RESTRIÇÃO DA LIBERDADE
Empregado de plantão por celular tem direito a sobreaviso, mesmo fora de casa

O empregado que permanece em seu horário de descanso em regime de plantão pelo telefone celular, aguardando chamado para o serviço, sofre restrição na sua liberdade de locomoção, pois não pode viajar, por exemplo, nem permanecer em local que não tenha sinal de celular, razão pela qual faz jus a horas de sobreaviso, por aplicação analógica do artigo 244, parágrafo 2º, da CLT (exegese da Súmula 428, inciso II, do TST).

O entendimento é da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (TRT-12, Santa Catarina), em caso envolvendo um analista de dados que precisava estar disponível aos sábados, fora do expediente, para eventuais demandas do empregador.

O caso aconteceu em Florianópolis, envolvendo uma empresa do ramo de teleatendimento. Ao procurar a Justiça do Trabalho, o autor da ação reclamatória afirmou que, ao longo dos quase sete anos de vigência do contrato, durante as manhãs de sábado (das 9h às 12h), deveria pontualmente manter-se disponível com o aparelho celular.

Uma testemunha ouvida no processo confirmou a exigência, acrescentando que, diante de falhas no sistema, era comum que tanto ela quanto o autor fossem acionados para resolvê-las ‘‘o mais rápido possível’’. Também foi relatado que, quando chamados, eles trabalhavam efetivamente pelo período de uma a duas horas.

Primeiro grau

No primeiro grau, a 6ª Vara do Trabalho de Florianópolis reconheceu o direito a horas extras pelo trabalho efetivamente realizado aos sábados, mas negou o pedido de sobreaviso.

Segundo a sentença, para o pagamento do tempo à disposição, o artigo 244 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) exige expressamente que o empregado permaneça ‘‘em casa aguardando ordens’’, o que não se aplicaria ao caso, já que o trabalhador podia se movimentar e ser localizado por celular.

Restrição à locomoção

Inconformado com a decisão, o trabalhador recorreu para o segundo grau. No recurso, argumentou que, conforme entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (Súmula 428), para configurar tempo à disposição, é suficiente que o empregado esteja fora do ambiente de trabalho, mas sujeito ao controle do empregador por meios eletrônicos, aguardando possível convocação durante o período de descanso.

O argumento foi acolhido pela 3ª Turma do TRT-SC, que reformou a sentença de primeiro grau neste aspecto. Para o relator, desembargador José Ernesto Manzi, mesmo sem a obrigação de permanecer em casa, a situação descrita no processo evidenciou uma ‘‘restrição na liberdade de locomoção’’, já que o trabalhador, durante aquele período, ‘‘não pode viajar, por exemplo, nem permanecer em local que não tenha sinal de celular’’.

Como o primeiro grau já havia reconhecido que, aos sábados, o trabalhador, de fato, prestava serviços por cerca de uma hora e meia, restaram outras uma hora e meia em que ele não trabalhava diretamente, mas precisava estar disponível. Sobre esse período, o colegiado determinou que fosse pago ao trabalhador com um adicional de 33% do valor da hora normal, percentual que é previsto na CLT para os casos de sobreaviso.

A empresa não recorreu da decisão neste aspecto. Redação Painel de Riscos com informações de Carlos Nogueira, da Secretaria de Comunicação Social (Secom)/TRT-12.

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ATOrd 0000601-97.2024.5.12.0036 (Florianópolis)

ADITAMENTO AO CONTRATO
STJ valida exclusão extrajudicial de sócio de clínica baseada em estatuto, mas sem registro na Junta Comercial

Ministro Villas Bôas Cueva foi o relator
Foto: Reprodução/CJF

​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que foi válida a exclusão de um sócio, por falta grave, realizada com base em estatuto que havia sido assinado por todos os sócios de uma clínica médica, mas sem o devido registro na Junta Comercial do Distrito Federal.

