multa por obrigações de fazer e não fazer de R$ 100 mil/dia, em caso de descumprimento, a cada trabalhador vítima de assédio ou discriminação, ou multa diária de R$ 10 mil, a depender do item descumprido.

Trabalhadores isolados e expostos à humilhação

Des. Luís Henrique Rafael foi o relator
Foto: Acervo Pessoal/Reprodução

O MPT campineiro investigou a empresa a partir de denúncias de que trabalhadores que sofreram lesões em decorrência do trabalho estavam sendo isolados dentro da fábrica em Campinas durante o seu processo de reabilitação, e expostos a situações vexatórias e humilhantes. Também foram relatados nos autos casos de discriminação racial.

O juízo da 12ª Vara do Trabalho de Campinas julgou improcedentes os pedidos formulados pelo MPT na ação, que também tem como parte o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas, de Material Elétrico e Eletrônico e de Fibra Óptica de Campinas, Americana e Indaiatuba.

No acórdão que reforma a sentença de primeira instância, o relator, desembargador Luís Henrique Rafael, afirmou que ‘‘o Ministério Público do Trabalho descreve a identificação de linha cronológica do tratamento dispensado aos trabalhadores adoecidos a partir dos depoimentos testemunhais: num primeiro plano, os trabalhadores são vítimas de isolamento, até mesmo físico, sendo subtraídos de oportunidades de ascensão profissional, de acréscimos remuneratórios, de promoções, ficando alocados num ‘Grupo de Divergentes’, ‘congelados’ dentro da estrutura organizacional da empresa’’.

Para o magistrado, ‘‘verifica-se no comportamento reiterado da recorrida e seus prepostos verdadeiro culto ao capacitismo, pretendendo estabelecer quais são os corpos adequados e suas possibilidades, assim como quais não são’’.

Ressalta-se que referidas práticas revelam, inclusive, conduta tipificada no artigo 88 da Lei 13.146/2015, que reconhece como crime a discriminação em razão da deficiência. Aceitar as práticas incontroversamente realizadas como ‘‘fatos isolados’’, como alegou a empresa no processo, ‘‘representaria grave retrocesso social que obstaculizaria as garantias constitucionais aos direitos da pessoa com deficiência’’.

Do acórdão, cabe recurso de revista (RR) ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Redação Painel de Riscos com informações da Comunicação Social do TRT-15.

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ACPCiv 0010910-78.2019.5.15.0131 (Campinas-SP)