LIMITES EXTRAPOLADOS
Concordância dos herdeiros não afasta nulidade de doação que comprometeu a legítima

Ministra Nancy Andrighi, Foto: Agência CNJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a nulidade absoluta de doação inoficiosa feita por meio de escritura pública de partilha em vida, na vigência do Código Civil de 1916, ainda que os herdeiros tenham concordado na época com a divisão desigual dos bens e dado quitação mútua e plena, com renúncia a eventuais ações futuras. Em tais circunstâncias, segundo o colegiado, a doação não pode ser convalidada.

De acordo com os autos, um casal firmou escritura pública de partilha em vida, em 1999, doando seu patrimônio aos dois filhos. Acontece que, enquanto a filha recebeu imóveis no valor de R$ 39 mil, para o filho foram doadas cotas de empresas que correspondiam a mais de R$ 711 mil.

O recurso especial chegou ao STJ após o tribunal de origem julgar improcedente a ação declaratória de nulidade de doação inoficiosa ajuizada pela filha.

É possível favorecer um dos herdeiros

A relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que, para a verificação da validade da doação, deve ser considerado o momento da liberalidade, conforme a jurisprudência da corte. Assim, como a escritura pública de doação foi lavrada em 1999, as regras aplicáveis ao caso são as do Código Civil de 1916.

A ministra destacou que o artigo 1.776 daquele código (artigo 2.018 do CC/2002) dispõe que a partilha, por ato entre vivos, somente será válida se respeitar a legítima dos herdeiros necessários. Conforme explicou, a legítima corresponde à metade dos bens do doador existentes no momento da doação, a qual é reservada aos herdeiros necessários – ascendentes, descendentes, cônjuge –, e não pode ser livremente doada.

Assim, esclareceu a relatora que, desde que preservados os 50% do patrimônio legalmente comprometido, é possível que o doador beneficie mais um herdeiro do que outro. Nessa hipótese, deve haver a expressa dispensa de colação.

Nulidade absoluta do excesso de doação

Nancy Andrighi ressaltou que será inoficiosa a doação que extrapolar os limites da parte disponível da herança, atingindo a legítima dos herdeiros necessários, de acordo com o artigo 1.790, parágrafo único, do CC/1916.

A ministra apontou que, embora a expressão no atual código seja diferente, permanece o entendimento sobre a nulidade absoluta do excesso da doação. ‘‘Não restam dúvidas de que a doação que extrapolar a parte disponível será nula de pleno direito’’, completou.

Nesse sentido, a relatora destacou que o efeito principal do artigo 1.176 do CC/1916 (artigo 549 no atual código) é a nulidade do excesso que ultrapassou a parte disponível.

Prazo prescricional para declaração da nulidade

Apesar de não haver a possibilidade de convalidação de ato nulo, a ministra afirmou que, para propor ação que busque a decretação de nulidade da doação inoficiosa, o Código Civil de 1916 previa o prazo prescricional de 20 anos, contado do ato de liberalidade (artigo 177). No Código Civil de 2002, esse prazo foi reduzido para dez anos (artigo 205).

A relatora explicou que, para gerar efeitos jurídicos e legais, a partilha em vida que beneficie algum herdeiro necessário também deverá ser aceita expressamente pelos demais, além de o doador ter que dispensar a colação do patrimônio doado quando da abertura da sucessão hereditária.

No entanto, reconheceu a ministra, ‘‘eventual afronta à legítima não pode ser validada pelo consentimento dos signatários’’, sendo nula a doação que exceder a parte disponível. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2107070

RECONVENÇÃO PATRONAL
Embriaguez ao volante motiva justa causa, e trabalhador é condenado a ressarcir despesas com acidentes

Reprodução Site Concreserv

A 12ª Vara do Trabalho de São Paulo manteve justa causa aplicada a motorista de caminhão betoneira que ingeriu bebida alcoólica durante o expediente e se envolveu em dois acidentes de trânsito enquanto dirigia veículo da empresa Concreserv Concreto S/A (Em Recuperação Judicial). Em, em sede de reconvenção, condenou o trabalhador reclamante ao ressarcimento de despesas com os acidentes.

