Foto: Imprensa/DMLU
Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)
Contratar gari como microempreendedor individual (MEI), quando todos os elementos de prova sinalizam relação típica de emprego, nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT, constitui fraude à legislação trabalhista. E não só: a conduta patronal causa dano moral ao trabalhador, por ferir direitos de personalidade assegurados no inciso X do artigo 5º da Constituição.
Firme nesse fundamento, a 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul), reformou, no aspecto, sentença que negou o pagamento de danos morais a um gari de Porto Alegre que foi obrigado a abrir MEI para trabalhar na empresa que prestou serviços de recolhimento de lixo para o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU).
O relator dos recursos ordinários no Regional, desembargador Wilson Carvalho Dias, percebeu que o reclamante nada mais era que um coletor de lixo, trabalhando diariamente com pessoalidade, não eventualidade, recebendo salário mensal – os requisitos básicos para reconhecimento de vínculo.
Desembargador Wilson Carvalho Dias
Foto: Secom/TRT-RS
‘‘A subordinação jurídica é presumida em razão da própria rotina de trabalho descrita pelo reclamante ao perito, sem divergência da primeira reclamada no aspecto, com observância, por exemplo, de cumprimento de jornadas de trabalho certas e delimitadas pela própria necessidade do serviço’’, constatou.
Por outro lado, o relator percebeu que, à luz da melhor posição doutrinária, que valoriza a dignidade humana, a conduta da empresa causou dano moral presumido no trabalhador. Ele arbitrou a reparação em R$ 5 mil.
‘‘Embora normalmente esta Turma julgadora não reconheça a existência de dano moral indenizável nos casos em que há o reconhecimento judicial da relação de emprego, penso que a situação dos autos é peculiar. O autor nada mais era que um coletor de lixo que foi alijado intencionalmente, pela reclamada, de toda e qualquer proteção da legislação trabalhista. Trabalhava em conjunto com outros trabalhadores registrados, em situação de total desigualdade, de forma ofensiva à sua dignidade. Enquadrar como microempreendedor individual um coletor de lixo é uma fraude flagrante a todo o sistema jurídico de proteção ao trabalho digno’’, fulminou no acórdão.
Pedido de vínculo empregatício
O reclamante afirmou, na peça inicial da ação reclamatória, que trabalhou para a empresa B. A. Meio Ambiente Ltda (em recuperação judicial), sediada em Ananindeua (PA), no período de 3 de março de 2020 a 25 de junho de 2021, na função de gari, com salário mensal de R$ 1.900. A empresa prestou serviços ao DMLU – o segundo reclamado no processo – até junho de 2021.
Além do reconhecimento de vínculo empregatício, o autor pediu a condenação da reclamada à assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), ao pagamento de verbas rescisórias e ao reconhecimento de rescisão indireta do contrato de trabalho, por culpa do empregador, e ainda dano moral.
A reclamada não juntou nenhum instrumento de contrato que tenha sido estabelecido com a firma individual do reclamante, nem as notas fiscais dos pagamentos efetuados, que poderiam, em tese, demonstrar que os serviços foram eventuais, como alegou. Admitiu, apenas, que o reclamante lhe prestou serviços em algumas ocasiões.
Como a parte reclamada não conseguiu provar a modalidade de contratação do trabalhador, o que era de sua obrigação no processo, o juízo da 11ª Vara do Trabalho de Porto Alegre deu especial relevo à prova testemunhal, que foi capaz de revelar a existência dos requisitos inerentes à relação empregatícia.
A caracterização do vínculo de emprego decorre da conjugação do contido nos artigos 2º e 3º da CLT, que definem os conceitos de empregador e empregado, respectivamente.
No resumo da ópera, o juiz do trabalho Bruno Feijó Siegmann condenou a primeira reclamada e, subsidiariamente, o DMLU (tomador dos serviços da primeira), ao pagamento de todas as verbas trabalhistas indenizatórias, incluindo o aviso-prévio, pois acolheu o pedido de rescisão indireta.
Dano moral não reconhecido no primeiro grau
O julgador indeferiu, entretanto, o pedido de danos morais, entendendo que a simples inobservância de direitos trabalhistas, ou mesmo descumprimentos contratuais, além de anotação da CTPS, não são circunstâncias aptas a caracterizarem a ocorrência de dano moral presumido.
‘‘Ressalto que o descumprimento do empregador à legislação trabalhista possui consequências jurídicas bem definidas e, desacompanhado de outros elementos, não enseja a reparação de ordem moral ao trabalhador, sendo relevante notar que as lesões suportadas pelo autor possuem natureza patrimonial e foram enfrentadas nos itens precedentes. Feitas essas considerações, rejeito o pedido’’, cravou na sentença.
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ATOrd 0020620-32.2021.5.04.0011 (Porto Alegre)
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