CRUZEIRO DO SUL
Resgate antecipado de R$ 190 milhões de CDBs não vencidos às vésperas da falência do banco é ato ineficaz

A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve decisão da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Capital, proferida pelo juiz Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho, que declarou a ineficácia do pagamento antecipado de Certificados de Depósito Bancários (CDBs) não vencidos feito pelo Banco Cruzeiro do Sul (antes da falência), sob Regime de Administração Especial Temporária (RAET), em favor do Gama Fundo de Investimento Multimercado Crédito Privado.

O Gama e o Fundo Garantidor de Crédito FGC – seu único cotista e administrador do Banco Cruzeiro do Sul à época do RAET – foram condenados a restituir, solidariamente, o valor de R$ 190 milhões pagos antecipadamente.

Na decisão, o relator do recurso no TJSP, desembargador Azuma Nishi, apontou que o ponto central da demanda é entender se houve irregularidade no resgate dos CDBs pelo banco antes da falência.

Para Azuma Nishi, permitir a eficácia do resgate em período suspeito ‘‘representaria afronta a toda dinâmica estabelecida na legislação falimentar, que tem como pedra de toque a par conditio creditorum’’. Trata-se de um princípio jurídico que determina que os credores de um devedor devem ser tratados de forma igual. É também conhecido como princípio da igualdade entre credores.

‘‘É certo que o resgate, puro e simples, não revela contornos de ilicitude quando considerado isoladamente sob a ótica das disposições contratuais. (…) Entretanto, a irregularidade ou ineficácia reconhecida em primeiro grau se descortina ao se considerar que o resgate da vultosa quantia de R$ 190 milhões foi realizado às vésperas da falência do BCSUL. Ao ponderar essas circunstâncias concretas, é possível chegar à mesma conclusão adotada na decisão agravada, no sentido de que o FGC, na condição de único cotista [do fundo], operacionalizou o resgate antecipado de CDBs de forma a beneficiar seus próprios interesses em detrimento de toda a coletividade de credores da massa falida que estava na iminência de se formar’’, destacou.

‘‘Com efeito’’, escreveu o relator, ‘‘a massa falida subjetiva – isto é, a coletividade de credores – ficou alijada de tal importância, que seria assaz útil para o pagamento equitativo de inúmeros credores’’.

Completaram a turma julgadora os desembargadores Fortes Barbosa e Rui Cascaldi.

A votação foi unânime. Redação Painel de Riscos com informações da Comunicação Social do TJSP.

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2307256-81.2023.8.26.0000 (São Paulo)

EXECUÇÃO TRABALHISTA
Herdeiro que renunciou formalmente à herança não é responsável por dívidas do espólio

A renúncia ao quinhão hereditário por parte do herdeiro afasta, por óbvio, a sua responsabilidade quanto aos débitos do espólio.

Com isso, a 16ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo) acolheu agravo de petição e afastou a responsabilidade, em processo de execução trabalhista, de herdeiro que renunciou à sua parte na herança.

Segundo o colegiado de segundo grau, o ato de renúncia homologado na partilha (em 2016) o retira da condição de responsável quanto aos débitos do espólio.

A ação foi ajuizada na 1ª Vara do Trabalho do Guarujá-SP por uma promotora de vendas que atuou entre 2017 e 2019 na empresa Santar Comércio de Gêneros Alimentícios, pertencente à família executada.

Após dispensa sem justa causa, ela pleiteou e teve aceitos os pedidos para pagamento de verbas rescisórias, diferenças do FGTS, multas dos artigos 467 e 477 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), reembolso de despesas e indenização por dano moral por atraso reiterado dos salários.

A empregada buscou, ainda, a desconsideração da personalidade jurídica da ré, sob alegação de fraude pela saída de alguns integrantes da sociedade, entre eles o agravante – filho do dono.

O juízo de primeiro grau pontuou que a retirada de sócios ocorreu em 2004, muito antes da contratação da promotora, que se deu em 201). Por isso, não haveria elementos para inclusão de ‘‘terceiros estranhos’’ ao quadro societário da empresa na execução, respondendo apenas os integrantes atuais pela insolvência.

Entretanto, decisão posterior proferida na mesma vara acolheu os argumentos da reclamante e entendeu a renúncia do herdeiro como ato fraudulento, uma vez que o nome dele ainda constava em empresas do falecido. Assim, o entendimento foi de que ele responde como único e exclusivo proprietário do estabelecimento atualmente.

No segundo grau, porém, a desembargadora-relatora Fernanda Oliva Cobra Valdívia pontuou que ‘‘a renúncia manifestada pelo agravante quanto ao seu quinhão hereditário foi devidamente homologada pelo juiz de direito […], não cabendo […] discussão neste quadrante acerca da forma utilizada, nem tão pouco quanto à imputada natureza fraudulenta’’.

Por unanimidade de votos, os magistrados reformaram a sentença e excluíram o herdeiro do polo passivo da execução. Redação Painel de Riscos com informações da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-2.

