LEI 3.820/60
Presença de farmacêutico no ato de fiscalização afasta multa do conselho profissional, decide TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Reprodução Site CRFRS.Org

É nula a aplicação de multa pelo Conselho Regional de Farmácia (CRF), com base no parágrafo único do artigo 24, da Lei 3.820/60, se no momento da fiscalização havia a presença de um farmacêutico profissional no estabelecimento autuado.

Com a prevalência deste entendimento, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), por maioria, anulou multa aplicada pelo Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio Grande do Sul (CRF-RS) contra a Dimed S/A Distribuidora de Medicamentos.

O juiz federal convocado Roberto Fernandes Júnior, voto vencedor neste julgamento, observou que o único fundamental legal a lastrear a execução é o descumprimento do parágrafo único do artigo 24 da Lei 3.820/60. O dispositivo, em síntese, diz que as farmácias devem provar aos conselhos federal e regional que as atividades são exercidas por profissional registrado e habilitado, fixando multa aos infratores.

Juiz Roberto Fernandes Jr. foi o voto vencedor
Foto: Esmafesc

Para o magistrado, não havia obrigatoriedade da própria farmácia registrar-se no conselho ou promover a anotação dos profissionais legalmente habilitados, mas de comprovar que o profissional contratado era um farmacêutico stricto sensu (ou seja, habilitado em curso superior de Farmácia e inscrito no CRF), já que tal lei proibia-a de admitir pessoa sem habilitação formal (prático de Farmácia) ou sem formação superior (técnico em Farmácia).

‘‘Trata-se, pois, de dispositivo legal dirigido aos estabelecimentos de farmácia para inibir o exercício ilegal da profissão de farmacêutico, em reforço ao artigo 47 da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688, de 1941), dado que este último tem como sujeito ativo apenas a pessoa que exerce ilegalmente uma profissão’’, complementou no voto.

‘‘No caso, a executada [Dimed S/A] comprovou que o profissional que contratou e que respondia pelo estabelecimento autuado, no momento da visita da fiscalização […], era um farmacêutico stricto sensu;  ou seja, pessoa formada em curso superior de Farmácia e inscrita no quadro de farmacêuticos do Conselho Regional de Farmácia, não ocorrendo, desse modo,  a prática do exercício ilegal da profissão de farmacêutico – alvo exclusivo do artigo 24 da Lei nº 3.820, de 1960’’, fulminou, reformando a sentença para acolher os embargos à execução.

Embargos à execução

Em janeiro de 2018, o CRF-RS lavrou auto de infração, com as respectivas multas, em face da Dimed S/A Distribuidora de Medicamentos, por ausência de profissional registrado no momento da inspeção fiscalizatória numa de suas farmácias, localizada no Centro Histórico de Porto Alegre. Ou seja, autuou a empresa por não ter assistente-técnico nem diretor-técnico cadastrado junto ao CRF-RS há mais de 30 dias, já que a diretora-técnica havia se desligado em junho de 2017.

Descontente com a autuação, a Dimed S/A opôs embargos à execução, objetivando a declaração de nulidade do auto de infração. Alegou, em síntese, que no momento da fiscalização se encontrava em situação regular, já que contava com a presença de  profissional farmacêutica – casualmente, a ex-diretora técnica que, inclusive, assinou o auto de infração.

Notificado pela 23ª Vara Federal de Porto Alegre, o CRF-RS apresentou contestação. De relevante, apontou a ausência de diretor ou assistente-técnico cadastrado na ocasião. Destacou que não basta a simples presença de profissional farmacêutico no estabelecimento. Antes, é necessário profissional cadastrado, na qualidade de responsável-técnico ou assistente-técnico junto ao CRF-RS, pois tal responsabilidade é mais ampla do que aquela atribuída a outros farmacêuticos eventualmente trabalhando no mesmo estabelecimento.

Sentença de improcedência

A juíza federal substituta Marila da Costa Perez acatou a argumentação do Conselho, julgando improcedentes os embargos à execução. A seu ver, a autuação não se deu pela ausência de profissional farmacêutico no momento da fiscalização ou durante o expediente de atendimento, mas por simples falta de indicação de funcionário na posição de responsável-técnico perante o conselho de classe por mais de 30 dias.

‘‘Assim, ainda que a profissional Cínta Janine Kiekow estivesse presente e assinado o auto de infração, em 08/01/2018, isso não comprova a regularidade desde o seu desligamento como diretora-técnica em 27/06/2017, justamente pela ausência de registro com este fim’’, escreveu na sentença.