Na sentença, a juíza Renata Prado de Oliveira afirmou que a embriaguez em serviço, na função desempenhada, é fato grave o suficiente para caracterizar a dispensa motivada, afastando até mesmo a necessidade de observância da gradação de penalidades.

De acordo com os autos, em um dos sinistros, o empregado avançou sinal vermelho e colidiu em outro automóvel. Houve discussão entre os envolvidos, e o reclamante disse que, se o terceiro não retirasse o carro da frente do caminhão, iria passar por cima. Como o cenário permaneceu inalterado, o trabalhador arrancou com a betoneira, destruindo o retrovisor e a lateral inteira do veículo do outro condutor.

No segundo acidente, que aconteceu aproximadamente no mesmo horário, o autor bateu na traseira de um carro. Houve discussão entre os motoristas, e a vítima gravou imagens que mostravam o reclamante com sinais de embriaguez. Após deixar a área da ocorrência, o profissional foi seguido pelo condutor até o local de trabalho, onde houve novo desentendimento. Na ocasião, o empregado fez ameaças que foram registradas em vídeo.

Justa causa e ressarcimento de despesas

Em audiência, a testemunha da ré contou que, no dia seguinte ao ocorrido, o colega compareceu à empresa e confessou-lhe não se lembrar dos fatos, mas reconheceu que havia consumido cerveja e conhaque durante o horário de almoço e uma dose de cachaça antes de descarregar o caminhão.

Para a magistrada, a prova documental é robusta para comprovar a validade da justa causa patronal. Ela considerou vídeos, fotografias, boletim de ocorrência e declarações manuscritas dos colaboradores da ré que presenciaram as atitudes do autor da ação reclamatória. Pontuou que ficou demonstrado o envolvimento do reclamante em vários acidentes de trânsito durante a contratualidade, ‘‘o que, além de acarretar danos de grande monta em veículos de terceiros e nos caminhões que dirigia, revela também o comportamento desidioso do empregado ao longo de todo o pacto laboral’’.

Na sentença, a julgadora também avaliou e deferiu reconvenção da empresa, que pediu condenação do trabalhador para ressarcir despesas decorrentes de cinco acidentes de trânsito em que ele estava envolvido. Ela destacou que o contrato de trabalho previa autorização de descontos salariais em caso de danos causados por dolo ou culpa.

Assim, considerando que a ré comprovou a ocorrência de avarias a veículos da empresa por culpa do empregado, conforme boletins de ocorrência, orçamentos e termos de acordo extrajudicial firmados com os terceiros prejudicados, a juíza determinou o ressarcimento no valor de R$ 16.222,53.

O processo transitou em julgado. Redação Painel de Riscos com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

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ATOrd 1001096-15.2024.5.02.0712 (São Paulo)

REPERCUSSÃO GERAL
STF reafirma regras sobre alíquotas de frete para renovação da Marinha Mercante

Reprodução STF/Agencia-Marinha de Noticias

O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou entendimento de que a regra que estabelece que tributos só podem ser cobrados a partir de 90 dias da edição da lei que os instituíram ou do próximo exercício financeiro não se aplica às alíquotas do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) mantidas por decreto de 2023. A decisão, unânime, foi tomada pelo Plenário Virtual no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1527985.

O Tribunal já tinha entendimento sobre a matéria, mas agora ela foi julgada sob o rito da repercussão geral (Tema 1368). Assim, a tese fixada deve ser aplicada a todos os casos semelhantes em tramitação na Justiça.

Manutenção do índice

No caso em análise, o Sindicato de Exportação e Importação do Estado do Espírito Santo (Sindiex) questionava decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) que rejeitou pedido de um contribuinte para recolher o AFRMM com base no Decreto 11.321/2022, que reduzia as alíquotas pela metade.

De acordo com o TRF-2, esse decreto passaria a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2023, exatamente no dia em que foi expressamente revogado por outro decreto (Decreto 11.374/2023), que restabeleceu o valor integral do imposto. Isso afastaria o princípio da anterioridade, pois houve apenas a manutenção do índice que já vinha sendo pago pelos contribuintes.

No recurso, o sindicato defendeu que a revogação do Decreto 11.321/2022 representou aumento do tributo, ferindo o princípio da segurança jurídica e surpreendendo o contribuinte.

