AÇÃO DE COBRANÇA
Quando o beneficiário da apólice também é o contratante, prazo para obter indenização do seguro é de um ano

Ao reafirmar o entendimento fixado no julgamento do Incidente de Assunção de Competência 2 (IAC 2), a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a prescrição do pedido de indenização securitária feito por uma viúva contra a Zurich Minas Brasil Seguros S. A. O requerimento foi apresentado mais de três anos após o falecimento do marido.

No julgamento do IAC, a Segunda Seção definiu o prazo prescricional de um ano para o exercício de qualquer pretensão do segurado contra o segurador (e vice-versa) baseada em suposto descumprimento de deveres (principais, secundários ou anexos) do contrato de seguro.

Prazo de um ano é aplicado a toda pretensão de segurado contra segurador

No caso julgado pela Quarta Turma, a segurada contratou participação em seguro de vida em grupo e acidentes pessoais coletivo, com cobertura adicional para o seu marido. Em 2013, ele faleceu, mas apenas em 2017 ela fez o requerimento administrativo para receber a indenização. Diante da negativa da seguradora, a viúva ajuizou ação de cobrança, mas tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) negaram o pedido.

Segundo o relator do caso no STJ, ministro Marco Buzzi, no julgamento do IAC 2, a Segunda Seção excepcionou da prescrição anual apenas os casos que envolvam seguro-saúde e planos de saúde, além do seguro de responsabilidade civil obrigatório (DPVAT).

‘‘Não houve deliberação no sentido de haver outras restrições quanto ao alcance do prazo prescricional ânuo, o qual é aplicável – ressalvadas hipóteses bem peculiares – ao exercício de toda e qualquer pretensão envolvendo segurado em face do segurador’’, explicou.

Prazo de dez anos só se aplica quando beneficiário não é o segurado/contratante

Na avaliação do ministro, o caso em análise não apresenta nenhuma peculiaridade capaz de alterar o prazo prescricional de um ano. Essa alteração, comentou, somente seria possível se o pedido de indenização fosse feito por terceiro, que não participou da relação contratual (e muitas vezes, nem sabia da sua existência), figurando apenas como beneficiário.

De acordo com o relator, esse foi o entendimento firmado no REsp 1.384.942, no qual a Quarta Turma estabeleceu o prazo prescricional de dez anos para o pedido de indenização de seguro de vida de um beneficiário, que não se confundia com o próprio segurado.

O ministro verificou que, na hipótese em julgamento, a viúva era contratante/titular da apólice e beneficiária da cobertura adicional do cônjuge, não podendo ser considerada terceira na relação contratual, pois constava como segurada principal, o que atrai a incidência do prazo prescricional de um ano. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

AREsp 2323675

IDENTIDADE DE GÊNERO
Mulher trans proibida de usar banheiro e vestiário feminino em frigorífico será indenizada por discriminação

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) rejeitou examinar o recurso da Prima Foods S.A., frigorífico de Araguari (MG), contra a condenação ao pagamento de indenização a uma faqueira desrespeitada no trabalho por ser mulher trans.

Conforme a decisão, que, no efeito prático, manteve a indenização de R$ 35 mil, a título de danos morais, a empresa falhou em criar um ambiente de trabalho inclusivo e respeitoso quanto à identidade de gênero de seus empregados.

Trabalhadora sofria humilhações no vestiário masculino

A faqueira foi contratada em 2014 e dispensada em 2019. Na ação, ela afirmou que, nos cinco anos de contrato, a empresa se negou a tratá-la por seu nome social e a proibia de usar o banheiro e vestiário feminino. Também disse que sofria violência psicológica diária dos colegas e tratamento discriminatório do encarregado, que lhe delegava trabalhos que não eram de sua função e exigiam força física, sob a alegação de que ela ‘‘era homem’’.

De acordo com a trabalhadora, o argumento da Prima Foods para proibi-la de usar o vestiário feminino era que as empregadas ‘‘não gostavam da presença de ‘travestis’ no banheiro de mulher e que a empresa não tinha o que fazer nesse caso’’. Como nem sempre era possível se trocar dentro de um box, em razão do movimento intenso, o momento da troca do uniforme ‘‘se tornava humilhante’’, pois sempre era alvo de piadas e de ofensas a seu corpo, sua sexualidade e seu gênero.

