QUEBRA DE FIDÚCIA
Juiz mantém justa causa de enfermeira que apresentou atestado médico na Fundep e foi trabalhar noutro empregador

Apresentar atestado médico numa empresa e, no mesmo dia, laborar para outro empregador é ato de improbidade apto a justificar o encerramento do contrato de trabalho, por quebra da mútua confiança.

Assim, a 5ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte não teve dúvidas em manter a dispensa por justa causa aplicada pela Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep) a uma enfermeira que apresentou atestado médico e foi trabalhar, no mesmo dia da falta, para outro empregador. A sentença foi proferida pelo juiz Jésser Gonçalves Pacheco.

Na ação reclamatória, a profissional alegou que os motivos da rescisão não corresponderam à verdade. Segundo a trabalhadora, ela faltou ao serviço, no dia 20 de agosto de 2024, porque estava com conjuntivite e queria poupar uma colega gestante. Por isso, postulou a reversão da justa causa, com o pagamento das verbas devidas por dispensa imotivada.

Já a empregadora reclamada afirmou que a ex-empregada praticou ato de improbidade ao apresentar o atestado e trabalhar para outro empregador.

Para o juiz, a dispensa por justa causa se caracteriza quando verificada grave violação das principais obrigações do contrato de trabalho, de modo a afastar a confiança depositada no empregado e tornar indesejável a manutenção da relação de emprego.

Segundo ele, por se tratar da punição máxima aplicada ao trabalhador, exige prova robusta e convincente do ato faltoso que veio a impedir a continuidade da relação de emprego, por quebra do elemento fidúcia, intrínseco ao vínculo jurídico. ‘‘Esse encargo probatório é do empregador’’, pontuou.

No caso dos autos, o julgador ressaltou que a própria autora da ação admitiu ter trabalhado em outro lugar no mesmo dia em que apresentou à empregadora o atestado por conjuntivite, por ‘‘elevada urgência’’. ‘‘Como lá o local é mais restrito, agiu de boa-fé, não entendendo que isso prejudicaria ninguém’’, defendeu-se em documento anexado ao processo.

Por isso, o magistrado rejeitou as alegações de nulidade do ato patronal. Ele ressaltou que a improbidade a justificar a dispensa por justa causa é aquela que afeta a mútua confiança, base da relação jurídica entre empregado e empregador, fidúcia que, segundo ele, foi manchada com o comportamento da trabalhadora.

‘‘Poupar de contágio uma colega de trabalho gestante pode até ser um gesto humanitário, mas a autora mesmo doente, ou supostamente doente, ainda assim foi trabalhar em outra unidade de saúde, o que nos parece contraditório’’, escreveu na sentença.

O juiz manteve, portanto, a justa causa aplicada pela empresa. Por consequência, rejeitou o pedido de reversão para despedida sem justa causa e as parcelas decorrentes (aviso-prévio indenizado, férias proporcionais + 1/3, 13º salário proporcional, indenização de 40% do FGTS e expedição de guias para saque do FGTS e seguro-desemprego).

Não houve recurso. O processo já foi arquivado definitivamente. Redação Painel de Riscos com informações da Assessoria de Imprensa do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais).

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ATSum 0010843-63.2024.5.03.0005 (Belo Horizonte)

REPRESÁLIA
TRT-RS condena Banrisul a pagar R$ 30 mil por retaliar bancário que ajuizou ação trabalhista

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Um bancário que sofreu redução salarial por ingressar com ação trabalhista contra o Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul) – onde ainda trabalha – deve ter o seu salário integralmente restabelecido e ainda ganhar indenização por danos morais no valor de R$ 30 mil. A decisão é da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul).

O colegiado de segundo grau reconheceu que a mudança de função e a redução salarial configuraram práticas discriminatórias e abusivas que feriram direitos de personalidade protegidos pelo artigo 5º da Constituição – a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem do trabalhador.

O que diz o trabalhador

O bancário, com 32 anos de serviço, afirma ter sido alvo de represálias após ajuizar uma ação trabalhista contra o banco onde trabalha. No dia seguinte ao ingresso do processo, relata que foi colocado à disposição, sem função ou instruções, por três meses.

