LABOR ININTERRUPTO
Caminhoneiro que trabalhava em jornadas excessivas será indenizado por dano existencial

Imagem: DepositPhotos/TRT-4

Um motorista de caminhão submetido a jornadas que podiam chegar a 18 horas por dia e a períodos de trabalho ininterruptos superiores a 10 dias deve receber R$ 10 mil a título de dano existencial. Esse tipo de dano ocorre quando o trabalho prejudica o convívio familiar e social e impede a concretização de outros projetos de vida do trabalhador.

A decisão é da 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul), ao reformar, neste aspecto, sentença da 20ª Vara do Trabalho de Porto Alegre.

Na ação reclamatória, também foram discutidas questões como horas extras, intervalos e descansos. As partes ainda podem recorrer do acórdão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) por meio de recurso de revista (RR).

Jornadas extenuantes e sem repouso

O trabalhador foi admitido pela transportadora em setembro de 2013 para atuar como motorista de carreta, sendo despedido em junho de 2018. Ao ajuizar o processo, ele alegou que trabalhava em jornadas excessivas e em longos períodos sem dias de repouso.

No entanto, ao julgar o caso em primeira instância, o juízo da 20ª Vara do Trabalho de Porto Alegre indeferiu o pagamento da indenização, ao considerar que o caminhoneiro não comprovou os prejuízos experimentados em função das longas jornadas. Descontente com o teor da sentença, o empregado apresentou recurso ordinário trabalhista (ROT) ao TRT-4.

Projeto de vida afetado

Desembargador Alexandre Corrêa da Cruz
Foto: Secom TRT-4

Na análise do caso diante da 2ª Turma, o relator do processo, desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, destacou, inicialmente, o que prevê a Tese Jurídica Prevalecente nª 2 do TRT-4, segundo a qual a submissão a jornadas excessivas não caracteriza dano existencial indenizável por si só.

No caso específico, entretanto, segundo o magistrado, ficou comprovado o cumprimento de jornadas que extrapolaram ‘‘muito’’ a previsão legal da CLT, que permite o trabalho de até duas horas extras diárias, mediante acordo individual ou norma coletiva. Como exemplo, o desembargador citou uma ocorrência em que o caminhoneiro trabalhou por 20 dias corridos.

Prejuízo à saúde física e mental

‘‘A prática implementada pela empresa ré afetou diretamente os projetos de vida do autor, pois havia exigência de labor ininterrupto por até 20 dias, restringindo o convívio familiar e social’’, ressaltou o relator.

Ao mencionar os  espelhos de ponto anexados ao processo, o magistrado destacou, além dos períodos ininterruptos de trabalho, as jornadas diárias excessivas. ‘‘Acrescento, em decorrência do cumprimento da jornada excessiva, o autor, de regra, não fruía integralmente da pausa de 11 horas entre duas jornadas, em prejuízo direto para sua saúde física e mental’’, frisou o julgador. Ele se referiu, ainda, a julgamentos anteriores de diversas turmas do TRT-4 – todos com decisão no mesmo sentido.

O entendimento foi seguido por unanimidade pelos demais integrantes da turma julgadora. Também participaram da sessão de julgamento os desembargadores Carlos Alberto May e Marçal Henri dos Santos Figueiredo. (Com informações de Juliano Machado, da Secom/TRT-RS)

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0020971-46.2019.5.04.0020 (Porto Alegre)

AUTONOMIA DA VONTADE
Se herdeiros são capazes e concordes, existência de testamento não impede inventário extrajudicial

Ilustração: Site Arpen Ceará

Mesmo havendo testamento, é admissível a realização de inventário e partilha por escritura pública, na hipótese em que todos os herdeiros são capazes e concordes. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O colegiado destacou que a legislação contemporânea tem reservado a via judicial apenas para hipóteses em que há litígio entre os herdeiros ou algum deles é incapaz.

No caso dos autos, foi requerida a homologação judicial de uma partilha realizada extrajudicialmente, com a concordância de todas as herdeiras. Nessa oportunidade, foi informado que o testamento havia sido registrado judicialmente.

