HOSPITAIS E ESCOLAS
A legitimidade das associações e fundações para o pedido de recuperação judicial e a nova posição do STJ

Advogada Jamile Beck Eidt, do escritório Cesar Peres Dullac Müller Advogados (CPDMA)

Por Jamile Beck Eidt

No início do mês de outubro, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de votos, proferiu decisão em quatro recursos especiais (REsp 2.026.250, REsp 2.036.410, REsp 2.038.048 e REsp 2.155.284) se posicionando pela ilegitimidade ativa das fundações sem fins lucrativos para o pedido de recuperação judicial.

A decisão, inédita até então, parece, em primeira análise, solucionar uma controvérsia latente nos principais tribunais do país. Contudo, os problemas seguem sem soluções adequadas para o soerguimento de relevantes agentes que não estejam enquadrados no tipo societário de empresa, tais como as instituições de ensino e as associações hospitalares.

Da relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a decisão cita que, em contrapartida aos benefícios trazidos pela atividade empresarial, a recuperação judicial seria uma forma de sacrifício da sociedade e, principalmente dos empregados e fornecedores, para com aquele empresário ou sociedade empresária, com o objetivo de manter os postos de trabalho e a geração de riquezas. Entretanto, refere que essa lógica não poderia ser aplicada às associações e fundações, pois, como estas prestam serviços de utilidade pública, a contrapartida da sociedade seria a concessão de benefícios fiscais através do estado.

Discorre, ainda, acerca da insegurança jurídica dos credores que contratam com essas associações e fundações, que, no momento da celebração contratual, não levam em conta a possibilidade dessas entidades requererem recuperação judicial. Conclui, dizendo que o artigo 1º da Lei 11.101/05 é claro ao dispor que apenas os empresários e as sociedades empresárias poderiam requerer a superação do estado de crise através do instituto da recuperação judicial e que a não inclusão deste tema na alteração legislativa de 2020 já seria uma decisão.

Pois bem. Muito embora a decisão possa ser utilizada como precedente para os demais casos que tratam sobre a matéria, não se pode olvidar que, ainda que em cognição sumária, em 2022, a 4ª Turma do STJ decidiu, por maioria de votos, autorizar o prosseguimento da recuperação judicial do Instituto Metodista de Educação – IMED (TP nº 3654 / RS), estando pendente de decisão, ainda, o recurso especial.

Naquela oportunidade, o ministro Luis Felipe Salomão proferiu um extenso voto destacando que, não obstante à ausência de distribuição de lucro das associações, muitas acabam se estruturando como verdadeiras empresas do ponto de vista econômico, exercendo atividade econômica organizada para produção e circulação de bens e serviços, empenhando-se na manutenção de atividades de extrema relevância econômica e social, desempenhando atividades relacionadas a direitos socias e fundamentais, como educação e saúde, dos quais muitas vezes o estado é omisso.

Além da referida decisão, o legislador se encarregou de legitimar os clubes de futebol, mesmo que constituídos sob a forma de associação civil, ao pedido de recuperação judicial, através da Lei 14.193/21 [artigo 13 combinado com os artigos. 25 e 1º, parágrafo 1º, inciso I, da referida Lei], nomeada Lei da Sociedades Anônimas do Futebol. Em outras palavras, há a possibilidade de associações pedirem recuperação judicial, desde que desempenhem atividade futebolística. Em contrapartida, se forem instituições de ensino ou associação hospitalar, não possuem essa mesma legitimidade por ausência de previsão legal.

Nesse mesmo sentido, dentre as alterações realizadas pela Lei 14.112 de 2020, foi incluída a parte final do parágrafo 13 do artigo 6º. Essa modificação autoriza as cooperativas médicas que operam planos de saúde a se beneficiarem do regime de recuperação judicial, equiparando-as às empresas. A questão foi analisada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7442, na qual foi reconhecida a constitucionalidade dessa alteração.

Assim, dizer que a recente decisão do STJ teria posto um fim na controvérsia acerca da legitimidade das associações e fundações para o pedido de recuperação judicial seria temerário por alguns fatores: (i) pela existência de entendimentos opostos entre os próprios Ministros; (ii) pela existência de legislação legitimando entidades constituídas no mesmo formato; e (iii) pela existência de inúmeros recursos especiais sobre a matéria pendentes de julgamento, dentre os quais estão importantes hospitais filantrópicos e instituições de ensino, como Santa Casa do Rio Grande, Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Fernandópolis, Maternidade de Campinas, do Instituto Metodista de Educação – IMED, entre outros.