Para a juíza, a presença do responsável técnico registrado e habilitado, durante todo o horário de funcionamento da farmácia ou drogaria, é obrigatória. Assim, o CRF detém o poder-dever de fiscalizar o cumprimento da exigência legal, não subsistindo qualquer ilegalidade nos atos de fiscalização nem de aplicação da multa.

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RELAÇÃO ABUSIVA
Juíza condena casal a pagar R$ 800 mil à doméstica mantida em trabalho escravo por 30 anos

Reprodução Site do TRT-2

A 30ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou casal que manteve, por mais de 30 anos, uma trabalhadora doméstica em condição análoga à escravidão. O casal terá de pagar um total de R$ 800 mil em salários atrasados, verbas a que a vítima tem direito pelo período que prestou serviços à família sem receber nenhum vencimento, verbas rescisórias, além de indenização por dano moral individual e coletivo.

A sentença foi proferida pela juíza do trabalho Maria Fernanda Zipinotti Duarte. Cabe recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2, São Paulo).

Muito trabalho, nenhum salário

Segundo depoimento da vítima, ela foi procurada no abrigo em que morava para trabalhar como empregada doméstica na residência do casal e para cuidar do filho pequeno em troca de um salário mínimo por mês. Mas nunca chegou a receber pagamento pelo trabalho, nem usufruiu de férias ou períodos de descanso. Entre suas obrigações, estavam limpar a casa e servir as refeições para toda a família dentro de uma jornada que se iniciava às 6h e terminava além das 23h.

A ação civil pública (ACP) foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), com base em denúncia feita pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas-Mooca) após pedido de ajuda feito pela idosa a outra entidade assistencial da Prefeitura de São Paulo. Uma primeira tentativa de receber auxílio ocorreu em 2014 na mesma instituição.

Na ocasião, houve uma conversa com os patrões, sendo acordado que eles registrariam o vínculo de emprego da vítima e pagariam os créditos trabalhistas devidos – o que nunca foi cumprido.

‘‘Ambiente familiar acolhedor’’

O casal se defendeu no processo, alegando que mantém laços familiares com a mulher, lhe proporcionando ambiente familiar e acolhedor por anos. Sustentou que a vítima tinha total liberdade de ir e vir, mas que, por opção própria, saía pouco de casa. Disse que retiraram a doméstica de situação de rua, resgatando-lhe a dignidade e garantindo-lhe afeto. E negou o trabalho em condição análoga à escravidão, considerando a ação judicial ‘‘um exagero’’. Além disso, a doméstica tinha precisava: casa, comida, roupas, calçados e dinheiro para cigarros e biscoitos.

‘‘O labor em condição análoga à escravidão assume uma de suas faces mais cruéis quando se trata de trabalho doméstico. Por óbvio, a trabalhadora desprovida de salário por mais de 30 anos não possui plena liberdade de ir e vir. Não possui condições de romper a relação abusiva de exploração de seu trabalho, pois desprovida de condições mínimas de subsistência longe da residência dos empregadores, sem meios para determinar os rumos de sua própria vida’’, ressaltou a magistrada.

Na sentença, a juíza reconheceu o vínculo de emprego entre a idosa e o casal de janeiro de 1989 a julho de 2022 na função de empregada doméstica, com salário mensal de R$ 1.284 (salário mínimo à época da rescisão). E determinou que os réus registrem a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) da empregada, independentemente do trânsito em julgado da decisão, sob pena de multa diária de R$ 50 mil reversível à idosa. Com informações da Secretaria de Comunicação (Secom) do TRT-2.

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ACPCiv 1000904-62.2022.5.02.0030 (São Paulo)

 

COMENTÁRIO RACISTA
TRT-MG mantém justa causa de técnica de enfermagem que comparou recém-nascido a ‘‘macaquinho’’

Os julgadores da Nona Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais), por unanimidade, mantiveram a dispensa por justa causa de técnica de enfermagem que tratou com rispidez paciente que havia dado à luz filhos gêmeos e ainda fez comentário ofensivo em relação a um dos bebês, de cunho racista, comparando-o a um ‘‘macaquinho’’. Nesse contexto, foi dado provimento ao recurso da Fundação de Assistência Integral à Saúde/Hospital Sofia Feldman (FAIS/HSF) para modificar sentença oriunda do juízo da 38ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, que havia anulado a justa causa.

De acordo com o desembargador André Schmidt de Brito, que atuou como relator e cujo voto foi acolhido pelos julgadores, o comportamento da técnica de enfermagem denota a ausência de postura profissional condizente com o cargo ocupado e respalda a dispensa por justa causa fundada na alínea ‘‘j’’ do artigo 482 da CLT.