Instâncias ordinárias aplicaram a literalidade do dispositivo

O juízo de primeira instância negou o pedido de homologação sob o argumento de que, havendo testamento, deve ser feito o inventário judicial, conforme previsto expressamente no artigo 610, caput, do Código de Processo Civil (CPC), não podendo ser substituído pela simples homologação de partilha extrajudicial. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).

No recurso especial (REsp) dirigido ao STJ, sustentou-se que as herdeiras são capazes e concordes. Por isso, o inventário e a partilha poderiam ser feitos por escritura pública, nos moldes do artigo 610, parágrafo 1º, do CPC. Também foi assinalado que existem precedentes do próprio STJ e de outros tribunais que autorizam o inventário extrajudicial.

Interpretação moderna visa à desjudicialização

A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou em sua decisão que o caso exige uma interpretação teleológica e sistemática dos dispositivos legais, para se chegar a uma solução mais adequada. Assim, mencionou precedente da Quarta Turma que autorizou a realização de inventário extrajudicial em situação semelhante (REsp 1.808.767).

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa TSE

Segundo a ministra-relatora, a exposição de motivos do projeto de lei que criou a possibilidade de inventários extrajudiciais no Brasil revela que o legislador teve a preocupação de impedir a sua prática quando houvesse testamento em razão da potencial existência de conflitos.

No entanto, para a relatora, ‘‘a exposição de motivos reforça a tese de que haverá a necessidade de inventário judicial sempre que houver testamento, salvo quando os herdeiros sejam capazes e concordes, justamente porque a capacidade para transigir e a inexistência de conflito entre os herdeiros derruem inteiramente as razões expostas pelo legislador’’.

A ministra observou que a tendência contemporânea da legislação é estimular a autonomia da vontade, a desjudicialização dos conflitos e a adoção de métodos adequados de resolução das controvérsias, ficando reservada a via judicial apenas para os casos de conflito entre os herdeiros. Ela destacou os artigos 2.015 e 2.016 do Código Civil (CC) como exemplos dessa tendência.

‘‘Sendo os herdeiros capazes e concordes, não há óbice ao inventário extrajudicial, ainda que haja testamento’’, concluiu Nancy Andrighi. (Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ)

Leia o acórdão no REsp 1.951.456-RS

SUBORDINAÇÃO LÍCITA
TST afasta vínculo empregatício entre entregador e distribuidora de bebidas

Divulgação Ambev

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), do Tribunal Superior do Trabalho (TST), afastou o vínculo de emprego direto de um distribuidor de bebidas de Recife com a Ambev S.A. Para o colegiado, a terceirização do serviço de entrega de bebidas é lícita, assim como o contrato de trabalho celebrado com a empresa de transporte de mercadorias que prestava serviços à companhia de bebidas. A decisão foi por maioria de votos.

Pedido de reconhecimento de vínculo

Na Justiça do Trabalho, o empregado disse que tinha sido contratado pela Horizonte Express Transportadora Ltda. para entregar bebidas na região de Recife. Seu argumento era o de que desempenhava atribuições ligadas à atividade-fim da Ambev.

Além de outras diferenças salariais, ele pedia o reconhecimento da ilegalidade da terceirização de mão-de-obra, a declaração de nulidade do seu contrato de emprego com a transportadora e a formação de vínculo empregatício direto com a indústria de bebidas.

A companhia, em contestação, sustentou que os serviços de transporte de mercadorias não estavam inseridos na sua atividade finalística.

Responsabilidade subsidiária

O juízo da 3ª Vara do Trabalho de Olinda (PE) considerou lícito o contrato de emprego do distribuidor com a transportadora, mas reconheceu a responsabilidade subsidiária da Ambev pelos créditos salariais devidos a ele. O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT-6, Pernambuco), por seu turno, manteve esse ponto da sentença, por entender que os serviços terceirizados à transportadora não se enquadravam nas atividades-fim da companhia de bebidas, embora fizessem parte da sua dinâmica empresarial.