Na origem do caso, um grupo de pessoas constituiu a sociedade e registrou o contrato social na Junta Comercial. Logo após o registro, foi firmado um documento – chamado de estatuto – que previa a possibilidade de exclusão extrajudicial dos sócios, o que veio efetivamente a acontecer com um deles.

Na ação ajuizada para anular a sua exclusão, o sócio excluído alegou que essa hipótese não era contemplada no contrato social, mas tanto o juízo de origem quanto o tribunal de segundo grau julgaram o pedido improcedente.

No STJ, o recorrente insistiu na tese de que a sua exclusão da sociedade teria sido nula por se basear em um documento que, além de não ter sido registrado no órgão competente, não seria capaz de substituir o contrato social.

O relator do recurso especial (REsp), ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, reconheceu a necessidade de a exclusão extrajudicial de sócio ser prevista em contrato social, de acordo com o artigo 1.085 do Código Civil (CC). Todavia, no caso analisado, ele entendeu que o estatuto deve ser admitido como um aditamento ao contrato, o que afasta a hipótese de nulidade por falta de alguma solenidade prevista em lei.

Estatuto possui formalidades de um contrato social

O ministro observou que, logo após a constituição da sociedade, foi assinado por todos os sócios um documento ao qual se deu o nome de estatuto e que se revestiu de todas as formalidades exigidas por lei, tornando-se apto a complementar – ou até mesmo alterar – o contrato social, sendo ainda passível de registro.

Segundo o relator, os sócios tinham conhecimento das possibilidades de exclusão e podiam avaliar os riscos decorrentes dessa norma.

No caso em discussão, Villas Bôas Cueva afirmou que o estatuto não pode ser classificado como um simples acordo de sócios, já que ele trata de matérias típicas de contrato social, e não apenas de interesses particulares dos sócios no exercício dos poderes sociais.

Para o ministro, não faria sentido os sócios firmarem um acordo com o propósito de contrariar o contrato social recém-assinado, sendo mais plausível a ideia de que pretenderam complementá-lo.

Sócios sofrem imediatamente os efeitos das alterações contratuais

De acordo com o relator, os efeitos decorrentes das alterações do contrato social em relação aos sócios são imediatos, mesmo que o registro seja posterior, enquanto, em relação a terceiros, valem a partir do seu arquivamento. ‘‘A falta do registro de alteração no contrato social não impede, em regra, que desde logo gere efeitos internos entre os sócios’’, ressaltou.

Villas Bôas Cueva apontou que a exclusão do sócio foi levada a registro juntamente com a formalização da alteração do contrato social e redução do capital, resguardando eventuais direitos de terceiros que viessem a fazer negócios com a sociedade. Com informações da Secretaria de Comunicação Social do STJ.

Processo sob segredo de justiça

DIREITO DE DEFESA
Vendedor consegue perícia em conversa de WhatsApp para provar pagamentos ‘‘por fora’’

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) determinou que a Justiça do Trabalho na Bahia autorize a realização de perícia para verificar a autenticidade de conversas entre um vendedor e sua gerente sobre pagamentos ‘‘por fora’’ – sem registro formal. Ao anular a decisão que havia negado o pedido, o colegiado concluiu que o indeferimento da medida violou o direito de defesa do trabalhador.

Perícia comprovaria conversa com gerente

O vendedor entrou na Justiça para reclamar, entre outras parcelas, a integração aos salários de valores recebidos ‘‘por fora’’ da Pererê Peças Motociclo Ltda., de Feira de Santana (BA). Segundo ele, além da quantia declarada no contracheque, a empresa enviava mensalmente, pelos Correios, a diferença de comissões em dinheiro vivo. Como prova, anexou prints de conversa no WhatsApp em que a gerente administrativa autoriza a retirada de valores no setor de cobrança da empresa, por conta de uma greve dos Correios.

A empresa, em sua contestação, negou que fizesse pagamentos ‘‘por fora’’ e questionou a veracidade das conversas por WhatsApp.

Por isso, o trabalhador pediu que a gerente fosse chamada a confirmá-las e, caso se recusasse, que fosse feita uma perícia no seu telefone. Pediu, ainda, que a medida se estendesse aos computadores e ao email do próprio vendedor, para onde ele havia exportado as conversas.