O que é inegável, seja qual for o posicionamento, é que esses agentes possuem grande relevância social e econômica, criam empregos, renda e contribuem para o crescimento e o desenvolvimento social do país e, assim como os empresários e sociedades empresárias, se sujeitam às constantes instabilidades econômico-financeiras geradas pela gestão da sua atividade ou pelo próprio mercado. E quais são as alternativas desses agentes para solucionarem uma eventual situação de crise?

O Código Civil traz, nos artigos1.102 a 1.112, a hipótese de liquidação, que significa pôr fim à atividade; ou seja, na lei, não há uma possibilidade de superação da crise por parte desses agentes. A solução é o encerramento das atividades, o que em muitos casos significa fechar as portas de hospitais filantrópicos que atendem milhares de pessoas e dezenas de municípios.

A outra estratégia encontrada por algumas instituições, a exemplo da Ulbra e da Instituição Educacional São Judas Tadeu, foi a transformação de associações civis para sociedades empresárias. Contudo, essa não parece ser uma opção para todos os casos, haja vista a necessidade de encontrar potenciais investidores, bem como por envolver a privatização de instituições que possuem aportes de recurso públicos, como os hospitais.

Por fim, a exemplo da Lei da SAF, desenvolvida especialmente para os clubes de futebol, a alternativa que, de fato, colocaria fim à controvérsia e trataria segurança jurídica para todos os envolvidos nas operações seria a promulgação de uma lei que contemplasse essas entidades e regulasse a possibilidade de elas fazerem uso da recuperação judicial, com condições e requisitos que se adequem ao mercado e as estruturas organizacionais das instituições, a fim de viabilizar a superação de crise de importantes agentes econômicos.

Jamile Beck Eidt integra a Equipe de Reestruturação de Empresas do escritório Cesar Peres Dullac Müller Advogados (CPDMA)

REPERCUSSÃO GERAL
STF vai decidir se Anvisa pode proibir venda de produtos à base de cannabis em farmácias de manipulação

Reprodução/Governo do Estado de São Paulo

O Supremo Tribunal Federal (STF) irá discutir a validade de uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que proíbe as farmácias de manipulação de comercializarem produtos à base de cannabis. Segundo a Anvisa, a comercialização deve ser feita exclusivamente por farmácias sem manipulação ou drogarias, mediante a apresentação de prescrição por profissional médico legalmente habilitado.

A controvérsia é tema do Recursos Extraordinário com Agravo (ARE) 1479210, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1341) no plenário virtual. A data do julgamento ainda será definida, e a tese fixada pelo STF deverá ser seguida em todas as instâncias do Judiciário.

No caso dos autos, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou uma decisão que impedia o Município de São Paulo de aplicar a uma farmácia de manipulação sanções por infração sanitária, como advertência, multa ou até cancelamento do alvará de funcionamento, por vender produtos de cannabis. Segundo o TJSP, a Resolução Colegiada 327/2019 da Anvisa extrapolou as atribuições da agência, pois criou uma distinção não prevista em lei entre farmácias com e sem manipulação.

No recurso, o Município argumenta que não é possível manipular e comercializar produtos de cannabis sem autorização sanitária, por se tratar de substância psicotrópica sujeita a controle especial, para prevenir e detectar desvios. Também sustenta que a manipulação e comercialização dos derivados da cannabis é uma questão de saúde pública e deve ser tratada com rigor técnico por especialistas da área médica.

Em manifestação pelo reconhecimento da repercussão geral, o ministro Alexandre de Moraes observou que essa questão tem sido alvo de decisões dos tribunais estaduais, tanto validando a resolução quanto considerando que a norma extrapolou o poder regulamentar da Anvisa.

Na sua avaliação, a controvérsia tem ampla repercussão e importância para o cenário político, social e jurídico, e o interesse por sua definição não abrange apenas as partes envolvidas. Com informações de Pedro Rocha, da Assessoria de Imprensa do STF.