‘‘A meu ver, a conduta da obreira é grave o suficiente para respaldar a justa causa, não se cogitando, no caso, de necessidade de gradação de pena, eis que a quebra de fidúcia restou evidente pelo descumprimento da mais elementar obrigação da trabalhadora, que tem, como função primordial, o cuidado humano’’, destacou o relator na decisão.

O julgador ainda verificou ter sido atendido o princípio da imediatidade, considerando que a denúncia da paciente foi levada à ouvidoria no dia seguinte ao ocorrido e, quatro dias depois, após a apuração dos fatos, a técnica de enfermagem foi dispensada por justa causa.

Diante da manutenção da justa causa, foram consideradas indevidas as verbas decorrentes da rescisão imotivada, com a exclusão da condenação imposta na sentença. A instituição de saúde foi absolvida de pagar à profissional o aviso-prévio indenizado, férias mais 1/3; 13º salário, multa de 40% sobre o FGTS e multa do artigo 477 da CLT.

Entenda o caso

Segundo afirmou testemunha indicada pela empregadora, a técnica de enfermagem estava trabalhando em plantão noturno quando se aproximou da paciente, que havia dado à luz filhos gêmeos e um dos bebês estava internado na UTI. A profissional fez o seguinte comentário: ‘‘nossa, seu menino parece um macaquinho’’. Ainda de acordo com a empregadora, todos no setor, inclusive os demais pacientes, ficaram desconcertados com a fala da profissional, afirmando que a mãe ficou extremamente constrangida, sem conseguir esboçar reação no momento da agressão.

A empregadora alegou que, após o ocorrido, o clima no setor ficou bastante comprometido, uma vez que a mãe das crianças e os demais pacientes ficaram indignados e questionaram o que iria ser feito diante da conduta absurda da técnica de enfermagem. Sustentou a empregadora que, após o episódio, a ex-empregada passou a tratar a paciente de forma bastante ríspida, o que agravou o estado emocional dela, que teve crise de choro dentro da unidade em que estava internada.

Conduta profissional inadequada

Desembargador André Schmidt foi o relator
Foto: Leo Andrade/Imprensa TRT-3

 

Na avaliação do relator, a prova oral produzida no processo provou a conduta inadequada da profissional, de forma a inviabilizar a fidúcia necessária à continuação do vínculo de emprego e autorizar dispensa por justa causa. Concluiu-se que, dessa forma, a empregadora se desvencilhou do ônus da prova, nos termos do artigo 818, inciso II, da CLT, comprovando a prática de ato de improbidade cometido pela trabalhadora, na forma do artigo 482, ‘‘j’’, da CLT, suficiente para a ruptura contratual.

Os fatos narrados foram, em parte, admitidos pela própria profissional. Em depoimento, ela confessou ter se referido ao filho da paciente como ‘‘macaquinho’’. Contudo, contextualizou a expressão na seguinte frase: ‘‘o seu filho/bebê é cabeludinho, igual à minha filha, que parecia um macaquinho’’. Segundo afirmou a trabalhadora, ao iniciar o plantão, a mãe já estava chorosa e agitada, porque queria um acompanhante, o que não era permitido pela maternidade.

A profissional reconheceu que a paciente se encontrava em uma situação delicada, tendo em vista que havia dado à luz gêmeos e que os dois bebês estavam internados na UTI pediátrica. Disse que essa situação deixou a mãe apreensiva e vulnerável, o que a levou a uma reação exagerada e desproporcional em relação ao ocorrido. Contou que foi chamada pela direção da maternidade três dias após o ocorrido, quando foi questionada sobre a utilização da palavra ‘‘macaco’’. Acrescentou que confirmou o fato, contudo, com a explicação de que a declaração não teve cunho discriminatório ou ofensivo.

Tratamento ríspido

Para o relator, as declarações da própria profissional não deixaram dúvida sobre a existência do comentário com a utilização de expressão pejorativa. Com relação à forma como a mãe dos gêmeos foi tratada pela técnica, a própria paciente, ouvida como testemunha da empregadora, disse que foi atendida pela ex-empregada após o nascimento de seus filhos, e que, em uma determinada noite, foi tratada de forma ríspida e inadequada, não tendo recebido qualquer auxílio por parte da técnica de enfermagem, embora ela estivesse responsável pelos dois bebês, que, segundo alegou, choravam muito.

A paciente confirmou que a profissional lhe disse que um dos bebês parecia um ‘‘macaquinho’’, de tão ‘‘cabeludinho’’, afirmando que o fato a fez chorar e a deixou muito chateada. Disse que, após o ocorrido, fez uma reclamação junto à ouvidoria da maternidade.