Além disso, o reclamante diz que recebeu advertência por suposto baixo desempenho e acabou descomissionado, perdendo funções de confiança e benefícios, como comissão fixa e abono. Resultado: teve redução salarial de 34%. O trabalhador pediu o restabelecimento das comissões e indenização por danos morais.

O que diz o banco

O banco sustenta que o descomissionamento foi uma decisão administrativa legítima, que ocorreu devido a erros operacionais e problemas de conduta do bancário. A instituição alega que a função de confiança não gera estabilidade e pode ser alterada conforme as necessidades da empresa.

Além disso, a parte reclamada negou que o descomissionamento tenha sido uma retaliação, afirmando que soube da ação trabalhista apenas após o ocorrido. O banco também argumentou que a perda das comissões não configura redução salarial ilícita, se opondo ao pedido de danos morais.

Sentença

A juíza do trabalho Simone Moreira Oliveira Paese, da 19ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, condenou o Banrisul a restabelecer o salário integral do bancário.

A sentença considerou que a retirada da gratificação de função foi uma tentativa indevida de reduzir o salário, contrariando decisão judicial anterior. Já o pedido de indenização por danos morais foi negado.

Acórdão

As partes ingressaram com recursos no TRT-RS. A 8ª Turma manteve a decisão de primeiro grau no que se refere ao restabelecimento do salário integral. O relator, desembargador Luiz Alberto de Vargas, considerou o descomissionamento uma prática discriminatória e retaliação à ação trabalhista.

A alegação de erros operacionais não foi suficiente para justificar a medida, e o colegiado reafirmou que a perda da comissão fixa e do Adicional de Dedicação Integral (ADI) representou redução salarial ilícita. Quanto à indenização por danos morais, os magistrados reformaram a sentença, determinando o pagamento de R$ 30 mil, destacando o tratamento abusivo e discriminatório imposto ao bancário.

‘‘Assim, tem-se que a Reclamada excedeu o seu direito potestativo, bem assim o limite da conduta que se espera de uma empresa, violando os direitos de personalidade do Reclamante. Restou evidenciado que os métodos gerenciais da Ré não se coadunam com o princípio fundamental, consagrado na Constituição, de respeito à dignidade da pessoa humana. A relação de subordinação que se estabelece pelo contrato de trabalho não autoriza o empregador a tratar de forma humilhante ou retaliar o empregado, o que expôs o Autor a situações de constrangimento, causando sofrimento psíquico, fazendo jus, dessa forma, à indenização pleiteada’’, escreveu no acórdão.

Também participaram do julgamento o desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso e o juiz convocado Frederico Russomano.

Da decisão, ainda cabe recurso de revista (RR) ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Redação Painel de Riscos com informações de Eduardo Matos, da Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TRT-4

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ATOrd 0020707-27.2022.5.04.0019 (Porto Alegre)

SUPERENDIVIDAMENTO
É do devedor, não do banco, a obrigação de apresentar proposta de acordo de repactuação de dívida

O credor que comparece à audiência de repactuação para negociar o superendividamento do cliente, mesmo que não proponha acordo, não está sujeito às sanções previstas no artigo 104-A, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), apesar de a audiência pré-processual ser regida pelos princípios da cooperação e da solidariedade, a obrigação de apresentação de proposta é do devedor.

Com esse entendimento, a turma, por maioria de votos, deu provimento ao recurso especial (REsp) do Paraná Banco S. A., que compareceu ao ato de conciliação, mas não ofereceu uma proposta concreta de repactuação da dívida.

Nas instâncias ordinárias, a instituição financeira sofreu as penalidades previstas no CDC para as hipóteses de ausência injustificada dos credores à audiência. Ainda no juízo de primeiro grau, foi determinada, entre outras medidas, a suspensão da exigibilidade do débito, a interrupção dos encargos de mora e a sujeição compulsória do credor ao plano de pagamento da dívida.

Ao manter a decisão, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) considerou que a negativa de proposta de acordo equivaleria ao não comparecimento à audiência. No REsp, o banco alegou que a sua presença no ato é suficiente para afastar as penalidades previstas no CDC, independentemente da apresentação ou não da proposta de repactuação de dívida.

Proposta de plano de pagamento deve partir do consumidor

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do processo na Terceira Turma do STJ, lembrou que as disposições legais sobre a superação do superendividamento estão baseadas na manutenção do mínimo existencial e nos princípios da dignidade da pessoa humana, da cooperação e da solidariedade. No âmbito processual, apontou, isso se reflete na ênfase dada aos modelos autocompositivos de solução de litígios.