ARE 1479210

VIOLAÇÃO MARCÁRIA
Adidas e Mercado Livre são condenados a indenizar loja de roupas impedida de vender calças esportivas com duas listras

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A calça esportiva/jogger com faixas laterais listradas é amplamente utilizada no mercado, tornando-se produto quase genérico na indústria da moda. Assim, a Adidas, mesmo sendo marca de alto renome no segmento, não pode proibir concorrentes de fabricar e vender peças de vestuário que estampem duas listras, pois a insistência nessa conduta significa concorrência desleal.

A conclusão é do desembargador Maurício Pessoa, da 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ao confirmar sentença que condenou a Adidas do Brasil e o Mercado Livre a se absterem de promover denúncias e de suspender anúncios de calças masculinas estampadas com duas listras brancas verticais nas laterais das pernas, comercializadas pela F. Y. Watanabe Comércio de Roupas (Wooks), em razão de violação de marca registrada.

O relator das apelações também manteve a condenação das duas grandes empresas, rés no processo, ao pagamento de indenizações por dano material, a ser apurado em liquidação de sentença, e moral, arbitrada no valor de R$ 20 mil.

Por meio de simples pesquisa na internet, o julgador verificou que calças com faixas laterais listradas vêm sendo amplamente comercializadas por diversas marcas, inclusive por uma das maiores concorrentes da Adidas, a Nike.

‘‘A despeito de a coapelante Adidas ser titular do registro de marca figurativa contendo três listras, tal fato, por si só, não lhe confere o direito de impedir que concorrentes utilizem uma, duas ou quatro listras laterais em seus produtos. Nesse sentido, a coapelante Adidas não é titular do uso exclusivo de listras; é, sim, titular de marca figurativa que contém 3 listras’’, fulminou, no acórdão, o desembargador-relator, prestigiando a sentença.

O processo

A revenda de produtos do vestuário, sediada em Londrina (PR), acabou denunciada pela Adidas quando passou a anunciar seus itens na plataforma de comércio eletrônico do Mercado Livre. A alegação: ferir a propriedade industrial da marca alemã, em particular as marcas figurativas de titularidade desta, consistentes em três listras, e o conjunto-imagem (trade dress) de seus produtos.

Na origem, o juízo da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem da Comarca de São Paulo reconheceu que a Adidas é marca nominativa de alto renome e que possui registro de marcas figurativas a ela associadas no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), ‘‘consistentes em três listras paralelas, na direção vertical, na direção horizontal, ou ainda na direção diagonal, todas com especificações para artigos de vestuário diversos’’.

Entretanto, lembrou o juiz Eduardo Palma Pellegrinelli, conforme o artigo 124, inciso VI, da Lei da Propriedade Industrial – LPI (Lei 9.279/96), não são registráveis como marca os sinais genéricos – necessários, comuns, vulgares, meramente descritivos – ou aqueles empregados para designar uma característica do produto ou serviço quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço.

Para o juiz sentenciante, apesar dos itens da autora conter elementos componentes figurativos assemelhados (as listras verticais como adornos laterais em calças), estes estão apresentados de forma suficientemente distintiva. E mais: estes itens apresentam a estampa de apenas duas listras, e não de três, que compõem a marca da Adidas. Assim, existe clara distintividade entre as marcas da multinacional alemã e da autora da ação, podendo, ambas, coexistir no mercado.

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0020850-03.2022.8.26.0100 (São Paulo)

 

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DISCRIMINAÇÃO
Mineradora é condenada a pagar R$ 50 mil por demitir empregado após cirurgia de câncer de próstata em MG

Uma mineradora foi condenada a reintegrar e a indenizar por dano moral um trabalhador dispensado sem justa causa quatro meses depois de passar por uma cirurgia para tratar um câncer de próstata. O juiz Uilliam Frederic D’ Lopes Carvalho, no período em que atuou na 1ª Vara do Trabalho de João Monlevade (MG), entendeu que a dispensa foi discriminatória, determinando o restabelecimento dos benefícios anteriores, como o plano de saúde, e o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 50 mil.

O empregado, que foi diagnosticado com câncer em 2022, realizou uma cirurgia e precisou se afastar por 47 dias entre janeiro e março de 2023. Após o retorno, ele foi dispensado em julho de 2023, sem uma justificativa aceitável.

A empresa alegou que o empregado estava apto ao trabalho, mas o juiz concluiu que a dispensa ocorreu de forma discriminatória, uma vez que a doença era conhecida pela empregadora. Além disso, logo após a saída do trabalhador, outro empregado foi contratado para ocupar o lugar dele, demonstrando que a vaga permaneceu disponível.