Ministro Hugo Scheuermann foi o relator
Foto: Secom TST

Processo produtivo

Ao julgar o recurso de revista (RR) do trabalhador, porém, a Terceira Turma do TST considerou ilícita a terceirização, reconhecendo o vínculo de trabalho diretamente com a Ambev, com fundamento no item I da Súmula 331do TST. Na avaliação da Turma, a entrega de mercadorias estava inserida na estrutura organizacional e no processo produtivo da tomadora do serviço.

Orientação do STF

Coube ao ministro Hugo Scheuermann examinar os embargos da empresa à SDI-1. Ele lembrou que, no julgamento de duas ações (ADPF 324 e RE 958.252), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas. Sendo assim, não havia como julgar ilícita a contratação dos serviços da transportadora.

Ainda segundo o relator, a subordinação estrutural dos empregados da prestadora de serviços à supervisão da tomadora é inerente a todo contrato de terceirização, mas isso não se confunde com a subordinação caracterizadora do vínculo de emprego. (Com informações da Secretaria de Comunicação-Secom do TST)

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E-ARR-10378-53.2013.5.06.0103-PE

IPTU DE ASSOCIAÇÃO
TJ-SP nega pedido de imunidade tributária para associação sem fins lucrativos

A 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve decisão do juiz Kenichi Koyama, da 15ª Vara da Fazenda Pública, que negou reconhecimento de imunidade tributária a uma associação de bridge, bem como indeferiu pedido de restituição de R$ 471.208,85, valor referente ao parcelamento de débitos de IPTU.

De acordo com os autos, a entidade pedia o reconhecimento da imunidade tributária e a nulidade dos lançamentos fiscais do imposto municipal entre os anos de 2000 a 2005. A alegação era de que desempenha atividade recreativa de bridge sem fins lucrativos, tendo como base de seu argumento legal a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional (CTN). O entendimento do juízo de primeiro grau foi que a atividade exercida não se enquadra como utilidade pública assistencial ou educacional.

Para o relator do recurso de apelação, desembargador Octavio Machado de Barros, apesar do bridge ser considerado uma atividade esportiva desde 1960, e não um jogo de azar, de fato a entidade não tem direito à imunidade, que é uma exceção dentro da legislação.

Desembargador Octavio Barros foi o relator
Foto: Imprensa TJ-SP

Ausência de caráter filantrópico

‘‘Assim, ausente caráter filantrópico de assistência social ou educacional, fica descartado o reconhecimento da imunidade subjetiva (CF, art. 150, VI, letra c) e, consequentemente, a necessidade da realização de prova técnica contábil para comprovar o eventual preenchimento dos demais requisitos’’, destacou o julgador.

O magistrado entendeu ainda que, por se tratar de uma possibilidade de imunidade condicionada, cabe à interessada demonstrar o cumprimento da legislação municipal vigente no período em exame (2000 a 2005), o que afasta a realização de perícia contábil.

Participaram do julgamento os desembargadores Mônica Serrano e Aloísio Rezende Silveira. A decisão foi unânime. (Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP)

 Apelação  1040353-71.2021.8.26.0053

TERRAS DA UNIÃO
TRF-2 rescinde sentença de 1985 que concedeu usucapião em ilha de Paraty, no Rio de Janeiro

Ilha de Paraty, RJ
Foto: Agência Brasil

Acompanhando o voto do desembargador-relator Ricardo Perlingeiro, a 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2, que cobre Rio de Janeiro e Espírito Santo) rescindiu sentença da Justiça Federal de Angra dos Reis que, em 1985, concedeu usucapião a duas famílias sobre uma área de 68,2 mil metros quadrados na Ilha do Araújo, em Paraty, no litoral sul fluminense.

A decisão do colegiado, que uniformiza a jurisprudência em quatro turmas que julgam matéria administrativa, foi unânime.