Prints foram rejeitados como prova

O pedido de perícia foi negado pelo juiz, que afastou a possibilidade de quebra do sigilo de comunicações telefônicas no processo trabalhista. Segundo seu entendimento, uma ata notarial (documento público que registra a narração de fatos presenciados por um tabelião) com o conteúdo das mensagens substituiria essa diligência.

Os prints também foram rejeitados como prova, e o pagamento por fora não foi reconhecido.

Ao manter a sentença, o TRT baiano entendeu que eles eram apenas arquivos de imagem que poderiam ser manipulados e adulterados para excluir mensagens enviadas e recebidas ‘‘sem deixar qualquer vestígio’’.

Indeferimento de perícia violou direito de defesa

No recurso ao TST, o vendedor alegou que teve o seu direito de defesa cerceado com a recusa e argumentou que os cartórios de sua cidade cobram caro por uma ata notarial.

A relatora do caso no TST, ministra Kátia Arruda, observou que tanto a Constituição Federal quanto o Código de Processo Civil (CPC) asseguram o direito ao contraditório e à ampla defesa e o direito de empregar todos os meios legais para provar a verdade dos fatos que alega, cabendo ao juiz determinar a produção das provas necessárias para o julgamento.

‘‘Evidentemente, não é inútil ou protelatória prova pericial que objetiva verificar a veracidade de conversa de WhatsApp não reconhecida pela parte contrária e que, em tese, poderia confirmar as alegações do interessado’’, afirmou.

Para a relatora, ainda que o juiz considere que outro meio de prova pudesse ter sido providenciado, o indeferimento da prova pedida pelo trabalhador violou o seu direito de defesa.

A decisão foi unânime. Redação Painel de Riscos com informações de Carmem Feijó, da Secretaria de Comunicação (Secom) do TST.

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ATOrd 0000090-32.2021.5.05.0511 (Eunápolis-BA)

DOENÇA INCAPACITANTE
​Aché vai pagar R$ 300 mil e pensão vitalícia à mulher sequelada por testes clínicos em Goiás

Se o participante de um estudo clínico desenvolve doença rara e incapacitante, é dever do patrocinador bancar o seu tratamento de saúde e a indenizá-lo, como sinaliza a Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 9/2015, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Assim, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, confirmou a condenação do Aché Laboratórios Farmacêuticos S. A. a pagar R$ 300 mil de indenização para a participante de uma pesquisa clínica que desenvolveu doença dermatológica rara e incapacitante, além de pensão vitalícia.

A mulher relatou os primeiros sinais da doença dez dias após a segunda rodada de aplicação do medicamento drospirenona + etinilestradiol, uma formulação amplamente utilizada em anticoncepcionais orais. O estudo visava avaliar a biodisponibilidade e a eficácia de um medicamento similar, que seria lançado pelo laboratório.

Diante dos problemas verificados, ela acionou a Justiça para obter o custeio integral dos tratamentos dermatológico, psicológico e psiquiátrico, além de indenizações por danos morais, estéticos e psicológicos.

O Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) reconheceu o nexo causal entre o uso do medicamento e o surgimento da doença e condenou o laboratório a indenizar a vítima em R$ 300 mil, além de pagar pensão vitalícia de cinco salários mínimos, devido à redução da capacidade de trabalho causada pelas sequelas irreversíveis.

Ao STJ, o laboratório alegou que o TJGO inverteu indevidamente o ônus da prova, exigindo a produção de uma prova negativa, o que seria impossível. Além disso, argumentou que os valores da condenação deveriam ser reduzidos, pois a renda da vítima era inferior a um salário mínimo antes da pesquisa, e a manutenção integral da decisão do TJGO representaria enriquecimento ilícito, contrariando a própria jurisprudência do STJ.