O magistrado baseou sua sentença na Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que presume discriminatória a dispensa de pessoas com doenças graves. De acordo com o entendimento do magistrado, a empresa não conseguiu provar que a dispensa foi motivada por razões alheias ao estado de saúde do trabalhador.

‘‘Cabia à reclamada demonstrar ter havido outro motivo para a dispensa, ônus do qual não se desvencilhou. Isso porque nenhuma prova foi apresentada no sentido de extinção de postos de trabalho, outras dispensas ocorridas na mesma época, reestruturação financeira ou qualquer outra condição, limitando-se a ré a indicar como única motivação o poder potestativo do empregador e que o autor estaria apto ao trabalho’’, completou.

Além da reintegração ao cargo e da manutenção do plano de saúde, a empresa foi condenada a pagar os salários retroativos e parcelas como 13º salário, férias e outras previstas em convenções coletivas. Foi estabelecida também uma indenização de R$ 50 mil por danos morais, levando em conta a gravidade da situação e o impacto na vida do empregado.

Na sentença, o julgador reforçou o entendimento de que, em casos de doenças graves, o empregador deve demonstrar motivos justificados para a dispensa, evitando discriminações que prejudiquem ainda mais o trabalhador em um momento de fragilidade.

‘‘Inobstante alegação da ré em sentido contrário, não há prova de que o tratamento do câncer do autor esteja finalizado. Na hipótese, não pode ser descartada a possibilidade de recidiva, sequelas ou desconsiderar a necessidade de acompanhamento medicamentoso constante, ainda mais em tão pouco tempo após a realização da cirurgia. Pelas razões acima, considero discriminatória a dispensa do autor e declaro nula tal dispensa, nos moldes do art. 1º da Lei 9.029/95’’, finalizou.

Diante da possibilidade do direito e o risco proveniente da demora (art. 300, CPC), o juiz concedeu a antecipação da tutela, devendo a empresa providenciar a imediata reintegração do trabalhador, bem como o restabelecimento do plano de saúde dele, nas mesmas condições anteriores, no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, a ser revertida a favor do reclamante.

Em consequência, o magistrado deferiu o pedido de pagamento dos salários desde a dispensa até a reintegração, considerando-se os reajustes normativos ocorridos durante o afastamento, bem como o pagamento dos direitos e benefícios pertinentes.

Houve recurso e, atualmente, o processo aguarda a data de julgamento no TRT-MG. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

REGRAS DE PATRIMÔNIO
Felizes para sempre, nos termos do contrato: o que diz o STJ sobre o pacto antenupcial

Não tem jeito: toda história de amor traz consigo uma dose de burocracia antes do tão esperado ‘‘sim’’. Para além da cerimônia, das alianças e da papelada exigida para formalizar a união, as providências para a realização de um matrimônio podem incluir também um pacto antenupcial. Mas o que é esse documento e por que se revela importante?

O pacto antenupcial é um contrato feito pelos futuros cônjuges para definir as regras que vão incidir sobre o patrimônio do casal após o casamento. Se o acordo não for feito, o regime legal padrão do matrimônio será o da comunhão parcial de bens, conforme o artigo 1.640 do Código Civil. Nesse regime, os bens anteriores ao casamento continuam pertencendo a quem os adquiriu. Já os adquiridos ao longo da união devem ser compartilhados e, em caso de divórcio, divididos igualmente.

Por outro lado, se os noivos optarem por um regime de bens diferente do padrão, o pacto antenupcial será obrigatório. Isso significa dizer que ele deve ser firmado quando o casal decidir pelos regimes de separação convencional, comunhão universal ou participação final nos aquestos (bens adquiridos pelo casal durante o casamento, mediante pagamento), ou ainda por um regime misto. A ausência desse contrato quando ele for obrigatório tornará nulo o regime de bens escolhido na época do casamento, aplicando-se automaticamente a comunhão parcial.

Os artigos 1.653 a 1.657 do Código Civil descrevem os requisitos para que o pacto seja válido: ele deve ser registrado por escritura pública e o casamento precisa ocorrer. Se não for registrado corretamente, o contrato será nulo. Se não houver o casamento, será considerado ineficaz. A jurisprudência, no entanto, já admite sua aplicação às uniões estáveis, como em alguns casos que serão detalhados adiante.