Testemunha apresentada pela instituição de saúde, que ocupava o cargo de enfermeira e assumiu o plantão após o término da jornada da técnica de enfermagem, relatou que foi comunicada por outra enfermeira, pela secretária e pela paciente sobre os fatos ocorridos. Contou que a paciente lhe disse que não havia sido bem tratada pela técnica de enfermagem, que se mostrou indisponível para ajudar com os bebês e que comparou um deles a um ‘‘macaquinho’’. Declarou que levou o fato ao conhecimento da coordenadoria e que a mãe estava muito chorosa e abalada emocionalmente. Afirmou que a paciente do leito ao lado também lhe relatou os mesmos fatos informados pela mãe.

Para o desembargador-relator, ‘‘a situação da puérpera é ainda mais delicada quando o bebê a que deu a luz demanda, por alguma razão, internação em UTI pediátrica, o que deixa a mãe, já fragilizada pelo estado puerperal, ainda mais apreensiva’’.

Falta de acolhimento

Na avaliação do desembargador, a conduta profissional esperada da técnica de enfermagem era de acolhimento e cuidado com a mãe e com os filhos recém-nascidos, sobretudo porque esta não contava com qualquer outra ajuda, em razão de regras internas da própria maternidade, sendo as técnicas e enfermeiras as únicas pessoas com quem poderia contar.

‘‘O infeliz comentário da técnica de enfermagem em relação a um dos bebês, ainda que sem intenção pejorativa ou racista, sem dúvida, é ofensivo, sobretudo sem qualquer contextualização no momento em que realizado e, ainda, desprovido de um necessário e esperado pedido de desculpas posterior’’, registrou o relator.

De acordo com o relator, as explicações da ex-empregada não afastam a gravidade do ocorrido, mesmo porque, tratando-se de profissional experiente e que lidava, diuturnamente, com mães em situação de vulnerabilidade, deveria ter ciência de que determinados comentários não são adequados e devem ser evitados, sobretudo se passíveis de interpretações ambíguas.

Além disso, na visão do relator, acolhida pelos demais julgadores, a profissional não procedeu de forma adequada no decorrer do plantão, tendo tratado a paciente com rispidez e deixado de lhe oferecer o necessário auxílio com os bebês recém-nascidos, situação que foi considerada ainda mais grave por ter ocorrido no período noturno, quando a mãe já estava cansada dos cuidados destinados aos filhos ao longo de todo o dia.

A técnica de enfermagem ainda tentou levar ao caso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), mas o recurso de revista (RR) foi inadmitido pelo TRT-MG. Assim, o processo foi arquivado definitivamente. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRT-3.

Clique aqui para ler a decisão que barrou o recurso de revista

Clique aqui para ler a acórdão

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0010025-71.2022.5.03.0138 (Belo Horizonte)

FALSIDADE DOCUMENTAL
Advogados que admitiram omissão de registro em CTPS de secretária são condenados criminalmente

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Reprodução Aposentadoriadoinss.Com.Br

Deixar de anotar dados como cargo, salário e vigência do contrato, na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), prejudica os direitos trabalhistas e previdenciários do trabalhador. Além do ilícito trabalhista, a conduta tem relevância penal, pois o empregador incorre no crime de falsificação/alteração de documento público, como tipifica o artigo 297, parágrafo 4º, do Código Penal (CP). Afinal, a omissão falseia a verdade dos fatos, ferindo a fé pública.

Por isso, a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) não teve dúvidas em manter a condenação criminal de dois advogados, que admitiram, na Justiça, não terem anotado a CTPS de sua secretária, que trabalhou por sete meses no escritório da família, localizado em São Miguel do Iguaçu (PR). O vínculo empregatício foi confirmado em ação reclamatória que tramitou na Vara do Trabalho de Foz do Iguaçu (PR).

Ciência e consciência do delito

Juiz Danilo Pereira Jr foi o relator
Foto: Imprensa Ajufe

‘‘As circunstâncias do fato, conforme declarações prestadas nos autos da ação trabalhista e no inquérito policial, são elementos hábeis a evidenciar que os acusados tinham plena ciência e consciência da ação delitiva. Comprovados a materialidade, a autoria e o dolo no agir, bem como inexistentes causas excludentes da culpabilidade ou da ilicitude, impõe-se manter a condenação dos réus’’, resumiu, no acórdão, o juiz federal convocado Danilo Pereira Júnior, relator da apelação no colegiado.

Os advogados, que são irmãos, foram condenados à pena de dois anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 15 dias-multa, no valor unitário de um décimo do salário mínimo vigente na data do fato. No entanto, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e pagamento de três salários mínimos.

