PROTEÇÃO DO EMPREGO
TRF-4 mantém lei que impede bombas de autosserviço em postos de combustíveis

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Permitir a instalação de bombas de autosserviço em postos de gasolina impactaria negativamente no mercado do trabalho, atentando contra os valores sociais do trabalho e do pleno emprego, previstos no artigo 1º, inciso IV, da Constituição.

Nesse fundamento, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve sentença da 4ª Vara Federal de Florianópolis, que negou pedido da rede Posto Galo para revogar o artigo 1º da Lei 9.956/2000. O dispositivo proíbe o funcionamento de bombas de autosserviço operadas pelo próprio consumidor nos postos de combustíveis em todo o país.

Política pública se discute no Legislativo

Para a desembargadora Marga Inge Barth Tessler, relatora da apelação, trata-se de questão de política pública, que deve ser discutida e solucionada na seara legislativa, e não na judiciária – tal como reconheceu o juízo de origem, que não viu nenhuma inconstitucionalidade no referido dispositivo. Ademais, como prevê o inciso XXVII do artigo 7º da Constituição, é direito do trabalhador ser protegido em face da automação.

Desa. Marga Tessler foi a relatora
Foto: TRE-RS/Carlos Contreras

Na percepção da relatora, é inviável, na via adotada, a pretensão de rediscutir a proibição de utilização de bomba de autosserviço em postos de combustíveis. ‘‘Ademais, a pretensão encontra óbice na Súmula Vinculante nº 10, na medida em que a agravante busca, se não declarar expressamente a inconstitucionalidade da Lei nº 9.956/2000, afastar sua incidência no caso, o que violaria a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF/88)’’, definiu, prestigiando a sentença.

Os argumentos das partes

Na ação movida em face da Advocacia-Geral da União (AGU), a rede de postos argumentou, em linhas gerais, que a proibição estabelecida pelo dispositivo afronta vários dispositivos da Constituição – especialmente os que protegem a inovação e o direito à liberdade econômica.

Citada pelo juízo da 4ª Vara Federal de Florianópolis, a AGU apresentou contestação. De relevante, arguiu que a Lei 9.956/2000  regulamenta o direito do trabalhador à proteção em face da automação, previsto no artigo 7º, inciso XXVII, da Constituição. Além disso, a Lei garante tratamento isonômico dentro do setor, na medida em que cria regra regulatória capaz de afastar assimetrias de mercado.

Sentença de improcedência

O juiz federal Eduardo Kahler Ribeiro julgou improcedente a ação, por não verificar incompatibilidade entre o disposto no artigo 1º da Lei 9.956/2000 com as normas legais e constitucionais invocadas pela parte autora – notadamente, a Lei 13.874/2019, que instituiu a Declaração dos Direitos de Liberdade Econômica (DDLE); e a Lei de Inovação Tecnológica.

Para Ribeiro, a  regulação do mercado de trabalho promovida pela Lei, ao se preocupar com o desemprego dos trabalhadores do setor, possui conteúdo político, não podendo sofrer de censura por parte do Poder Judiciário. Assim, por essa ótica, a proibição do autosserviço não representa indevido cerceamento à liberdade de iniciativa da parte autora, mas condicionamento legalmente imposto à atividade de venda de combustível, mediante regulação legal.

‘‘Por isso, não identifico razões para declarar a inconstitucionalidade ou a revogação do art. 1º da Lei n º 9.965/2000’’, definiu o juiz sentenciante.

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5013346-43.2022.4.04.7200 (Florianópolis)

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ASSÉDIO MORAL
Justiça do Trabalho condena empregador por racismo recreativo em Guarujá (SP)

Arte de Raquel Batista/Rio On Watch

Um auxiliar mecânico deverá ser indenizado em R$ 10 mil por sofrer racismo recreativo, prática cultural que se vale do humor para expressar hostilidade às minorias. Ele era alvo de piadas frequentes do superior hierárquico, que utilizava expressões como ‘‘mucamo’’, ‘‘chimpanzé’’ e ‘‘meu escravo’’ para se referir ao trabalhador.

