‘‘ENDEMONIADOS E INGRATOS’’
Igreja de Valdemiro Santiago vai pagar R$ 15 mil de dano moral por injúrias a grevistas

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

A crença religiosa não pode servir de escusa para agredir pessoas, qualificando-as pejorativamente. Palavras impensadas ditas num púlpito diante de milhares de fiéis seguidores devem ser frontalmente repudiadas pelo Poder Judiciário, já que não se trata de afronta à liberdade religiosa ou controle das pregações, mas de coibir abusos que podem incitar violência na multidão.

Com este fundamento, a 3ª Vara do Trabalho de São Paulo determinou o pagamento de R$ 15 mil, a título de danos morais, a uma ex-empregada da Igreja Mundial do Poder de Deus, injuriada em público pelo autodenominado ‘‘apóstolo’’ Valdemiro Santiago. O líder religioso classificou a autora e os demais grevistas de ‘‘pessoas imundas, incrédulas, avarentas e endemoniadas”.

‘‘Ademais, em depoimento pessoal, o preposto dos reclamados relatou que ‘desconhece ter o 2º reclamado [apóstolo Valdemiro Santiago] chamado os grevistas de pessoas imundas, incrédulas, avarentas e endemoniadas’. Ora, ao preposto não é facultado desconhecer fato essencial ao deslinde do feito, atraindo a pena de confissão ficta quanto aos fatos desconhecidos’’, agregou na sentença a juíza do trabalho Fernanda Zanon Marchetti.

Fiéis hostilizaram os grevistas

Segundo registra a Ata de Audiência, a única testemunha da reclamante – que trabalhou para a Igreja de 2010 a março de 2023 – esclareceu que os funcionários entraram em greve por causa dos atrasos nos pagamentos de salários, nas mensalidades do convênio médico e benefícios (vale-transporte e vale-refeição), além do 13º salário e férias.

Indignado com a greve e diante de milhares de fiéis, segundo a autora, o apóstolo teria dito que os funcionários que estavam em greve não eram dignos de trabalharem lá, que eram ingratos. Afinal, teria comparado, os jogadores de futebol têm salários atrasados por cinco meses, e os funcionários da Igreja não podiam aguardar cinco dias. Ele teria ameaçado demitir todos os funcionários, em razão da conduta dos grevistas, e terceirizar tudo. A grande maioria dos funcionários que participaram da primeira greve foi, efetivamente, dispensada.

Ainda segundo a testemunha, após as palavras injuriosas de Valdemiro, os funcionários grevistas foram abordados e severamente hostilizados pelos fiéis: ‘‘vocês vão para o inferno, vão pagar muito caro pelo falso testemunho que estavam fazendo na rua, pois o apóstolo já havia dito que era tudo mentira’’

Clique aqui para ler a sentença

Clique aqui para ler a Ata de Audiência

ATOrd 1000611-42.2023.5.02.0003 (São Paulo)

 

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PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Contrabando de até mil maços de cigarro não é crime, define STJ

Foto: Divulgação/PRF

Em julgamento de recursos repetitivos (Tema 1.143), a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu a tese de que o princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar mil maços, seja pela baixa reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão do contrabando de grande vulto.

No entanto, segundo o colegiado, o princípio da insignificância poderá ser afastado nas apreensões abaixo de mil maços se houver reiteração da conduta criminosa, pois tal circunstância indica maior reprovação e periculosidade social.

Ao fixar o precedente qualificado por maioria de votos, o colegiado modulou os efeitos da decisão para definir que a tese deve ser aplicada apenas aos processos ainda em trâmite na data do julgamento (13 de setembro) –, sendo inaplicável, portanto, às ações penais já transitadas em julgado. Não havia determinação de suspensão de processos em razão da afetação do tema.