O pacto não se limita à regulação patrimonial e pode incluir cláusulas não patrimoniais ou indenizatórias, desde que não violem a dignidade e os direitos e garantias fundamentais dos cônjuges.

Muitas discussões sobre os termos do pacto antenupcial chegam ao Judiciário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu casos envolvendo seus efeitos em segundos casamentos e os possíveis impactos do contrato após a morte de um dos cônjuges. A seguir, algumas decisões emblemáticas do tribunal.

Obrigatoriedade do pacto para regime de bens diferente da comunhão parcial

Com a entrada em vigor da Lei 6.515/1977 (Lei do Divórcio), o pacto antenupcial passou a ser obrigatório para o casal que escolhe um regime de bens diferente da comunhão parcial. Essa interpretação foi adotada pela Terceira Turma no julgamento do REsp 1.608.590, relatado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, em uma ação de divórcio cuja autora buscava manter o regime de comunhão universal registrado na certidão de casamento.

A mulher argumentou que o matrimônio ocorreu em 1978, durante a vigência do Código Civil de 1916, que adotava a comunhão universal de bens como regime legal. Ela alegou que, na época, não era comum os cartórios registrarem outros tipos de regimes de bens. Embora o matrimônio tenha sido celebrado sob o Código Civil de 1916, ele ocorreu após a publicação da Lei do Divórcio, que especificava que, na ausência de manifestação dos cônjuges, o regime seria a comunhão parcial.

No julgamento, o colegiado também discutiu a partilha de bens recebidos por herança durante o casamento. Os ministros decidiram que, após a confirmação do regime de comunhão parcial, os bens recebidos por herança, legado ou doação, antes ou durante a união, não seriam partilhados.

Ao negar provimento ao recurso da mulher, o relator concluiu que a partilha deveria se limitar aos bens resultantes do esforço comum dos cônjuges desde o início do casamento até a separação de fato, em 2004, quando o regime patrimonial foi extinto.

Pacto só pode ser modificado com manifestação expressa dos cônjuges

No REsp 1.706.812, também de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Terceira Turma decidiu que o regime jurídico da separação convencional de bens estabelecido voluntariamente no pacto antenupcial é imutável, a não ser que haja manifestação expressa de ambos os cônjuges.

Na origem do caso, uma mulher ajuizou ação pleiteando o reconhecimento da existência de sociedade de fato entre ela e o então marido. Ambos eram casados pelo regime da separação total. Ela alegou que seu trabalho teria contribuído para o sucesso das empresas pertencentes à família do ex-marido, devendo, por isso, ser considerada sócia de fato e ficar com 50% dos negócios.

O juízo de primeira instância negou o pedido da autora, decisão que foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). De acordo com a corte, a ausência de contrato social não impede o reconhecimento da existência de sociedade de fato com terceiros que atuam em comunhão de esforços, com o objetivo de concretizar um bem comum.

Ao restabelecer a sentença, o ministro Cueva explicou que não se poderia falar em sociedade de fato se o regime adotado era o da separação convencional de bens, principalmente não havendo registro escrito capaz de comprovar a existência da sociedade entre o ex-casal, já que este é um requisito indispensável para a configuração da sociedade de fato.

‘‘Ainda que se admitisse a possibilidade de os cônjuges casados sob o regime de separação de bens constituírem, eventualmente, uma sociedade de fato, por não lhes ser vedado constituir eventual condomínio, esta não decorreria simplesmente da vida em comum, já que, entre os deveres decorrentes do consórcio, o apoio mútuo é um dos mais relevantes’’, cravou no voto o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do REsp 1.706.812

Pacto antenupcial pode se aplicar à união estável

A lei faz menção expressa ao casamento como requisito de eficácia do pacto antenupcial. Entretanto, a jurisprudência do STJ entende que o instrumento é aplicável às uniões estáveis.

No julgamento do AREsp 2.064.895, interposto em ação de dissolução de união estável, a Quarta Turma analisou um caso em que o recorrente buscava a declaração de ineficácia do pacto antenupcial que estabelecera o regime da separação total. Segundo alegou a parte, o pacto estaria vinculado ao casamento – o qual nunca ocorreu – e, por isso, deveria ser considerado ineficaz.

O tribunal do estado decidiu que, ainda que o matrimônio não tenha se concretizado, o pacto antenupcial celebrado pelas partes, de forma livre e consciente, deveria reger a união estável ocorrida após a sua celebração, pois traduziria a manifestação clara de como os conviventes pretendiam seguir a relação.