A decisão foi proferida pela 1ª Vara do Trabalho de Guarujá (SP) pelo juiz Luiz Evandro Vargas Duplat Filho. Da sentença, cabe recurso ordinário trabalhista (ROT) ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo)

Perspectiva de gênero

Juiz Duplat Filho proferiu a sentença
Foto: Reprodução Linkedin

Em depoimento à Justiça, o reclamante afirmou que o chefe até sugeriu que ele fosse ao cartório para ser registrado como ‘‘escravo pessoal’’. E que jamais considerou os adjetivos como brincadeira. Já a testemunha da empresa (um posto de gasolina) disse que havia liberdade para aquele tipo de tratamento, que jamais presenciou atitudes racistas. Além disso, o trabalhador frequentava eventos na casa do supervisor.

Para decidir, o juiz se baseou no protocolo para julgamento com perspectiva de gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o qual reconhece a influência do racismo na aplicação e interpretação do direito. Em seu entendimento, muitas vítimas de assédio moral não discordam das piadas racistas por medo de perderem o emprego ou pela vergonha de serem ridicularizadas. Por isso, tendem a não se insurgir contra os atos violentos, suportando a convivência no ambiente tóxico por medo do ofensor.

Discurso de ódio

‘‘A vida em sociedade não admite a prática de quaisquer ofensas, insultos ou xingamentos gratuitos, situação ainda mais grave quando tais atos ilícitos estão relacionados com a raça, porque revelam discursos de ódio com base em supremacia racial’’, analisa.

E conclui que o fato de o profissional ter ido a eventos do chefe não é motivo suficiente para eliminar ou minimizar as ofensas preconceituosas, devendo, portanto, reparar o dano moral provocado. Além da penalidade, o magistrado expediu ofícios ao Ministério Público do Estado (MPE-SP) e à Polícia Civil de São Paulo para eventuais providências cabíveis quanto ao crime de injúria racial. Com informações da Secretaria de Comunicação (Secom) do TRT-2.

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ATOrd 1000193-20.2022.5.02.0301 (Guarujá-SP)

SEM SUCUMBÊNCIA
Execução extinta de débitos de operações rurais não gera honorários advocatícios

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Foto: Agência Brasil/Arquivo

A Lei 11.775/08 estabeleceu a exclusão do encargo de 20% do débito de operações de crédito rural como medida de estímulo à liquidação ou à renegociação de dívidas originárias de operações de crédito rural. Assim, não cabe a fixação de honorários advocatícios sucumbenciais em desfavor da parte vencida, sob pena de prejudicar os propósitos da Lei.

Com a prevalência deste entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) livrou a União (Fazenda Nacional) de desembolsar R$ 10 mil, a títulos de honorários de sucumbência, após a extinção de uma execução fiscal sem resolução de mérito, como havia determinado o juízo da 1ª Vara Federal de Pelotas (RS).

Condenação em honorários por ‘‘apreciação equitativa’’

‘‘Considerando a atuação da defesa da parte executada [banca Hein, Buss & Sampaio Advogados Associados] em duas demandas com o mesmo objetivo (extinção da cobrança), tenho como razoável a condenação da parte exequente [União/Fazenda Nacional] em honorários com base em um critério de equidade, sem fixação sobre o valor da execução, portanto’’, fundamentou, na sentença, o juiz federal Lucas Fernandes Calixto.

Desembargadora Maria de Fátima foi o voto vencedor
Foto: Imprensa/TRE-RS

Os advogados da parte executada e a União apelaram, tendo a 2ª Turma reformado a sentença. O colegiado, por maioria, destacou que a dívida executada persistia, não fora extinta, pois será objeto de parcelamento fiscal; e que dívida e parcelamento dizem respeito a operações de crédito rural.