Frigorífico disse que distribuía cartilhas e fazia palestras

Em sua defesa, o frigorífico alegou que tinha ‘‘nove homossexuais’’ no setor de abate, o que comprovaria que não havia discriminação. Também argumentou que os empregados não podiam ser obrigados a chamar a trabalhadora pelo nome social e que adotava ações para reprimir e prevenir agressões à identidade de gênero e à sexualidade dos empregados, promovendo palestras e distribuindo cartilhas com seu código de ética.

Medidas não foram suficientes

A 2ª Vara do Trabalho de Araguari (MG) e o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais) condenaram o frigorífico a pagar indenização de R$ 35 mil.

Para o TRT, as ações relatadas pela empresa não caracterizam efetiva implementação de políticas de inclusão. Para isso, seriam necessárias condutas concretas, como o respeito ao nome social, a aplicação de penalidades a quem praticar discriminação e até a alteração de instalações sanitárias a fim de evitar constrangimentos.

Ministra Kátia Arruda foi a relatora
Foto: Secom/TST

Empresa confundiu conceitos

A ministra Kátia Arruda, relatora do recurso da Prima Foods no TST, destacou que a identidade de gênero diz respeito à autopercepção de cada pessoa.

‘‘A trabalhadora teve questionada sua própria identidade pessoal, em decorrência da falha da empresa em criar um ambiente de trabalho inclusivo e respeitoso quanto à identidade de gênero de seus empregados’’, afirmou no voto, lembrando que ela era tratada a partir de estereótipos masculinos, como o de que seria mais adequada para tarefas que exigissem a força física.

Para a ministra, o próprio argumento da empresa de que não haveria preconceito e discriminação porque haveria ‘‘homossexuais no setor de abate’’ revela o equívoco conceitual entre identidade de gênero e orientação sexual, demonstrando a falta de compreensão sobre a matéria.

‘‘A distribuição de cartilhas e a promoção de palestras não foram suficientes para esclarecer a própria empregadora sobre os contornos, a profundidade e a relevância da inclusão da diversidade no contexto do respeito aos direitos humanos’’, assinalou.

Essa impressão é acentuada com a alegação da Prima Foods de que não haveria a obrigação de chamar os empregados por seus nomes sociais, que, ‘‘na realidade compõem uma das dimensões da personalidade’’. Essa postura caracteriza, segundo a ministra, a falta de respeito à identidade de gênero da empregada, ‘‘fragilizando ainda mais a tese de que haveria real grau de esforço educativo no âmbito da empresa’’.

A decisão foi unânime. Redação Painel de Riscos com informações da jornalista Lourdes Tavares, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

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AIRR-10325-27.2019.5.03.0174

AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Excesso de peso nas rodovias presume danos materiais e morais coletivos, decide STJ

Reprodução Devianti

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.104), estabeleceu a tese de que ‘‘o direito ao trânsito seguro, bem como os notórios e inequívocos danos materiais e morais coletivos decorrentes do tráfego reiterado, em rodovias, de veículo com excesso de peso, autorizam a imposição de tutela inibitória e a responsabilização civil do agente infrator’’.

Com a definição da tese, podem voltar a tramitar os recursos especiais (REsps) e agravos em recurso especial (AREsps) que estavam suspensos à espera do precedente qualificado. O entendimento deverá ser necessariamente seguido pelas demais instâncias do Judiciário.

O ministro Teodoro Silva Santos, relator do tema repetitivo, ressaltou que, embora o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) preveja a aplicação de multas para o caso de excesso de peso em veículos, o Judiciário também pode adotar outras medidas para responsabilizar as transportadoras pela deterioração das rodovias.