O relator do recurso no STJ, ministro Raul Araújo, manteve integralmente o acórdão estadual por avaliar que o pacto antenupcial detém validade no âmbito da união estável, para fins de definição do regime de bens no período da convivência.

De acordo com o ministro, um pacto realizado por escritura pública, ainda que não tenha sido seguido pelo casamento, deve ter sua eficácia aproveitada como um contrato de convivência, devendo reger a união para a qual foi celebrado.

Pacto escrito tem efeito imediato na união estável, mesmo antes do casamento

Com relação ao momento em que o pacto antenupcial começa a produzir efeitos, a Quarta Turma, no julgamento do REsp 1.483.863, fixou o entendimento de que o contrato que estabelece o regime de bens de um casamento passa a regular imediatamente os atos posteriores a ele ocorridos entre o casal, devendo reger, desde a sua celebração, a união estável pré-matrimonial.

O processo envolvia um casal que havia se relacionado em três momentos distintos, adotando regimes de bens diferentes em cada um deles. Primeiro, casaram-se sob comunhão universal; depois do divórcio, voltaram a viver em união estável por quatro anos; e, após esse período, decidiram se casar novamente, dessa vez no regime da separação total.

O pacto antenupcial relativo ao segundo casamento foi assinado na vigência da união estável, cerca de um ano e três meses antes do matrimônio. A recorrente alegou que o contrato escrito de convivência não se confundiria com pacto antenupcial, o qual somente passaria a ter eficácia a partir do casamento.

A controvérsia do recurso era definir o regime de bens que deveria ser aplicado durante o período final da união estável, após a celebração do pacto antenupcial que precedeu o segundo casamento pelo regime da separação total.

A primeira instância entendeu que a união estável não estava configurada, ao passo que o tribunal estadual reconheceu a união antes do segundo casamento, limitando a meação aos bens adquiridos pelo casal desde o início da união até a data da celebração do pacto antenupcial.

No STJ, a relatora, ministra Isabel Gallotti, esclareceu que, embora o pacto somente previsse vigência a partir do casamento, ele já atendia, desde a data em que foi firmado, ao único requisito exigido no artigo 1.725 do Código Civil de 2002 para disciplinar validamente a relação patrimonial de forma diversa da comunhão parcial entre os conviventes de uma união estável: ser um contrato escrito. Dessa forma, a ministra concluiu pela aplicabilidade imediata do regime de separação total de bens a partir de sua celebração.

‘‘O pacto antenupcial prévio ao segundo casamento, adotando o regime da separação total de bens ainda durante a convivência em união estável, possui o efeito imediato de regular os atos a ele posteriores havidos na relação patrimonial entre os conviventes, uma vez que não houve estipulação diversa’’, registrou no voto a ministra Isabel Gallotti.

Termos do pacto firmado na vigência da união estável devem ser respeitados

Entendimento semelhante foi adotado no julgamento do REsp 1.590.811, de relatoria do então desembargador convocado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) Lázaro Guimarães. O magistrado explicou que, conforme disposição contida no artigo 5º da Lei 9.278/1996 e no artigo 1.725 do Código Civil, a comunhão parcial de bens é o regime que se aplica à união estável, salvo quando os conviventes decidem em sentido diverso, sendo a forma escrita o único requisito exigido.

Um casal que vivia em união estável firmou pacto antenupcial definindo que o regime patrimonial do futuro casamento seria o da separação total. O pacto, além de prever o futuro regime de bens, regulava, por escrito e com efeitos imediatos, a relação existente na época. Como o casamento não ocorreu, o homem pleiteou o reconhecimento da ineficácia do pacto e a incidência do regime de comunhão parcial durante o período da união.

O tribunal de origem concluiu, no entanto, que o pacto antenupcial firmado entre os conviventes, além de adotar o regime da separação total, tratou de regras patrimoniais relativas à própria união estável, registrando a ausência de interesse na constituição de esforço comum para formação de patrimônio em nome do casal e mantendo o regime de bens original.

No STJ, a Quarta Turma decidiu que, independentemente do nome atribuído ao negócio jurídico, as disposições estabelecidas no contrato com o objetivo de disciplinar o regime de bens da união estável, ainda que contidas em pacto antenupcial, deveriam ser respeitadas, especialmente porque atenderam à forma escrita, único requisito exigido para contemplar regime de bens diverso do legal.