‘‘Portanto, considerando a disposição da Lei 11.775/08 e a jurisprudência pacífica deste Tribunal, entendo que deve ser afastada a condenação em honorários advocatícios da presente execução fiscal, mesmo em relação à exequente/União, já que o crédito rural que se pretendia cobrar está sendo parcelado na forma de lei’’, registrou o voto divergente vencedor neste julgamento, da lavra da desembargadora Maria de Fátima Freitas Labarrère.

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2006.71.10.003668-0 (Pelotas-RS)

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REINTEGRA
TRF-4 vê coisa julgada em parte de sentença não passível de impugnação pelo fisco

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A Justiça deve reconhecer a formação de coisa julgada material daqueles capítulos da sentença que não podem mais ser impugnados por meio de recursos, sem esperar que esta transite em julgado no seu todo. O entendimento, por maioria, é da 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) ao dar provimento a recurso da Pampeano Alimentos/Grupo Marfrig, de Hulha Negra (RS), que venceu a queda de braço com a União/Fazenda Nacional.

A empresa pedia a certificação do trânsito em julgado de parte da sentença mantida no acórdão de apelação da 1ª Turma do TRF-4 que confirmou a aplicação da anterioridade nonagesimal sobre redução do Reintegra (programa criado para incentivar a exportação de produtos manufaturados), oriunda do Decreto 9.393/18 e respectiva compensação, considerando que o processo encontra-se sobrestado em face do Tema 1108/STF.

O relator do agravo interno no colegiado, desembargador Fernando Quadros da Silva, indeferiu o pedido. ‘‘A certificação do trânsito em julgado parcial de capítulo do decisum, para fins de cumprimento ou outra finalidade para a qual a parte requerente pretenda utilizar, é matéria ainda controversa nos tribunais’’, esquivou-se no voto.

Na visão do relator, embora o sistema jurídico considere a existência da coisa julgada dos capítulos da sentença separadamente, isso não significa a obrigatoriedade da certificação do trânsito em julgado parcial. Assim, no caso dos autos, decidiu que deve ser respeitada a unicidade e indivisibilidade da ação. Entretanto, ele ficou vencido no colegiado.

Des. Leandro Paulsen foi o voto vencedor
Foto: Sylvio Sirangelo

O desembargador Leandro Paulsen, voto divergente vencedor nesse julgamento, citou dois acórdãos de sua relatoria para ilustrar o seu posicionamento – o AG 50048249320224040000, lavrado em 16 de março de 2022; e o AG 50264449820214040000, de 18 de maio de 2022.

‘‘Ainda que a sentença não tenha transitado em julgado em sua integralidade, tendo a União deixado de recorrer quanto à parcela do provimento jurisdicional que trata da aplicação da anterioridade nonagesimal sobre a redução do Reintegra decorrente do Decreto 9.393/18 e respectiva compensação, tal capítulo está coberto pelo manto da coisa julgada material, pelo que se faz possível a expedição de certidão de trânsito em julgado parcial’’, fulminou Paulsen na ementa do acórdão.

1ª Seção uniformiza a jurisprudência tributária

A 1ª Seção, que acolheu o agravo interno da Pampeano Alimentos, é um colegiado que reúne os julgadores lotados na 1ª e 2ª Turmas do TRF-4, que têm especialização na ‘‘matéria tributária’’. Basicamente, o colegiado decide a sorte de recursos como ações rescisórias dos julgados de primeiro grau, bem como os da própria seção ou das respectivas turmas; mandados de segurança contra atos dos desembargadores das turmas ou da própria Seção; conflitos de competência; cumprimentos de sentença em execução; agravos internos – o caso deste processo –, dentre outros.

Segundo o parágrafo primeiro do artigo 4º do novo Regimento Interno do TRF-4, publicado em abril de 2019, a 1ª Seção tem competência para processar e julgar recursos em ações de natureza trabalhista (que estavam em curso antes da promulgação da Constituição de 88, envolvendo autarquias da União), aduaneira e tributária. Esta última compreende: obrigações tributárias acessórias, contribuições sociais (inclusive Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, Funrural e Programa de Integração Social – PIS), execuções da dívida ativa não tributária e processos a elas conexos da União, execuções fiscais de conselhos de fiscalização profissional e outras autarquias federais, ações que envolvam o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade); ações versando sobre propriedade intelectual em geral e aquelas em que se discute a certificação de entidades beneficentes de assistência social (Cebas). Compete às Seções, também, uniformizar a jurisprudência das turmas e deliberar sobre a alteração e o cancelamento de súmulas.

Como ocorre nas demais Seções, o colegiado é presidido pelo vice-presidente da corte que, além de coordenar os trabalhos nas sessões de julgamento, profere o ‘‘voto de minerva’’, em caso de empate. Na ausência/impedimento do presidente, assume a função o desembargador mais antigo na Seção.

Clique aqui para ler o acórdão da 1ª Seção

 Clique aqui para ler o acórdão da 1ª Turma

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5003674-58.2020.4.04.7110 (Rio Grande-RS)

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PREVALÊNCIA DO DOMICÍLIO
Cabe à Justiça brasileira julgar rescisão de contrato de consumo com foro no exterior

Paradisus Cancún, México
Foto: Divulgação Meliá

​Em contratos decorrentes de relação de consumo, firmados fora do território nacional, a Justiça brasileira pode declarar nulo o foro de eleição diante do prejuízo e da dificuldade de o consumidor acionar a autoridade judiciária estrangeira para fazer valer o seu direito.

O fundamento, ipsis literis, é do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, integrante da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele e seus colegas entenderam que o Judiciário brasileiro é competente para processar e julgar uma ação sobre rescisão de contrato de prestação de serviços hoteleiros celebrado no México para ali produzir seus efeitos. Afinal, o foro eleito contratualmente no exterior dificulta o exercício dos direitos do consumidor domiciliado no Brasil.

Contra de hospedagem em Cancún, no México

Na origem do processo, um casal firmou contrato de hospedagem, pelo sistema time sharing [tempo compartilhado num resort de férias], com um hotel da rede Meliá em Cancún, México. Sob o argumento de dificuldades financeiras, o casal ajuizou ação – contra a representante do grupo econômico da rede hoteleira no Brasil – para rescindir o contrato.

O pedido foi julgado procedente, o que resultaria na rescisão contratual com devolução dos valores pagos, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu provimento à apelação da parte demandada, reconhecendo a incompetência da Justiça brasileira para decidir o caso.

Justiça brasileira atua em relações de consumo se o consumidor mora no Brasil

Ministro Villas Bôas Cueva foi o relator
Foto: Gustavo Lima/Imprensa STJ

O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva apontou que o artigo 25 do Código de Processo Civil (CPC) admite a possibilidade de eleição de foro internacional, mediante a inclusão de cláusula em contrato escrito, mas ressaltou que o artigo 22, inciso II, do mesmo código, estabelece a competência da Justiça brasileira para julgar demandas de relação de consumo quando o consumidor tiver domicílio ou residência no país.

Ele observou que o contrato discutido no processo é de adesão – tipo em que o consumidor não tem ingerência sobre as cláusulas – e que o casal residente no Brasil é o consumidor final dos produtos e dos serviços ofertados pelo resort, o que atrai a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Nulidade da cláusula de eleição de foro

Além disso, Villas Bôas Cueva lembrou que o artigo 6º, inciso VIII, e o artigo 51, inciso I, ambos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), buscam garantir e facilitar ao consumidor a defesa dos seus direitos, o que permite ao juiz declarar a nulidade de cláusulas consideradas abusivas.

Sobre a questão discutida no processo – destacou o relator –, ‘‘o STJ orienta no sentido da nulidade de cláusula de eleição de foro a partir da demonstração do prejuízo ao direito de defesa e de acesso ao Judiciário’’.

Por fim, o ministro registrou que, devido à Súmula 7 do STJ, não cabe rediscutir em recurso especial (REsp) a decisão da instância originária que considerou que a ré atua como representante da empresa mexicana no Brasil, motivo pelo qual se aplica o artigo 21, inciso I, do CPC. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 1.797.109-SP