Ainda que esses princípios também orientem a fase pré-processual, prosseguiu o magistrado, é o consumidor que tem o ônus da iniciativa conciliatória, devendo apresentar a proposta de plano de pagamento. Segundo o relator, a consequência para a falta de acordo é a submissão – a depender de iniciativa do consumidor – do negócio não alcançado pelo acordo à fase judicial, na qual haverá a revisão do contrato e a repactuação compulsória do débito.

‘‘Como é ônus do devedor a apresentação de proposta conciliatória, ela não pode ser exigida dos credores e, como a consequência da falta de acordo é a eventual submissão do contrato à revisão e à repactuação compulsórias, não há respaldo legal para a aplicação analógica das penalidades do art. 104-A, parágrafo 2º, do CDC’’, destacou Villas Bôas Cueva.

Sanções previstas no CDC podem ser aplicadas na fase judicial

Em uma eventual fase judicial, o ministro explicou que é possível a adoção – inclusive de ofício e em caráter exclusivamente cautelar – das medidas previstas no artigo 104-A, parágrafo 2º, do CDC, como a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, ao menos até a definição quanto à revisão e à integração dos contratos e à repactuação das dívidas.

‘‘No caso, a aplicação das consequências do artigo 104-A, parágrafo 2º, do CDC, ao credor que compareceu à audiência com advogado com plenos poderes para transigir, apenas por não ter apresentado proposta de acordo, sem serem identificados motivos de ordem cautelar, não tem amparo normativo e deve, assim, ser afastada’’, concluiu o relator ao dar provimento ao recurso do banco. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 2191259

INVENTÁRIO
Herdeiro que paga aluguel pelo uso do imóvel antes da partilha não arca sozinho com IPTU

Reprodução Metrô Linha 4

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, quando há fixação de indenização pelo uso exclusivo de imóvel por um dos herdeiros, não é possível descontar adicionalmente do quinhão do ocupante, sem acordo prévio, os valores do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Segundo o colegiado, essa prática configuraria dupla compensação pelo mesmo fato e enriquecimento sem causa.

Na origem do caso, ao homologar a partilha de bens entre as duas filhas de uma mulher falecida, o juízo responsável pelo inventário determinou que a dívida de IPTU sobre um imóvel fosse paga exclusivamente pela herdeira que o ocupava, afastando a responsabilidade do espólio. O tribunal estadual manteve a sentença, sob o entendimento de que o herdeiro que usufrui do bem deve arcar com o imposto relativo ao período de ocupação, independentemente da indenização fixada pelo uso exclusivo.

A herdeira ocupante do imóvel recorreu ao STJ, argumentando que, até a partilha, o bem integrava o espólio, cabendo a este arcar com os respectivos encargos. Sustentou ainda que, por se tratar de obrigação propter rem, os débitos de IPTU deveriam ser divididos igualmente entre as herdeiras, pois a posse e a propriedade dos coerdeiros sobre os bens inventariados seguem as regras do condomínio.

Herdeiro que ocupa o imóvel pode ter que ressarcir os demais

O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator do recurso especial, destacou que o STJ já reconheceu em recurso repetitivo que o IPTU é obrigação propter rem, ou seja, o tributo decorre da titularidade do direito real sobre o imóvel. Segundo o magistrado, por estar diretamente vinculada à propriedade, a obrigação gera um regime de solidariedade entre os herdeiros, que compartilham a responsabilidade pelas despesas. Assim, ele apontou que, até a conclusão da partilha, o IPTU deve ser suportado pelo espólio.

Por outro lado, o relator observou que o herdeiro que utiliza o imóvel de forma exclusiva pode ser compelido judicialmente a indenizar os demais sucessores, para se evitar o enriquecimento sem causa.

‘‘O herdeiro que ocupa o imóvel deve estar ciente de que pode ter que ressarcir os demais herdeiros pelo benefício do uso exclusivo que está recebendo. Esta compensação preserva os direitos de todos e assegura que o patrimônio da herança seja administrado de maneira equitativa’’, disse.