Aplicação pontual do princípio da insignificância já é adotada pelo MP

Ministro Sebastião Reis Júnior
Foto: Rafael Luz/STJ

No voto que prevaleceu na seção, o ministro Sebastião Reis Junior explicou que a conduta de introduzir cladestinamente cigarro pela fronteira brasileira constitui crime de contrabando, tanto no caso de cigarro produzido no Brasil para exportação quanto nas hipóteses em que a importação do produto é expressamente proibida (artigo 18 do Decreto-Lei 1.593/1977).

O ministro ainda lembrou que o Brasil é signatário da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco, cujo artigo 15 determina a repressão do comércio ilícito de produtos de tabaco, inclusive o contrabando.

Sob essa perspectiva, e como forma de proteção à saúde pública, Sebastião Reis Junior afirmou que, em regra, deve prevalecer o entendimento de que o contrabando de cigarros não comporta a aplicação do princípio da insignificância.

‘‘Por outro lado, entendo que a posição adotada pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, no sentido da aplicação do princípio da insignificância para a hipótese de contrabando de cigarros em quantidade que não ultrapassa mil maços, não só é razoável do ponto de vista jurídico como ostenta uma base estatística sólida para sua adoção’’, afirmou.

Apreensões de até mil maços são poucas em relação ao volume total

Para embasar esse posicionamento, o ministro apontou que as apreensões de até mil maços, embora correspondam à maioria das autuações, representam muito pouco em relação ao volume total de cigarros apreendidos. De acordo com as informações estatísticas do ano passado, a maior quantidade se verifica em autuação superior a dez mil maços, com a concentração mais expressiva (73,41%) nas apreensões entre cem mil e um milhão de maços.

Dessa forma, para o ministro, impedir a aplicação do princípio da insignificância nas apreensões de até mil maços de cigarro seria ineficaz para a proteção da saúde pública, além de sobrecarregar indevidamente os entes estatais encarregados da persecução penal, ‘‘sobretudo na região de fronteira, com inúmeros inquéritos policiais e outros feitos criminais derivados de apreensões inexpressivas, drenando o tempo e os recursos indispensáveis para reprimir e punir o crime de vulto’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 1.971.993

REsp 1971993

REsp 1977652

CUMPRIMENTO DE SENTENÇA
Penhora contra empresa do mesmo grupo exige desconsideração da personalidade jurídica

Ministro Antonio Carlos Ferreira
Foto: Imprensa/STJ

A busca judicial por patrimônio de empresa que não integrou a ação na fase de conhecimento do processo e não figura na execução, ainda que ela integre o mesmo grupo econômico da sociedade executada, depende da instauração prévia do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Ou seja, não é suficiente o simples redirecionamento do cumprimento de sentença.

O entendimento foi estabelecido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao dar provimento a recurso especial e julgar procedentes os embargos de terceiros opostos por uma empresa que teve mais de R$ 500 mil penhorados em razão de dívida de outra empresa do mesmo grupo, decorrente de ação ajuizada por consumidor. A penhora não foi precedida de incidente de desconsideração da personalidade jurídica da empresa executada.

Ao manter a penhora determinada em primeiro grau, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) considerou que o artigo 28, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), prevê a responsabilidade subsidiária das pessoas jurídicas integrantes do mesmo grupo societário da devedora principal, o que tornaria possível penhorar ativos de outras empresas do grupo caso não se encontrassem bens da sociedade devedora.

Incidente é norma processual de observância obrigatória

Relator do recurso especial no STJ, o ministro Antonio Carlos Ferreira explicou que a responsabilidade civil subsidiária, prevista expressamente no CDC, não exclui a necessidade de observância das normas processuais destinadas a garantir o contraditório e a ampla defesa – entre elas, a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Segundo o ministro, a interpretação do CDC deve levar em conta que a previsão de responsabilidade subsidiária das sociedades integrantes de um grupo econômico está inserida na mesma seção que disciplina o instituto da desconsideração. Ainda de acordo com Antonio Carlos Ferreira, a norma processual de instauração do incidente é de observância obrigatória e busca garantir o devido processo legal.

‘‘Portanto, o tribunal de origem, ao entender ser suficiente o mero redirecionamento do cumprimento de sentença contra quem não participou da fase de conhecimento, penhorando o crédito da recorrente sem prévia instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, violou o disposto nos artigos 28, parágrafo 2º, do CDC, e 133 a 137 do Código de Processo Civil’’, concluiu o ministro. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1864620

ESCUSA DE CONSCIÊNCIA
PF que é Testemunha de Jeová não consegue o direito de trabalhar desarmado

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Foto: Google Imagens

O direito à liberdade de crença religiosa cede aos princípios da legalidade e isonomia que imperam no serviço público. Assim, um policial federal não pode se recusar a realizar curso de aperfeiçoamento profissional só porque não aceita andar armado. Afinal, a atividade policial exige, intrinsecamente, a necessidade de portar arma e a de participar de treinamentos de tiro.

O entendimento foi firmado pela 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), pondo fim à pretensão de um policial federal de Foz do Iguaçu (PR) adepto das Testemunhas de Jeová que se recusa a fazer treinamento de tiro – última fase do Curso de Aperfeiçoamento (CAP) para a progressão na carreira. O servidor acionou a Justiça para obrigar a PF a lhe oferecer condições de concluir esta etapa final por meio de ‘‘critérios alternativos de atividades educacionais’’.

A exigência está prevista no artigo 5, parágrafo 1º, da Portaria 15.432 – DG/PF, de 19 de agosto de 2021, que disciplina o treinamento operacional continuado da Polícia Federal. A norma determina que todo servidor policial “deve participar anualmente de no mínimo dezesseis horas de treinamento operacional continuado, das quais oito horas devem ser de armamento e tiro”.

Para a relatora do recurso no colegiado, desembargadora Gisele Lemke, deferir o pedido do policial significaria violar a garantia de igualdade de condições assegurada a todos os candidatos que participam do curso de aperfeiçoamento profissional.

‘‘Não cabe à Administração adaptar seus atos em adequação aos preceitos de religião de cada candidato. O deferimento do pedido do recorrente [policial federal], na forma em que postulado, é que estaria privilegiando um candidato, na medida em que não se sujeitaria às mesmas regras previstas no edital, cujo cumprimento é obrigatório aos demais’’, registrou no acórdão, mantendo o despacho denegatório da 1ª Vara Federal de Curitiba.

Um PF que não tolera armas

No início do ano de 2017, após ser convocado para se apresentar armado a uma operação, o policial federal Paulo Sílvio Romualdo da Silva informou à chefia imediata que iria atender a convocação. No entanto, avisou que não iria portar arma de fogo.

Esta recusa deu início a um processo interno, no qual a Administração Pública reconheceu, em parecer, o direito à objeção de consciência – deixar de fazer algo que fira algum princípio religioso. Entretanto, entendeu que ‘‘o servidor deverá atender todas as convocações de seus superiores hierárquicos e participar das operações policiais para as quais seja designado, portando arma de fogo pessoal, sob pena de serem tomadas as medidas disciplinares cabíveis ao caso’’.

A chefia imediata de Silva em Foz do Iguaçu foi notificada do parecer jurídico e dos demais despachos proferidos no processo administrativo. Apesar do despacho desfavorável ao servidor, a chefia local não mais exigiu que este participasse de operações policiais, portando arma de fogo. Dessa forma, sempre que convocado para participar de operações policiais, Silva passou a realizar somente trabalhos operacionais de coordenação e assessoria, como recebimento e destinação de materiais e bens apreendidos.

Além disso, em 15 de maio de 2017, ele foi nomeado, pela administração local, para uma função policial administrativa, tornando-se responsável pelo Depósito de Veículos Apreendidos da Delegacia Regional de Polícia Federal de Foz do Iguaçu.

Dessa forma, nunca mais lhe foi exigido o porte de arma de fogo. Houve a conciliação, na prática, do direito constitucional de objetor de consciência com as suas obrigações como policial federal na esfera da segurança pública.

O ‘‘problema’’ que romperia esta paz estabelecida entre servidor e instituição apareceu em 19 de agosto de 2021, com a edição da Portaria 15.432 – DG/PF, de 19 de agosto de 2021, que disciplina o treinamento operacional continuado da Polícia Federal. É que a obrigação de empunhar armas e disparar tiros se choca com a consciência religiosa. Afinal, toda a Testemunha de Jeová deve buscar todos os meios para não causar a sua própria morte e a de outrem.

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5003004-48.2023.4.04.7002 (Curitiba)

 

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PLANO DE SAÚDE
Juíza valida justa causa de operário que ficou 17 anos sem avisar a empresa que já estava aposentado

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Empregado que omite do empregador a informação de que o afastamento por acidente acabou convertido em aposentadoria, nem se apresenta no prazo legal para dar explicações sobre o status jurídico do seu contrato de trabalho, quando convocado, abandonou o emprego. Logo, pode ser demitido por justa causa.

Nesse fundamento, a 2ª Vara do Trabalho de São Caetano do Sul (SP) considerou válida a dispensa por justa causa aplicada a um operário que, durante 17 anos, escondeu do patrão que já estava aposentado, com o propósito de continuar usufruindo do plano de saúde empresarial. Como a concessão da aposentadoria não extingue, automaticamente, o contrato de trabalho, ele tinha a obrigação legal de informar à empresa essa nova situação.

‘‘Assim, constato que, cessado o auxílio previdenciário, o empregado permaneceu sem comunicar a empresa de tal fato por 17 anos, ônus que lhe cabia, tendo ficado sem trabalhar também pelos mesmos 17 anos, fato que inclusive omitiu na petição inicial, tendo se omitido em comunicar e se apresentar ao labor com o claro propósito de ver mantido o plano de saúde fornecido pela empregadora, que somente é devido enquanto em vigor o contrato de emprego’’, fulminou na sentença a juíza do trabalho Isabela Parelli Haddad Flaitt.

Da sentença, ainda cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo).

A cronologia dos fatos

Segundo o relatório da sentença, o reclamante começou a trabalhar na Manserv Montagem e Manutenção S/A no dia 17 de março de 2005. Em 3 de janeiro de 2006, ele se afastou por motivo de saúde, passando a receber o benefício de auxílio-doença acidentário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Posteriormente, em 2 de dezembro de 2016, o auxílio foi convertido em aposentadoria por tempo de contribuição – concedido com data retroativa de 23 de junho de 2004. O autor disse na petição inicial que, à época, informou à empresa reclamada sobre a concessão da aposentadoria, conseguindo manter o seu plano de saúde na ‘‘condição de inativo’’.

Passados 17 anos da aposentadoria, a empresa, quando realizava um recadastramento de seus empregados por afastamento médico junto ao plano de saúde, finalmente constatou que o contrato de trabalho do reclamante continuava em aberto.

Então, em 2 de dezembro de 2022, a empregadora enviou um telegrama ao reclamante, pedindo o seu comparecimento para prestar informações sobre a sua situação junto ao órgão previdenciário. Em reposta, o trabalhador informou sobre a conversão do auxílio-doença em aposentadoria por tempo de contribuição.

Assim, a empresa deu prazo de 30 dias para o autor se apresentar, sob pena de rescisão contratual. Como não houve o comparecimento, o contrato de trabalho foi encerrado sob a modalidade de despedida por justa causa do empregado, por abandono de emprego – como prevê o artigo 482, letra ‘‘i’’ da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Com a ruptura contratual, o plano de saúde foi finalmente cancelado.

Clique aqui para ler a sentença

1000725-29.2023.5.02.0472 (São Caetano do Sul-SP)

 

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