Punição na esfera administrativa pode não esgotar a resposta do estado

O relator afirmou que, para preservar as rodovias e garantir a segurança no trânsito, o artigo 231, inciso V, do CTB, estabelece que o excesso de peso é infração de natureza média, sujeita a multa. No entanto, segundo ele, a punição administrativa não esgota necessariamente a resposta punitiva do estado, sobretudo, quando há uma evidente desproporção entre a penalidade e o benefício obtido pelo infrator com a reincidência no comportamento proibido.

‘‘À luz dos princípios da inafastabilidade da jurisdição e da independência das instâncias punitivas, não se exclui da apreciação do Poder Judiciário a postura recalcitrante à legislação de trânsito’’, lembrou o relator.

Ele ponderou que, enquanto a multa administrativa sanciona ilícitos passados, a multa civil (astreintes) tem finalidade distinta: desestimular a conduta reiterada do infrator e garantir o cumprimento de obrigações determinadas judicialmente. Assim, para o ministro, não há configuração de bis in idem nas diversas respostas estatais direcionadas à mesma conduta contrária ao ordenamento jurídico.

Excesso de peso reduz significativamente a vida útil da malha viária

O ministro também destacou que o excesso de peso nos veículos provoca uma deterioração prematura da malha viária, fazendo com que a vida útil da via diminua em 30%, ou em até 70% nas rodovias de tráfego intenso. ‘‘Assim, um pavimento projetado para durar cerca de dez anos dura apenas sete e, nos casos mais extremos, resume-se a três anos’’, acrescentou.

‘‘É fato notório o nexo causal existente entre o transporte com excesso de peso e a deterioração da via pública decorrente de tal prática. A circulação de veículos com sobrepeso danifica a estrutura da malha viária, abreviando o seu tempo de vida útil e ocasionando o dispêndio de recursos públicos. Além dos graves danos materiais gerados ao patrimônio público, há ofensa in re ipsa a direitos coletivos e difusos, de caráter extrapatrimonial, como a ordem econômica, o meio ambiente equilibrado e a segurança dos usuários das rodovias’’, concluiu. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1908497

ABUSOS PSICOLÓGICOS
Vendedora ganha dano moral ao provar grosserias do chefe em reunião gravada por celular

Ilustração/Reprodução LS Advogados

Tratamentos grosseiros e constrangedores por parte de chefes e propostos do empregador violam direitos de personalidade elencados no inciso X do artigo 5º da Constituição – privacidade, intimidade, honra e imagem –, ensejando o dever de indenizar o trabalhador ofendido. Além disso, os artigos 186 e 927 do Código Civil obrigam à reparação de dano moral decorrente de atos ilícitos.

Assim, a Oitava Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), no aspecto, não teve dúvidas em confirmar a condenação de uma distribuidora de tecidos a pagar R$ 4 mil a uma ex-vendedora que provou os insultos sofridos pelo chefe imediato por meio de gravação de celular.

A juíza Luciana Nascimento dos Santos, titular da Vara do Trabalho de Pará de Minas, condenou a reclamada a indenizar a reclamante em R$ 4 mil, devido a assédio moral.

Insultos na reunião

A trabalhadora atuava como vendedora em loja da empresa e alegou que, durante reunião com seu chefe, foi coagida a pedir demissão sob ameaça de justa causa, além de ser alvo de insultos.

Em defesa, a empresa negou as acusações e alegou que havia “testemunhas” nas reuniões, além de argumentar que as declarações registradas não eram direcionadas especificamente à autora.

No processo, a empregada apresentou um áudio de 50 minutos, gravado durante uma reunião, em que foram registrados insultos por parte do representante da empresa e ordens para que as empregadas ocultassem defeitos de produtos aos clientes.

Gravação é prova legítima

A validade da gravação como prova foi questionada pela empresa na contestação, mas a juíza considerou-a lícita, conforme entendimento sedimentado no Tema 237 do Supremo Tribunal Federal (STF), que já reconheceu como legítima a gravação realizada por um dos interlocutores sem o consentimento do outro.

Segundo o STF, tais gravações, quando feitas pelo próprio participante da conversa, como no caso da autora, não violam o direito à intimidade, podendo ser usadas como prova em processos judiciais.

A magistrada concluiu que o áudio, no qual o chefe da autora direcionava às empregadas, inclusive à reclamante, termos depreciativos, como ‘‘lixo’’ e ‘‘porqueira’’, caracterizava um tratamento humilhante e ofensivo, confirmando o assédio moral. A instrução para que as vendedoras ocultassem defeitos de produtos, bem como a ameaça de repreensão por se recusarem a agir dessa forma, também foram consideradas reprováveis pela julgadora.

Exaustão psicológica

Um laudo psicológico anexado ao processo descreveu ainda a ‘‘exaustão psicológica’’ e os ‘‘abusos verbais’’ sofridos pela autora, reforçando o contexto de desgaste emocional.

No entendimento da magistrada, o laudo psicológico não basta para demonstrar o nexo de causalidade entre o quadro clínico da autora e o trabalho, possuindo caráter apenas informativo. Entretanto, pontuou que o dano moral, no caso, configura-se pela natureza do fato e, assim, independe de prova da dor ou do sofrimento, que toca ao íntimo do indivíduo.

Quebra do respeito e da urbanidade

Na conclusão da sentença, a juíza disse que foi provado o tratamento grosseiro e constrangedor dispensado à vendedora, em descumprimento das obrigações de respeito e urbanidade que devem sempre estar presentes nas relações de trabalho. ‘‘Tais circunstâncias violam o direito à dignidade humana, protegido constitucionalmente’’, destacou. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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ATSum 0010789-56.2024.5.03.0148 (Pará de Minas-MG)

REFORMA TRABALHISTA
Contrato de trabalho intermitente é constitucional, declara STF

Divulgação STF

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) validou dispositivos da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) que criaram o contrato de trabalho intermitente. O julgamento foi concluído na sessão virtual que terminou em 13/12.

O contrato de trabalho intermitente é uma modalidade de prestação de serviços em que o empregador convoca o trabalhador para prestar serviços quando necessário, com antecedência, e a remuneração é feita pelas horas efetivamente trabalhadas, sem recebimento de salário-base durante os períodos de inatividade.

Esse tipo de contrato prevê a subordinação e, apesar da flexibilidade, mantém os principais direitos trabalhistas, como férias, 13º salário, FGTS e outros benefícios, proporcionais ao tempo trabalhado. A regra é válida para todas as atividades, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

Proteção a trabalhadores na informalidade

Prevaleceu o entendimento do relator, ministro Nunes Marques, de que o contrato de trabalho intermitente não suprime direitos trabalhistas, nem fragiliza as relações de emprego. Segundo ele, essa modalidade de contratação oferece proteção, especialmente, aos trabalhadores que estejam na informalidade.

Marques destacou que o contrato intermitente assegura ao trabalhador os mesmos direitos que aos demais, como repouso semanal remunerado, recolhimentos previdenciários e férias e 13º salário proporcionais. Além disso, o salário-hora não pode ser inferior ao salário-mínimo ou ao salário pago no estabelecimento quem exerce a mesma função, mas em contrato de trabalho comum.

Para o ministro, a regra também contribui para reduzir o desemprego, pois as empresas podem contratar conforme a demanda, e os trabalhadores podem elaborar as próprias jornadas, tendo condições de negociar serviços mais vantajosos. Segundo ele, embora a contratação tradicional ofereça maior segurança, já que estabelece salário e jornada fixos, o novo tipo contratual eleva a proteção social em relação aos trabalhadores informais, que executam serviços sem nenhum tipo de contrato.

Vulnerabilidade social

Ficaram vencidos o ministro Edson Fachin (relator) e as ministras Rosa Weber (aposentada) e Cármen Lúcia. Para Fachin, a imprevisibilidade nesse tipo de relação de trabalho deixa o trabalhador em situação de fragilidade e vulnerabilidade social.

A decisão foi tomada nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs58265829 e 6154, apresentadas respectivamente, pela Federação Nacional do Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados do Petróleo, pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de Mesas Telefônicas (Fenatell) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI). Com informações de Pedro Rocha, da Assessoria de Imprensa do STF.