Bens da união

A ação rescisória foi proposta pela União em 2014 e, inicialmente, negada pelo TRF-2, por maioria. O Governo Federal, então, recorreu com base em voto divergente proferido no julgamento, obtendo a vitória na 3ª Seção Especializada.

Nos argumentos recursais, a União afirmou ter havido violação ao artigo da Constituição Federal de 1967, que incluiu as ilhas oceânicas como bens da União, por meio da Emenda Constitucional nº 1, de 1969.

Posse mansa e pacífica desde 1876

O pedido de usucapião foi ajuizado em 1974, sob a alegação de que os autores da ação de usucapião  estariam na linha sucessória da posse mansa e pacífica das terras desde 1876; ou seja, desde a época do Império. Com isso, a defesa sustentou que o direito ao título teria se constituído antes da vigência da Constituição de 1967 e da Emenda nº 1/1969.

Além disso, os advogados sustentaram que o Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, já excluiria da propriedade da União ‘‘as ilhas situadas nos mares territoriais que, por qualquer título legítimo, pertencessem aos estados, municípios ou particulares’’.

Foto: Suzana Camargo, site Conexão Planeta

Constituição de 1891 não reconhecia terras particulares na ilha

O desembargador-relator que proferiu o voto condutor na 3ª Seção Especializada rebateu, no entanto, os argumentos da defesa dos autores. Ricardo Perlingeiro lembrou que a primeira Constituição da República, de 1891, já tratava das terras públicas, não reconhecendo a possibilidade de propriedade particular de ilhas no mar territorial ou não.

‘‘Logo, em período anterior ao advento do Decreto-Lei nº 9.760 de 5/9/1946, os diplomas constitucionais e legais já conferiam especial proteção aos bens de domínio público, inclusive no que tange à propriedade das ilhas marítimas, disciplinando que, além da União, somente estados e municípios poderiam ser proprietários de ilhas marítimas’’, explicou Ricardo Perlingeiro.

Sem comprovação da cadeia de títulos de terras

O magistrado também destacou que não ficou comprovada nos autos a cadeia de títulos legítimos de registro das terras em disputa, desde a transferência do bem público à posse do particular, como exigiria o Decreto-Lei de 1946.

Desembargador Ricardo Perlingeiro foi o relator
Foto: Imprensa TRF-2

No voto, o desembargador federal Ricardo Perlingeiro desenvolveu seu entendimento sobre o caso traçando um histórico das normas legais que disciplinam o direito sobre as chamadas terras devolutas, ou seja, as terras públicas sem destinação, desde a edição da Lei nº 601, de 1850, a primeira a regulamentar a matéria.

De acordo com a lei da época do Império, as aquisições de terras poderiam ser efetuadas apenas por compra, revalidação de sesmarias [lotes distribuídos no período colonial pelo rei de Portugal] ou por concessão da Coroa. Com a Proclamação da República, essas terras passaram ao domínio público, excluídas aquelas que já pertenciam a particulares.

Como preceito constitucional, a impossibilidade de os terrenos insulares se tornarem propriedade particular foi estabelecida na primeira carta da República, de 1891. Em 1932, o Decreto nº 22.250 reconheceu também o domínio público das ilhas marítimas, situação ratificada em 1938, pelo Decreto-Lei nº 710.

Diversas leis garantiram o domínio da União

Na sequência, o Decreto-Lei nº 9.760/1946 preservou o domínio da União sobre as ilhas, embora excluindo as áreas que, por título legítimo, pertençam a estados, municípios e particulares. Esse reconhecimento foi confirmado na Constituição de 1967, por meio da Emenda nº 1, de 1969.

A mesma disposição foi mantida na Constituição de 1988, que, no artigo 20, inciso IV (quatro), estabelece como bens da União ‘‘as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal’’.

Outra ressalva está estabelecida no artigo 26, inciso II, que atribui aos estados a propriedade das ‘‘áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, municípios ou terceiros’’. (Com informações da assessoria de imprensa do TRF-2)

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0004338-34.2014.4.02.0000 (Rio de Janeiro)