ACORDOS COLETIVOS
Decisão do TST sobre horas extras em atividades insalubres é paradigmática
Por Lara Fernanda de Oliveira Prado
São incontáveis as vozes que criticam a chamada cultura paternalista da Justiça do Trabalho e a sua proteção exagerada ao trabalhador. É importante reconhecer, entretanto, que muito dessa avaliação se dissipou com o advento da reforma trabalhista, que prestigiou a prevalência do negociado sobre o legislado.
Apesar da mudança promovida na legislação, a transformação segue passos mais lentos na prática. Um exemplo recorrente de controvérsia entre tribunais envolve a validade dos acordos coletivos em atividades insalubres. A origem está no artigo 60 da CLT, que estabelece a necessidade de licença prévia das autoridades competentes em higiene e segurança do trabalho para validar a prestação de horas extras em atividades insalubres.
Justamente por isso é digno de registro um julgamento recente (AIRR-1000844-38.2022.5.02.0241) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em que a corte validou um acordo coletivo que estabelecia regime de compensação em atividades insalubres, mesmo sem autorização de órgão competente. Apesar de as instâncias inferiores terem condenado a empresa, o TST manteve a eficácia do acordo e a absolveu dos pedidos relacionados.
Desde a entrada em vigor da reforma trabalhista, o tema é alvo de divergências jurisprudenciais. É que o artigo 611-A, inciso XIII, da CLT, permite a prorrogação de jornada em ambientes insalubres sem licença prévia das autoridades competentes, quando acordados em negociação coletiva, enquanto o artigo 611-B, inciso XVII, veda acordo que suprima normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.
Com isso, alguns juízes entendem que a autorização do artigo 611-A prevalece sobre a lei, permitindo a negociação da regra do artigo 60, enquanto outros consideram a sua aplicação inconstitucional por violar normas de segurança do trabalho e ser diametralmente oposta ao 611-B, inciso XVII.
Historicamente, a constatação da insalubridade em processos judiciais resultava na invalidação dos acordos coletivos de compensação de jornada, obrigando o pagamento de horas extras. Por outro lado, a tendência de mudança desse posicionamento cresce progressivamente, especialmente em decorrência do Tema 1.046 do STF.
Direitos não sujeitos à negociação coletiva
No caso concreto, o juiz fundamentou sua decisão no Tema vinculante 1.046 do STF, destacando que, ao não exigir, na tese, a especificação das vantagens compensatórias e adjetivar de “absolutamente” indisponíveis os direitos que não estão sujeitos à negociação coletiva, o Supremo Tribunal Federal sacramentou a teoria do conglobamento e a ampla autonomia negocial coletiva na esfera laboral.
Vale ressaltar que a teoria do conglobamento é aquela que permite que um acordo coletivo seja avaliado em seu conjunto, considerando todas as suas cláusulas e benefícios, ao invés de examinar cada cláusula individualmente, o que valoriza a singularidade e as necessidade de cada caso.
A questão ainda não está pacificada, mas os julgamentos favoráveis aos empregadores são crescentes, e o entendimento pode passar a ser vinculante por meio de provocação da SDI (seções especializadas em dissídios individuais). A conclusão representa mais um passo para a mudança de cultura do tribunal ao reafirmar a prevalência do negociado sobre o legislado, em consonância com a modernização das relações trabalhistas.
A separação entre os direitos que podem ser flexibilizados e aqueles que não estão sujeitos a qualquer negociação ficou clara na CLT com a inserção dos artigos 611-A e 611-B. O objetivo disso foi trazer maior clareza e segurança jurídica, ao permitir expressamente que acordos coletivos possam prevalecer sobre a lei em determinadas condições, ainda que favoráveis ao empregador. Não se trata, em absoluto, de abolir direitos, mas de adaptar a legislação às realidades específicas das partes.
Cabe às empresas investirem nas negociações coletivas, usufruindo da autonomia que a reforma trabalhista proporcionou. À Justiça do Trabalho, a tarefa é continuar essa transformação de modo a possibilitar um ambiente de trabalho equilibrado e seguro, protegendo os interesses de empregadores e empregados sem posicioná-los como polos opostos.
Lara Fernanda de Oliveira Prado é sócia da área cível e trabalhista no Diamantino Advogados Associados