Jurisprudência

Em seu voto pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria e pela reafirmação do entendimento do Tribunal, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, lembrou que o tema já foi examinado na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 84. O caso dizia respeito à cobrança de alíquotas integrais do PIS e da Cofins promovida pelo Decreto 11.374/2023, que também revogou norma anterior.

O Tribunal entendeu que não houve criação nem majoração de tributo, porque as alíquotas anteriores já eram conhecidas pelos contribuintes, e o ato normativo que as havia reduzido foi revogado no mesmo dia em que entraria em vigor.

Tese

A tese de repercussão geral firmada foi a seguinte:

‘‘A aplicação das alíquotas integrais do AFRMM, a partir da revogação do Decreto nº 11.321/2022 pelo Decreto nº 11.374/2023, não está submetida à anterioridade tributária (exercício e nonagesimal)’’.

Com informações de Suélen Pires, da Assessoria de Imprensa do STJ.

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ARE 1527985

AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Acordo histórico entre MPT e Petrobras encerra processo que se arrastava há 25 anos em MG

Divulgação Minaspetro

Na tarde de 19 de março de 2025, após uma longa audiência de mais de três horas, foi homologado um acordo judicial de grande impacto no Centro Judiciário de Métodos Consensuais de Solução de Disputas do 1º Grau (Cejusc-1) do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais).

O compromisso firmado põe fim a uma ação civil pública (ACP) ajuizada no ano 2000 pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra a Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras, envolvendo questões trabalhistas na Refinaria Gabriel Passos (Regap), localizada em Betim/MG.

Homologado pela juíza do trabalho Hadma Christina Murta Campos, o acordo representa a solução consensual de um processo que se arrastou por mais de duas décadas. Ele visa resolver disputas sobre condições de trabalho, jornada laboral e exposição a riscos químicos, além de ajustar as obrigações da empresa às mudanças introduzidas pela Reforma Trabalhista de 2017.

Principais cláusulas do acordo

  1. Contratação de mão de obra
    A Petrobras se comprometeu a contratar 136 novos empregados para reforçar os quadros da Regap, sendo 76 deles já em fase de capacitação. A iniciativa busca garantir condições de trabalho mais seguras e adequadas.
  2. Monitoramento da exposição ao benzeno
    A refinaria manterá um rigoroso controle sobre a exposição dos trabalhadores ao agente benzeno, incluindo os resultados nos exames ocupacionais.
  3. Compensação financeira
    A empresa realizará um pagamento a título de danos extrapatrimoniais coletivos. O montante será destinado a projetos sociais voltados para emprego, renda, educação e saúde nas regiões de Ibirité, Sarzedo, Belo Horizonte, Contagem e Betim. Os recursos serão geridos pelo Comitê Gestor de Brumadinho, que já atua na aplicação de verbas em projetos sociais para a região de Brumadinho e todo o Vale do Rio Paraopeba. O Sindipetro/MG poderá apresentar projetos e indicar entidades interessadas na destinação dos recursos, além de participar das reuniões deliberativas do Comitê.
  4. Reversão de multas e renúncia a crédito
    Multas por eventuais descumprimentos serão destinadas ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou a programas sociais. Além disso, a Petrobras renunciou a crédito constituído contra o Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais (Sindipetro/MG), pondo fim a outro litígio.

Impacto e significado do acordo

O processo teve início em 2000 e, ao longo dos anos, passou por diversas perícias e procedimentos de fiscalização do meio ambiente de trabalho na Regap. A homologação do acordo encerra definitivamente a ação civil pública e o procedimento administrativo relacionado, colocando fim a um dos mais longos litígios trabalhistas envolvendo a estatal, trazendo segurança jurídica para as partes e avanços significativos para os trabalhadores da Regap.

A juíza do trabalho Hadma Christina Murta Campos, que presidiu a audiência, destacou que a homologação não exime a Petrobras de cumprir continuamente todas as normas de saúde e segurança dos trabalhadores e a legislação trabalhista vigente. Além disso, ressaltou que o ajuste ‘‘coloca fim a um litígio complexo, equilibrando responsabilidades empresariais e direitos coletivos’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

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ACPCiv 0136400-31.2000.5.03.0028 (Betim-MG)

IMPRUDÊNCIA EM SÉRIE
TRT-RS confirma demissão por justa causa de motorista que causou três acidentes no mesmo dia

O empregador não tem a obrigação de aplicar penas gradativas, antes de optar pela demissão por justa causa, se o empregado comete três faltas graves no mesmo dia, quebrando totalmente a fidúcia exigida no contrato de trabalho.

