USO OPORTUNISTA
Asset stripping e os bônus sobre EBITDA ajustado: drenagem premeditada em tempos de insolvência

Por Eduardo Lima Porto

Dando continuidade ao artigo publicado na última segunda-feira (21/04/2025), aprofundo aqui a reflexão sobre o uso de métricas ‘‘não-GAAP’’ – em especial o EBITDA ajustado – como base para remuneração executiva em cenários de fragilidade financeira, com atenção especial ao período que antecede os pedidos de recuperação judicial (RJ).

O objetivo central desta análise é integrar elementos contábeis, jurídicos e de governança corporativa, provocando o debate entre conselheiros, credores, investidores e operadores do Direito Empresarial.

O avanço silencioso do asset stripping

Em um ambiente empresarial cada vez mais desafiado por incertezas macroeconômicas, escassez de crédito e cobranças por desempenho trimestral, um fenômeno discreto – mas devastador –vem ganhando espaço: o asset stripping.

Originalmente ligado a aquisições seguidas do desmonte e venda de ativos, o conceito hoje assume formas mais sofisticadas, como:

  • Distribuição de dividendos em volumes incompatíveis com o lucro real;
  • Financiamentos intercompany a custos acima do mercado;
  • Pagamentos de bônus baseados em métricas ajustadas e irreais;
  • Transações com partes relacionadas sem transparência;
  • E, no setor agro, retiradas desproporcionais de caixa para aquisições de imóveis, veículos de luxo ou aeronaves, que comprometem a sustentabilidade operacional do negócio em ciclos de baixa.

O foco aqui é o uso do EBITDA ajustado como instrumento de remuneração dissociado da geração de caixa, operando como uma forma velada de drenagem de recursos em vésperas de colapso anunciado.

EBITDA ajustado: métrica que informa, mas não explica

Defendido por consultorias renomadas como instrumento de análise de performance pura, o EBITDA ajustado permite – e frequentemente promove – exclusões subjetivas como:

  • Reestruturações recorrentes;
  • Provisões judiciais com alta chance de perda;
  • Baixas contábeis por deterioração de ativos;
  • Perdas em operações com falhas de gestão.

O problema emerge quando esse número ‘‘purificado’’ é usado para justificar bônus milionários, mesmo diante de:

  • Endividamento crescente;
  • Inadimplência operacional relevante;
  • Fluxo de caixa consistentemente negativo.

A verdade precisa ser dita sem rodeios: não há métrica que legitime a retirada de caixa em meio a indícios objetivos de crise. Quando essa prática antecede a insolvência, ela se aproxima perigosamente da fraude premeditada.

O timing da remuneração: sintoma de premeditação?

É nas demonstrações financeiras que se percebe o padrão: bônus pagos em exercícios que já evidenciavam tensões de liquidez, aumento do passivo e deterioração do capital de giro.

Essa correlação entre remuneração agressiva e iminência de colapso pode configurar, sob a ótica jurídica:

  • Premeditação de fraude contra credores;
  • Abuso do poder de administração;
  • Gestão temerária com dolo específico.

Mesmo sem entrar no mérito de dispositivos legais, é evidente que há fundamento ético e técnico para questionar a legitimidade desses atos, sobretudo quando inseridos em um contexto de iminente recuperação judicial.

Precedentes internacionais: lições relevantes

Casos julgados ou investigados nos EUA ilustram com clareza como o asset stripping, via bônus e métricas manipuladas, é tratado por reguladores:

  • Apollo Global Management (2016): multado pela U.S. Securities and Exchange Commission (SEC) por bonificações baseadas em EBITDA inflado;
  • Nikola Corporation: investigação federal por projeções enganosas e retirada de valor antes de colapso;
  • WeWork: extração de liquidez milionária pelo fundador com base em community-adjusted EBITDA, sem lastro operacional.

Nem toda métrica ajustada é fraude, mas todo excesso deve ser investigado

Não se trata de demonizar o uso do EBITDA ajustado. Trata-se de alertar para seu uso oportunista como base para enriquecimento indevido, especialmente quando a empresa já apresenta sinais visíveis de deterioração.

Remuneração deve ser consequência de valor gerado – não uma operação de saque pré-insolvência.

Conclusão: a realidade não pode ser ajustada

A governança séria exige que métricas não substituam a verdade contábil. Quando bônus são pagos sobre lucros que não viraram caixa – e isso ocorre no limiar da quebra – estamos diante de algo muito maior do que uma escolha contábil. Estamos diante de uma possível drenagem premeditada de recursos, que precisa ser analisada com o devido rigor.

Ajustar o EBITDA pode ser justificável. Ajustar a realidade para atender a interesses privados, jamais.

Eduardo Lima Porto é diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica