CRÉDITO CONSIGNADO
Limite de desconto se aplica a empréstimo concedido a aposentado por entidade de previdência complementar

As garantias previstas pela Lei 10.820/2003 aos empregados que contraem empréstimo mediante consignação em folha de pagamento – inclusive em relação aos limites de desconto das prestações em folha – são extensíveis aos aposentados que realizam operações de crédito com entidades de previdência complementar fechada. É o que diz a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

No entendimento do colegiado, embora a Lei 10.820/2003 faça menção direta apenas às operações realizadas por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, as normas também se aplicam à contratação de crédito pelo aposentado com a entidade de previdência complementar.

‘‘Não se coaduna com a boa-fé e a lealdade, tampouco com o elevado padrão ético, exigidos nos incisos II e III do artigo 4º da Resolução 4.661/2018, do Conselho Monetário Nacional, o comportamento da entidade fechada de previdência complementar que pactua com o seu assistido a concessão de empréstimo, mediante o desconto, diretamente da folha de pagamento, de valores que consomem grande parte do benefício de aposentadoria, retirando-lhe a capacidade financeira para viver dignamente, senão quando o reduz à condição de miserabilidade’’, afirmou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.

Em ação contra a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ), o aposentado pediu que fossem limitados os descontos em sua aposentadoria complementar ao patamar de 30% de seus rendimentos brutos, após os descontos obrigatórios. O patamar era o máximo previsto pela Lei 10.820/2003 à época do ajuizamento da ação – posteriormente, com a publicação da Lei 14.431/2022, o limite foi elevado para 40%, sendo 5% destinado à amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito consignado.

Após ter a ação ter sido julgada improcedente em primeiro grau, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) acolheu o pedido do aposentado, entendendo que os descontos em sua folha teriam superado o limite legal. Em recurso especial (REsp) aviado ao STJ, a entidade de previdência argumentou que não poderia ser equiparada às demais instituições financeiras abarcadas pela Lei 10.820/2003.

Proteção legal tem ainda mais importância na aposentadoria

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Lucas Pricken/STJ

A ministra Nancy Andrighi destacou que, conforme interpretação dada pela Segunda Seção à Lei 10.820/2003, a imposição de limite ao desconto em folha de pagamento busca preservar a dignidade do tomador de crédito consignado, de modo a impedir que ele comprometa seriamente a sua remuneração e passe a não ter meios de subsistência própria e familiar.

Segundo a relatora, não há motivo legal para que não seja garantida ao ex-empregado aposentado a mesma proteção dada ao empregado regido pela CLT que contrai o crédito consignado com desconto em folha de pagamento, independentemente de o credor ser uma instituição financeira, sociedade de arrendamento mercantil ou entidade de previdência complementar autorizada a realizar operação de crédito.

‘‘Por sinal, é na aposentadoria que essa proteção se torna ainda mais importante, considerando a vulnerabilidade inerente à velhice, à deficiência ou à incapacidade, que justifica a transição do trabalhador para a inatividade’’, apontou a ministra, citando as disposições da Resolução 4.661/2018 do Conselho Monetário Nacional.

No caso dos autos, contudo, Nancy Andrighi reconheceu que o valor dos descontos realizados pela Previ não ultrapassava os limites estabelecidos pela Lei 10.820/2003. Dessa forma, a relatora deu provimento ao recurso especial para autorizar a entidade a descontar, na folha de pagamento de aposentadoria complementar, o valor integral das prestações mensais dos empréstimos contraídos pelo aposentado. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 2.033.245 

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
São verdadeiros os cálculos do credor se o devedor não apresenta documentos exigidos

Sede do BB em Brasília
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

​Com base no artigo 475-B do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, em virtude da não apresentação reiterada, pela parte devedora, de documentos necessários ao cumprimento de sentença, devem ser considerados corretos os cálculos elaborados pelos credores nos autos. Essa presunção de veracidade, contudo, é relativa, admitindo prova em contrário na fase executiva.

‘‘Se é do devedor o ônus de provar, mediante impugnação, eventual erro ou excesso nos cálculos elaborados pelo credor, a fim de afastar a referida presunção, a sua inércia não pode impedir o cumprimento da sentença, devendo ser observado, ainda, o princípio geral do direito de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza’’, afirmou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi. O devedor é o Banco do Brasil (BB).

De acordo com os autos, em primeiro grau, o juiz julgou extinto o cumprimento de sentença sem resolução do mérito, por entender que era ilíquida a sentença proferida na fase de conhecimento. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) anulou a decisão de primeiro grau e determinou a conversão dos autos em liquidação de sentença por arbitramento.

Para o TJMT, é inviável proceder diretamente ao cumprimento da sentença, quando a apuração do valor do crédito exige cálculo complexo, sendo necessária a sua prévia liquidação por arbitramento, a fim de obter o valor devido em razão do direito reconhecido na decisão. No entanto, é possível a conversão do feito em liquidação de sentença, em vez de extinguir o processo, prematuramente, sem resolução de mérito.

No recurso especial (REsp), os credores alegaram que, antes de instaurarem a fase de cumprimento de sentença, pediram ao juiz que o banco fosse intimado para exibir os documentos necessários, mas a instituição não os apresentou. Por essa razão é que, segundo eles, foi iniciada a fase do cumprimento de sentença e, mesmo assim, o banco poderia, na fase executória, contrapor os cálculos apresentados pelos credores no cumprimento – o que não aconteceu.

CPC/1973 autoriza presunção de veracidade dos cálculos

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa TSE

Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi explicou que, nos termos do artigo 475-B, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 1973, no cumprimento de sentença, quando a elaboração do cálculo depender de dados em poder do devedor, o juiz, a requerimento do credor, pode requisitá-los, fixando prazo de até 30 dias para o cumprimento da diligência.

Se, de forma injustificada, os dados não forem apresentados pelo devedor, o parágrafo 2º do mesmo artigo prevê que devem ser reputados como corretos os cálculos apresentados pelo credor.

‘‘A norma, assim, objetiva impedir que, quando o ônus de trazer os documentos necessários para o cálculo é do devedor, o silêncio deste impeça o cumprimento da decisão judicial, frustrando a satisfação do crédito perseguido e a efetiva entrega da prestação jurisdicional’’, afirmou.

Banco se negou a apresentar os documentos por 14 anos

No caso dos autos, Nancy Andrighi apontou que ‘‘a determinação do valor da condenação depende apenas de cálculo aritmético, uma vez que é necessário, tão somente (I) apurar o valor pago nos termos das cédulas de crédito; (II) calcular o valor que realmente seria devido, após os critérios fixados pela sentença; e (III) subtrair o primeiro pelo segundo, para apurar eventual saldo a ser restituído ao exequente’’.

A ministra ressaltou que, diferentemente da conclusão do TJMT, o fato de ser necessária a apresentação de documentos pelo devedor não torna a sentença ilíquida.

‘‘Isso porque, conforme o art. 475-B do CPC/1973, ainda que dependa da apresentação de documentos para a elaboração do cálculo, é possível iniciar desde logo com o cumprimento de sentença, podendo o juízo, a requerimento, requisitar os dados em poder do devedor’’, completou.

Além disso, Nancy Andrighi recordou que, no processo, o perito judicial só não conseguiu realizar os cálculos solicitados pelo juiz por culpa exclusiva do banco devedor, que não apresentou os documentos necessários para a execução, não podendo tal conduta impedir a satisfação do crédito dos recorrentes.

Para a ministra, é, ainda, nitidamente contraditório o comportamento do banco de sonegar, por pelo menos 14 anos, os documentos exigidos por ordem judicial e, depois, impugnar o cumprimento de sentença sob a alegação de ausência das provas necessárias para confirmar o cálculo elaborado pelo credor.

‘‘Trata-se de comportamento que, de igual modo, é repudiado pelos princípios gerais do direito, na figura da vedação ao comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium)’’, concluiu a relatora ao determinar o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau, reconhecendo a presunção de veracidade dos cálculos apresentados pelos credores. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 1.993.202

ESPECIAL
Vagas de garagem: um bem escasso da vida urbana no centro de disputas judiciais

Foto: Divulgação Groupsoftware

​Recurso valioso no mundo moderno, as vagas de garagem têm sido objeto das mais diversas disputas judiciais. Públicas, privativas, pagas, estreitas, largas, livres ou reservadas para determinado grupo de pessoas, as vagas se tornaram um bem escasso e imprescindível para a organização das cidades.

As discussões que chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) vão desde simples disputas patrimoniais pela vaga na divisão de bens até situações mais complexas, como a definição desse espaço como bem de família e os limites de sua alienação judicial.

Ação reivindicatória não é válida para pleitear vaga sem registro independente

Ministra Nancy Andrighi
Foto: Sergio Amaral/STJ

Segundo o ministro Luís Felipe Salomão, em um condomínio edilício, a vaga de garagem pode ser enquadrada como unidade autônoma (artigo 1.331, parágrafo 1º, do Código Civil), desde que tenha matrícula independente no registro de imóveis, sendo, então, de uso exclusivo do titular. Pode ainda ser considerada direito acessório, vinculado a um apartamento, sendo, assim, de uso particular. Ou área comum, quando sua fruição couber a todos os condôminos indistintamente.

No julgamento do REsp 1.152.148, seguindo o voto de Salomão, a Quarta Turma decidiu que a ação reivindicatória não é cabível para pleitear direito exclusivo de vaga de estacionamento quando este configura direito acessório da unidade autônoma ou área de uso comum, pois nessas hipóteses não há o requisito essencial para seu ajuizamento: a individualização do bem.

O recurso foi interposto contra decisão das instâncias ordinárias que determinaram ao condomínio de um edifício que demarcasse uma vaga a mais na garagem para os proprietários de um apartamento, já que compraram a unidade com direito a duas vagas, conforme constava na escritura pública. O condomínio alegou que não havia espaço suficiente e que a demarcação da segunda vaga prejudicaria os demais moradores.

‘‘A verdade é que parece não ser possível o ajuizamento da reivindicatória quando a coisa reclamada se enquadra como direito acessório da unidade autônoma ou como área de uso comum, uma vez que, nessa hipótese, a compropriedade resultante da existência de diversos proprietários sobre frações ideais caracteriza-se exatamente pela ausência de descrição da extensão, limites e confrontações do bem litigioso’’, afirmou o relator, observando que não havia matrícula independente da vaga no registro de imóveis.

Ministra Assusete Magalhães
Foto: Lucas Pricken/STJ

Ao dar provimento ao recurso, o ministro lembrou que os autores da ação teriam outros meios de buscar seus direitos – por exemplo, uma ação indenizatória contra a construtora.

Possibilidade de alienação da vaga a outro condômino

Nos termos do artigo 2º, parágrafo 2º, da Lei 4.591/1964, o direito à guarda de veículo na garagem do edifício ‘‘poderá ser transferido a outro condômino, independentemente da alienação da unidade a que corresponder, vedada sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1152148

REsp 1138405

REsp 954861

REsp 2008627

AREsp 337190

REsp 1899941

COMPETÊNCIA DA UNIÃO
Parte de lei que proíbe mineração em São José do Norte é inconstitucional, decide TJRS

Foto: Banco de Imagens Dicom/TJRS

Um artigo da lei do Município de São José do Norte, que proíbe a atividade de mineração em todas as zonas municipais, foi declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). O colegiado apontou vício formal decorrente da violação ao sistema constitucional de divisão de competência material legislativa.

A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) sustentando vício no artigo 19, parágrafo único, da Lei Complementar Municipal n° 017/2019, apontando ser de competência privativa da União legislar sobre a matéria tocante à atividade de mineração. Assinalou ofensa à separação dos Poderes.

Em seu voto, o relator da ADI, desembargador Ícaro Carvalho de Bem Osório, considerou que o trecho questionado da norma regrou exploração de recursos minerais, cuja titularidade é da União (artigo 20, inciso IX, artigo 176, ambos da Constituição Federal). Citou também o artigo 22, inciso XII, da Constituição Federal, que estabelece que compete privativamente à União legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia.

‘‘Importante, também, ressaltar ter o legislador federal ocupado esse espaço legislativo de forma abrangente e detalhada com a edição de normas sobre a atividade minerária, a exemplo do Estatuto do Garimpeiro (Lei n° 11.685/2008), do Código de Mineração (DL n° 227/1967), da Lei n° 7.805/1989 e da Lei n° 1.375/2019. Não parece ter deixado brecha sequer para delegação do ente estadual a tratar de questões específicas’’, afirmou o relator.

‘‘Impossível, por conseguinte, desbordar da conclusão de que o ente municipal legislativo imiscuiu-se em matéria de competência privativa da União, usurpando-a e violando o sistema de repartição instituído na Constituição Federal’’, acrescentou o desembargador Ícaro. Com informações de Janine Souza, Divisão de Imprensa do TJRS.

Clique aqui para ler o acórdão

ADI 70085698363

DISPENSA DE LICITAÇÕES
Lei que dá preferência a empresas locais é inconstitucional, decide TJSP

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo  (TJSP) votou pela inconstitucionalidade da Lei Municipal 2.473/22, de Santa Cruz das Palmeiras, que determinava à administração pública, em situações de dispensa de licitação, a preferência a empresas locais para aquisição de bens, serviços, locação e outras modalidades previstas em lei.

A norma de origem legislativa foi contestada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) em ação direta de inconstitucionalidade (ADI),  julgada procedente pelo colegiado.

Em seu voto, o desembargador Fábio Gouvêa, relator do acórdão, destacou que o dispositivo afronta as Constituições Federal e Estadual ao invadir competência normativa exclusiva da União e violar o princípio de separação de poderes.

Além disso, o magistrado afirmou que a norma municipal não está de acordo com a legislação nacional sobre licitações, que também se aplica às hipóteses de inexigibilidade.

O relator pontuou que dispositivos das leis nº 8.666/93 e 14.133/21 ‘‘possibilitam que as licitações respeitem os princípios de publicidade e isonomia, dispostos nas Constituições Federal e Estadual, de modo que, em regra, não devem ser estabelecidas distinções ou preferências nas licitações e contratações realizadas pela Administração Pública’’. Com informações da Comunicação Social do TJSP.

Clique aqui para ler o acórdão

ADI 2285448-54.2022.8.26.0000