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ATSum 1001150-26.2019.5.02.0301 (Guarujá-SP)

OBESIDADE & GÊNERO
Trabalho de faxineira não é leve aos olhos do Direito Previdenciário, decide TRF-4

Reprodução Diarista Online

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O Enunciado 47 da I Jornada de Direito da Seguridade Social, do Conselho da Justiça Federal (CJF), diz que nas ações previdenciárias, em que for parte ativa uma mulher, o juiz deve valorar a prova médica em consonância com o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O objetivo: rechaçar conclusões que tratem das atividades domésticas e de cuidado como improdutivas ou como tarefas leves; isto é, como se não demandassem esforço físico médio ou intenso.

Com a força deste entendimento, a 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) reformou sentença da Vara Única de Abelardo Luz (SC) que negou a concessão de auxílio-doença a uma faxineira obesa que padece de síndrome do túnel do carpo (STC) que a torna inapta para o trabalho.

A Vara pertence à Justiça Comum catarinense e julga Direito Previdenciário por competência delegada da Justiça Federal.

Dores persistentes

Conforme o processo, a faxineira se queixa de dores em ambos os punhos, há mais de três anos, com diagnóstico de STC e correção cirúrgica em 2021 – mas sem melhora. Ela ainda fez tratamento com fisioterapia e medicação para dor (paracetamol + fosfato de codeína). Pela gravide do quadro, apresenta restrição para carregar peso e para atividades manuais, mesmo que em funções leves.

O laudo pericial concluiu, no entanto, que a autora da ação, dada à ausência de alterações significativas dos exames físicos, não apresentava incapacidade para o trabalho. Na verdade, os documentos mostram que as doenças informadas na petição inicial – síndrome do túnel do carpo, obesidade grau III, cisto artrossinovial e epicondilite medial – não levavam à incapacidade naquele momento ou em data anterior. Ou seja, estas patologias se mostravam controladas pelo tratamento já realizado, sem agravamento do quadro médico. Assim, não poderia se falar em afastamento do trabalho.

‘‘Verifica-se, assim, que não apresenta a parte autora moléstia que a incapacite ao exercício das suas atividades laborativas, razão pela qual deve prevalecer a decisão administrativa que negou o benefício’’, sintetizou, na sentença de improcedência, o juiz substituto William Borges dos Reis

Des Paulo Afonso Brum Vaz foi o relator
Foto: ACS/TRF-4

Perspectiva de gênero

O relator da apelação no TRF-4, desembargador federal Paulo Afonso Brum Vaz, disse que o médico que assinou o laudo pericial se esqueceu de mencionar o grau de obesidade mórbida da autora da ação – índice de massa corporal (IMC) de 45,91, em razão do peso de 125kg e altura de 1,65m.

Em face deste lapso – e amparado na jurisprudência da Corte regional –, Vaz lembrou que o julgador não está obrigado a se guiar pelas conclusões do laudo médico pericial, podendo discordar de forma fundamentada. Aliás, é o que prevê o artigo 479 do Código de Processo Civil (CPC).

Nesse passo, a seu sentir, a confirmação da sentença de improcedência se constituiria em séria violação ao Protocolo de Julgamento em Perspectiva de Gênero e reconhecido no Enunciado 47 da I Jornada de Direito da Seguridade Social do CJF.

‘‘Ademais, não se pode perder de vista que, diante desse quadro clínico, é evidente que a demandante não poderá exercer atividade laboral, pois não se pode obrigar o ser humano a trabalhar acometido de grave quadro álgico [dores constantes], aliado a todos os fatores de risco associados à obesidade mórbida, amplamente reconhecidos pela comunidade científica’’, cravou no acórdão.

Com isso, Vaz reconheceu a ‘‘efetiva incapacidade temporária para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, o restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária, desde a 15-10-2021’’.

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5003481-68.2022.8.24.0001 (Abelardo Luz-SC)

 

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PROCESSOS FRAUDULENTOS
Juiz pode exigir documentos para coibir litigância abusiva, decide STJ

Ministro Moura Ribeiro foi o autor da tese
Foto: Imprensa/STJ

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o rito dos recursos repetitivos (Tema 1.198), fixou a tese segundo a qual, ‘‘constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova’’.

Com a definição da tese, podem voltar a tramitar os processos que estavam suspensos à espera da fixação do precedente qualificado. O entendimento deverá ser observado pelos tribunais de todo o país na análise de casos semelhantes.

A tese aprovada teve origem no voto do ministro Moura Ribeiro, que, embora não integre a Corte Especial – formada pelos 15 ministros mais antigos do STJ –, participou do julgamento por ser relator do caso que a Segunda Seção, especializada em direito privado, afetou ao órgão julgador máximo do tribunal.