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa/STJ

Pesquisas com seres humanos devem garantir condições de tratamento

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a fragilidade da perícia realizada impediu a confirmação, com grau de certeza, do nexo causal entre a administração do medicamento e o desenvolvimento da doença. No entanto, a ministra enfatizou que o TJGO, ao considerar outros elementos que endossavam as alegações da vítima, atribuiu ao laboratório o risco pelo insucesso da perícia, determinando que arcasse com as consequências de não ter demonstrado a inexistência do nexo causal – prova que lhe seria favorável, conforme a dimensão objetiva do ônus da prova.

Além disso, a ministra destacou que a RDC 9/2015 da Anvisa, em seu artigo 12, estabelece que o patrocinador é responsável por todas as despesas necessárias para solucionar os eventos adversos decorrentes do estudo clínico, como exames, tratamentos e internações.

Nancy Andrighi também apontou que a Resolução 466/2012 do CNS exige que as pesquisas com seres humanos, em qualquer área do conhecimento, garantam acompanhamento, tratamento, assistência integral e orientação aos participantes, inclusive nas pesquisas de rastreamento.

Segundo ela, a Resolução ‘‘responsabiliza o pesquisador, o patrocinador e as instituições e/ou organizações envolvidas nas diferentes fases da pesquisa pela assistência integral aos participantes, no que se refere às complicações e aos danos decorrentes, prevendo, inclusive, o direito à indenização’’.

Reconhecida a incapacidade permanente, é devida a pensão vitalícia

Por fim, a relatora destacou que o pensionamento mensal de cinco salários mínimos não configura enriquecimento sem causa, uma vez que, ao determiná-lo, o TJGO levou em consideração não apenas a subsistência da autora, mas também o valor necessário para cobrir os tratamentos médicos exigidos pelo seu quadro.

‘‘Reconhecida a incapacidade permanente da autora, é devido o arbitramento de pensão vitalícia em seu favor, segundo a orientação jurisprudencial do STJ, não havendo, pois, o limitador da expectativa de vida’’, concluiu ao negar provimento ao recurso. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2145132

SÃO PAULO
Lei que pune empresas que usam produto de trabalho escravo é constitucional, decide STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, nesta quarta-feira (94), a constitucionalidade de uma lei do Estado de São Paulo que prevê a possibilidade de cancelamento do cadastro de ICMS de empresas que comercializem produtos oriundos de trabalho escravo ou em condições análogas à escravidão. A decisão foi proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5465.

Por 10 votos a 1, o Plenário, seguindo o relator, ministro Nunes Marques, considerou válidas as sanções da Lei 14.946/2013, por serem administrativas, não criminais.

Sanções

Além do cancelamento do cadastro, a norma também permite a imposição de sanção que proíbe a empresa e seus sócios de atuarem no mesmo ramo de atividade por até dez anos, inclusive por meio da abertura de nova empresa.

Na ADI 5465, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) argumentava que a norma violaria a separação dos poderes ao dar a um órgão estadual a função, exclusiva da União, de fiscalizar e punir crimes relacionados às condições de trabalho.

Processo administrativo

Para o STF, a lei paulista não quebra a separação dos poderes, já que a investigação e o reconhecimento do trabalho escravo continuam sendo responsabilidade dos órgãos federais.

Contudo, a aplicação da sanção relativa ao cadastro do ICMS depende da comprovação, em processo administrativo que assegure o contraditório e a ampla defesa, de que a empresa tinha conhecimento, ou ao menos indícios suficientes para suspeitar, da utilização de trabalho escravo na cadeia produtiva das mercadorias. Para que a penalidade de proibição de atuar no mesmo ramo seja aplicada, é necessário demonstrar a possibilidade de identificar a prática irregular na origem dos produtos comercializados.

Julgamento

O caso começou a ser julgado no mês passado, mas foi interrompido após o ministro Gilmar Mendes solicitar mais tempo para analisar a questão. Ele devolveu o processo à pauta do Plenário nesta quarta e, assim como a maioria formada na primeira sessão, votou alinhado com o ministro relator. Com informações de Gustavo Aguiar, da Assessoria de Imprensa do STF.

(ADI) 5465