A conclusão é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) ao manter sentença da 7ª Vara do Trabalho de Porto Alegre que confirmou a legalidade do ato de dispensa por justa causa de um motorista da Obra Social Imaculado Coração de Maria (Osicom). O motorista, que transportava crianças na Kombi da instituição de caridade, deu causa a três acidentes de trânsito no mesmo dia, incluindo um atropelamento, sem prestar socorro à vítima.

Os desembargadores consideraram que o motorista agiu com imprudência. A justa causa foi fundamentada em mau procedimento e desídia, conforme previsto no artigo 482, alíneas ‘‘b’’ e ‘‘e’’, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Em sua defesa, o motorista alegou que fazia uso de remédio para diabetes que lhe provocava enjoos e desmaios. Segundo ele, no dia dos acidentes, sofreu ‘‘apagões’’, o que teria causado uma das colisões e o atropelamento. A primeira colisão, por sua vez, teria ocorrido porque uma das crianças que estava na Kombi o distraiu ao tocar em seu ombro.

No entanto, o juízo de primeiro grau destacou que o trabalhador não apresentou nenhuma prova que sustentasse as suas alegações. Durante o seu depoimento, o próprio motorista admitiu que o primeiro acidente não foi causado pelos ‘‘apagões’’, mas por distração. Além disso, ele não relatou a ninguém que estava se sentindo mal ou com algum desconforto no dia dos incidentes.

Sem prova dos ‘‘apagões’’

Com base nesses elementos, o juiz do trabalho André Ibanos Pereira concluiu que a conduta imprudente do motorista justificava a despedida por justa causa, enquadrada no artigo 482, alínea ‘‘b’’, da CLT, por mau procedimento.

O trabalhador recorreu da sentença ao TRT-RS. A relatora do caso na 2ª Turma, desembargadora Tânia Regina Silva Reckziegel, afirmou que a ocorrência dos acidentes é incontroversa. A magistrada enfatizou que o próprio motorista confessou que o primeiro acidente não decorreu dos alegados desmaios, mas de distração.

‘‘Não se demonstra crível a alegação de que os demais acidentes foram provocados por ‘apagões’ sofridos pelo reclamante. Isso porque a perda de consciência levaria à total perda de controle do veículo e não apenas o lapso para o atropelamento. O próprio relato do reclamante torna ainda mais inverossímil a perda de memória pontual e específica’’, argumentou a desembargadora.

Ela também observou que o motorista não havia informado à empregadora sobre o seu mal-estar, o que evidenciava sua imprudência em relação à atividade que desempenhava. A magistrada destacou que a conduta imprudente do motorista não afetou apenas a esfera econômica, mas colocou em risco a integridade coletiva e a vida das crianças que transportava.

‘‘Não se demonstra razoável exigir da reclamada a gradação da sanção na hipótese, porquanto seria admitir que a ré autorizasse a exposição da integridade da coletividade por vezes suficientes a ensejar a progressividade da penalidade, o que foge do dever incumbido ao empregador de zelar pela higidez do meio ambiente laboral. Ademais, ressalta-se a ocorrência de três acidentes de trânsito em um mesmo dia. Com efeito, a atuação obreira é de intensa e enfática gravidade a não viabilizar a gradação na sanção, tendo em vista o rompimento definitivo da fidúcia inerente ao contrato de trabalho’’, pontuou no acórdão.

Diante disso, a Turma, por unanimidade, entendeu aplicável a justa causa, tendo em vista o rompimento definitivo da confiança própria do contrato de trabalho.

Também participaram do julgamento o desembargador Gilberto Souza dos Santos e a desembargadora Cleusa Regina Halfen.

Não foi interposto recurso do acórdão quanto à decisão da justa causa. Com informações da redação de Painel de Riscos e Bárbara Frank (Secom/TRT-4).

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ATOrd 0020805-14.2023.5.04.0007 (Porto Alegre)