STF e STJ admitem exigência de documentos para comprovar interesse de agir

O ministro afirmou que, em sociedades de massa, é natural o surgimento de demandas e litígios igualmente massificados: ‘‘Essa litigância de massa, conquanto apresente novos desafios ao Poder Judiciário, constitui, inegavelmente, manifestação legítima do direito de ação’’.

No entanto, o relator apontou que, em diversas regiões do país, tem havido uma avalanche de processos infundados, caracterizados pelo uso abusivo da advocacia, sem respaldo no legítimo direito de ação. Segundo ele, tais demandas não apenas dificultam a prestação de uma jurisdição efetiva, mas também geram sérios problemas de política pública, conforme identificado por órgãos de inteligência de vários tribunais.

Nesse contexto, o ministro ressaltou que a possibilidade de o juiz exigir documentos para comprovar o interesse de agir ou a verossimilhança do direito alegado já foi admitida tanto pelo STJ quanto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em diferentes situações, como ações de prestação de contas ou de exibição de documentos, pedidos de benefícios previdenciários ou de indenização por falhas no credit scoring.

Para coibir o uso fraudulento do processo, Moura Ribeiro defendeu a fixação de um precedente qualificado pelo STJ que autorize o magistrado a exigir do autor da ação a apresentação de documentos como extratos bancários, cópias de contratos, comprovante de residência e procuração atualizada com poderes específicos, sempre considerando as particularidades de cada caso. Por ser definida em recurso repetitivo, a tese deverá ser aplicada em todos os processos semelhantes.

Risco de excessos não justifica interdição do poder-dever do magistrado

O ministro também enfatizou que uma procuração concedida para determinada causa, em regra, não se estende automaticamente a outras ações distintas e desvinculadas, uma vez que, conforme o artigo 682, IV, do Código Civil, o mandato se extingue após a execução do negócio para o qual foi concedido. Assim, se o advogado apresentar uma procuração muito antiga, permitindo desconfiar que não exista mais relação atual com o cliente, ‘‘é lícito ao juiz determinar que a situação seja esclarecida, com juntada de um eventual novo instrumento’’, disse o relator.

Moura Ribeiro afirmou que essa cautela está em conformidade com princípios constitucionais, como o acesso à Justiça, a proteção do consumidor e a duração razoável do processo, alinhando-se ainda aos preceitos legais que privilegiam o julgamento do mérito e impõem o dever de cooperação entre as partes para garantir o regular andamento da ação.

Por fim, o ministro reconheceu que o risco de exigências judiciais excessivas, assim como o de decisões equivocadas, é uma realidade inerente ao Sistema de Justiça. No entanto, ele defendeu que esse risco deve ser controlado caso a caso, sem se tornar um obstáculo à adoção de boas práticas na condução judicial do processo.

‘‘O que não se pode admitir é que o mero risco de decisões judiciais excessivas justifique, antecipadamente, a interdição do poder-dever que o magistrado tem de conduzir e presidir o feito, o qual foi reconhecido por lei e está devidamente respaldado por princípios de envergadura constitucional. Eventuais excessos hão de ser controlados, repita-se, de forma pontual em cada caso concreto’’, concluiu. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 2021665

SÚMULA 372
Período de aposentadoria por invalidez conta para incorporação de gratificação de bancário

Divulgação TST

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenou uma instituição financeira a pagar a um escriturário as diferenças salariais decorrentes da integração da gratificação de função ao salário por tê-la recebido por mais de 10 anos.

Para deferir a integração, o colegiado considerou que ele recebeu a parcela no exercício da função e no período em que estava com contrato suspenso em razão de aposentadoria por invalidez.

Empregado ficou afastado por invalidez por cinco anos

O trabalhador disse na ação que, em abril de 1999, passou a exercer o cargo comissionado, mas, em 2004, foi afastado por aposentadoria por invalidez motivada por doença. Com a saúde recuperada, voltou ao trabalho em dezembro de 2009, mas já sem a função.

O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO) julgaram improcedente o pedido. Para o TRT, não caberia considerar o período em que o empregado esteve com o contrato suspenso, mesmo que tenha recebido a gratificação, porque a contagem dos 10 anos diz respeito à função na ativa.  No período da aposentadoria, não houve efetivo exercício.

Tempo no cargo e na aposentadoria por invalidez contam

O ministro Hugo Scheuermann, relator do recurso de revista do bancário, destacou que, conforme registrado pelo TRT, o bancário recebeu a gratificação de função por mais de 10 anos, considerando a soma dos dois períodos. A Súmula 372 do TST, por sua vez, prevê que a incorporação da parcela recebida por 10 anos ou mais se o empregador, sem justo motivo, reverter o empregado a seu cargo efetivo.

‘‘O que se visou garantir com esse verbete foi a estabilidade financeira do empregado e a irredutibilidade do seu salário, de modo que o requisito bastante para a incorporação é a sua percepção, e não o seu exercício, por pelo menos 10 anos’’, concluiu o relator.

A decisão foi unânime. Com informações de Guilherme Santos, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.