Por fim, o colegiado constatou que a regra da comunicabilidade dos bens deveria, de fato, permanecer afastada, para ceder espaço ao regime da separação total escolhido pelos conviventes desde a celebração do pacto até a efetiva dissolução da união.

Regime de separação obrigatória permite pacto antenupcial mais restritivo

Com relação ao regime de separação obrigatória de bens, previsto no artigo 1.641 do Código Civil, a Quarta Turma decidiu, no julgamento do REsp 1.922.347, sob relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, que é possível os cônjuges firmarem um pacto antenupcial de separação total dos bens, afastando, assim, a aplicação da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF).

Um casal, ao firmar o pacto antenupcial em 2014, declarou que vivia em união estável desde 2007. Na época do pacto, ele tinha 77 anos e ela, 37, o que os sujeitou ao regime da separação obrigatória. Além disso, o casal optou espontaneamente por termos ainda mais restritivos, por meio do pacto antenupcial de separação total de bens.

O processo teve origem em pedido de inventário ajuizado pela viúva. O juízo de primeiro grau atendeu à impugnação de uma herdeira do falecido marido para excluí-la da meação e da partilha dos bens e removê-la da inventariança. O tribunal do estado, no entanto, apesar de reconhecer o caráter restritivo do pacto antenupcial, manteve a viúva na função de inventariante.

Ao julgar o caso, o STJ atendeu ao pedido da herdeira para remover a viúva de seu pai do processo de inventário. A decisão também afastou a aplicação da Súmula 377 do STF, que permite a divisão dos bens adquiridos durante o casamento no regime da separação obrigatória. Para a Quarta Turma, o pacto com cláusulas mais restritivas é considerado válido, tanto para casamentos quanto para uniões estáveis.

‘‘Em se tratando de união estável sob a regência do regime da separação obrigatória com pacto de não comunhão de bens, não há falar em meação de bens, tampouco em sucessão da companheira, nos termos do artigo 1.829, inciso I, do Código Civil’’, expressou, no REsp 1.922.347, o ministro Luis Felipe Salomão

Regime de separação total não interfere no direito sucessório

Nas sucessões em que não há descendentes ou ascendentes – na hipótese do artigo 1.829, inciso III, do Código Civil –, a Terceira Turma entendeu que o regime de separação total de bens fixado no pacto antenupcial não impede o cônjuge sobrevivente de ser considerado herdeiro necessário.

Na origem do caso julgado no REsp 1.294.404, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva,  um casal firmou pacto antenupcial com regime de separação total, exigência prevista no Código Civil de 1916, vigente na época do casamento. Quando a esposa faleceu, sem deixar filhos, ela beneficiou, em testamento público, a irmã e os sobrinhos com a parte disponível de seus bens.

Aberto o inventário, o viúvo teve seu pedido de habilitação negado pelo juiz de primeira instância. A decisão foi reformada pelo tribunal estadual, para o qual ele deveria ser considerado herdeiro necessário da falecida, independentemente do regime de bens estabelecido no casamento, conforme o artigo 1.829 do Código Civil.

Ao negar o recurso que pedia o afastamento do viúvo da condição de herdeiro necessário, o ministro Cueva esclareceu que o pacto antenupcial que estabelece o regime de separação total somente pode dispor sobre a incomunicabilidade de bens durante o casamento, não podendo invadir a seara do direito sucessório.

Segundo explicou o ministro, essa incomunicabilidade não produz efeitos após a morte, uma vez que não existe no ordenamento jurídico brasileiro previsão de ultratividade do regime patrimonial, apta a lhe emprestar eficácia póstuma.

‘‘A opção dos cônjuges pelo regime de separação de bens pode se dar pelos mais diversos motivos, entre os quais uma maior facilidade na administração do patrimônio de cada um ou prevenir a sua eventual redução em caso de divórcio, não cabendo projetar a ausência de meação na seara sucessória. Não se pode presumir que o pacto antenupcial nesse sentido seja fruto do desejo dos nubentes em perpetuar a intransmissibilidade entre seus patrimônios”, concluiu Villas Bôas Cueva. Reportagem especial da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1608590

REsp 1706812

AREsp 2064895

REsp 1483863

REsp 1590811

REsp 1922347

REsp 1294404