Antonio Carlos Ferreira mencionou julgamento no qual a Terceira Turma decidiu que, se um herdeiro mora sozinho no imóvel, sem pagar aluguel ou indenização aos demais, é razoável que as despesas de condomínio e IPTU sejam descontadas de sua parte na herança (REsp 1.704.528).

Uso exclusivo do bem já foi compensado com a fixação de indenização

Contudo, segundo o relator, no caso analisado, o acórdão de segunda instância já havia estabelecido uma indenização pelo uso exclusivo do imóvel, correspondente ao aluguel da quota da outra herdeira, a ser compensada na partilha.

‘‘Os valores correspondentes à indenização não foram impugnados pela parte interessada, restando, por conseguinte, preclusa a matéria’’, comentou.

Além disso, o ministro verificou que não houve nenhum acordo prévio entre as partes sobre o ressarcimento do IPTU ao espólio pelo herdeiro ocupante, conforme prevê o artigo 22, inciso VIII, da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/1991), nem quanto a outras obrigações relacionadas à ocupação do imóvel.

Dessa forma, Antonio Carlos Ferreira enfatizou que, como a compensação pelo uso exclusivo já foi realizada por meio da indenização fixada, não se justifica novo desconto sobre o quinhão da herdeira ocupante a título de IPTU.

‘‘Tal desconto configuraria dupla indenização pelo mesmo fato (uso exclusivo do imóvel) e resultaria em enriquecimento sem causa da outra herdeira, que receberia duas compensações pelo mesmo evento’’, concluiu o ministro ao dar provimento ao recurso. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

CARGO DE CONFIANÇA
TRT-RS nega pagamento de horas extras para gerente regional de vendas que não era fiscalizada

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Os detentores de cargo de confiança numa organização empresarial, como gerentes e diretores, não estão submetidos ao controle de jornada de trabalho, tal como sinaliza o artigo 62, inciso II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Logo, não têm direito ao recebimento de horas extras.

Firme neste entendimento, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) manteve sentença que negou o pagamento de horas extraordinárias a uma ex-gerentes comercial da Profarma Speciality S. A. (hoje, CM Hospitalar S. A.) na Região Sul.

A reclamante – cujo contrato perdurou de junho de 2016 a setembro de 2020 – também queria receber horas trabalhadas nos domingos e feriados, assim como indenização por não ter usufruído de intervalos inter e intrajornada e os previstos no artigo 384 da CLT. Este último artigo, revogado pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), estabelecia um intervalo mínimo de 15 minutos para as mulheres que realizassem horas extras.

Na origem, o juiz do trabalho José Carlos Dal Ri, da 5ª Vara do Trabalho de Canoas (região metropolitana), observou que a reclamante agia como representante do empregador, tendo de lidar com vendedores subordinados, viajar a trabalho, negociar com clientes, dentre outras atribuições. Ou seja, ela tinha poderes para negociar, para sugerir admissão e demissão de vendedores, para conceder férias e até para aplicar penalidades administrativas.

Nesse quadro de liberdade de gestão, o julgador ressaltou que a reclamante não se sujeitava a qualquer fiscalização de horário de trabalho. Noutras palavras: ela tinha liberdade para gerir o seu trabalho e a sua jornada com autonomia, inclusive, ausentando-se da empresa reclamada em Curitiba. Por consequência, presumiu que ela podia definir seus horários de intervalo.

‘‘Ainda, cabe apontar que a função de gestão é condizente com a remuneração percebida pela reclamante, que na maioria dos meses era superior a R$ 30.000,00, chegando a R$ 213.328,18 (dezembro de 2018)’’, reforçou na sentença.

No segundo grau, a percepção dos julgadores da 6ª Turma do TRT-4 foi a mesma: como gestora, ela tinha liberdade para gerir as suas atribuições, sem nenhuma fiscalização de carga horária, e ainda recebia um salário diferenciado.

‘‘A prova oral revela que a reclamante estava subordinada apenas ao gerente nacional, que possuía cartão corporativo, que poderia ao menos indicar empregados para promoções ou desligamentos, sendo responsável pela fiscalização e acompanhamento do trabalho em sua área de atuação que, no caso, abrangia Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, bem como não estava sujeita a nenhuma espécie de controle de jornada, nem mesmo quando ficava na sede em Curitiba’’, definiu a desembargadora-relatora Beatriz Renck.

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ATOrd 0021105-32.2021.5.04.0205 (Canoas-RS)

 

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