Vice-Presidência do TRF-4 admitiu o REsp

Os réus apelaram do acórdão da 7ª Turma, interpondo recurso especial (REsp), que acabou sendo admitido pela Vice-Presidência do TRF-4. Nas razões recursais, sustentaram que não restou caracterizada a ‘‘vontade de falsificar documento público’’. Assim, a mera ausência de anotação de vínculo empregatício na CTPS não configuraria o delito previsto no artigo 297, parágrafo 4º, do CP – que lastreou a condenação nas duas instâncias da Justiça Federal da 4ª Região.

‘‘O recurso merece prosseguir, tendo em conta o devido prequestionamento da matéria relativa aos dispositivos supostamente contrariados. Além disso, encontram-se preenchidos os demais requisitos de admissibilidade’’, escreveu resumidamente, na decisão, o vice-presidente, desembargador Fernando Quadros da Silva, encaminhando o caso para reapreciação do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Clique aqui para ler a decisão que admitiu o REsp

Clique aqui para ler o acórdão que negou a apelação

Clique aqui para ler a sentença condenatória

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MANDADO DE SEGURANÇA
Empregador tem de manter plano de saúde de empregada vítima de violência sexual no trabalho

A 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul) manteve decisão liminar de primeiro grau que obrigou uma empresa a seguir com o plano de saúde de uma trabalhadora vítima de violência sexual no ambiente de trabalho.

A decisão resulta de julgamento de mérito de um mandado de segurança movido pelo empregador, que tentava reverter a decisão. O relator do recurso, desembargador  Marcelo José Ferlin D’Ambroso, já havia decidido nesse sentido ao apreciar pedido liminar.

“No que diz respeito ao restabelecimento do plano de saúde para tratamento dos danos psicológicos decorrentes da violência sofrida (plano esse que foi reconhecidamente disponibilizado pela empresa), cabe registrar que a sua manutenção, além de preservar garantias tipicamente trabalhistas, está em consonância com os direitos fundamentais que visam à preservação da saúde e da integridade física e psicológica da trabalhadora, bem como as que reconhecem a função social da empresa (arts. 5º, XXIII e 170, III, ambos da CF)”, disse o relator ao julgar o mérito do mandado de segurança.

Plano de saúde cancelado

A empregada afirmou ter sido vítima de violência sexual no seu ambiente de trabalho. Conforme o relato, a violência foi praticada por um colega quando ela chegava no seu posto para a troca do turno. Após o fato, a trabalhadora precisou se afastar de suas funções em razão do trauma sofrido, passando a fazer acompanhamentos psicológico e psiquiátrico. O acusado foi demitido.

A vítima tentou voltar ao trabalho, mas não conseguiu. Tempos depois, a empresa cancelou o plano de saúde dela. O argumento para esse cancelamento foi o de que a trabalhadora teria parado de pagar a coparticipação. A defesa do empregador sustentou que ela foi avisada previamente de que isso ocorreria se continuasse inadimplente.

A defesa da reclamante, por sua vez, ingressou com ação trabalhista, pedindo o restabelecimento do plano de saúde. Após ouvir as partes e o Ministério Público do Trabalho (MPT), o juízo decidiu por deferir a antecipação da tutela.

‘‘Sem adentrar ao mérito da demanda, cujo juízo de valor somente poderá restar suficientemente claro quando produzidas todas as provas necessárias, acolho o pedido antecipatório, determinando que a Acionada [empresa reclamada] restabeleça o plano de saúde da Autora [reclamante], custeando o valor respectivo, integralmente’’, decidiu o juízo de primeiro grau.

Mandado de segurança no TRT-RS

Des. Marcelo D’Ambroso foi o relator
Foto: Secom TRT-4

A empresa ingressou com mandado de segurança no TRT-4 para tentar reverter essa decisão, mas não obteve êxito. Por unanimidade, os desembargadores da 1ª Seção de Dissídios Individuais mantiveram o que havia sido decidido em primeira instância; ou seja, o restabelecimento do plano de saúde, com pagamento integral pela empresa.

Conforme o desembargador-relator, não se trata de mera liberalidade custear a integralidade do plano de saúde. Ele citou o artigo 6º, parágrafo 3º, inciso I, da Lei 8080/90, que detalha o que se entende por saúde do trabalhador, como, por exemplo, a recuperação e reabilitação de empregados submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho.

Para o magistrado, diante dos fatos narrados e do que consta no registro de ocorrência policial, por exemplo, há evidências de que a trabalhadora sofreu violência sexual praticada por um colega. Lembrou na decisão que a própria empresa entendeu o fato como gravíssimo e promoveu a despedida do acusado.

‘‘Os danos psicológicos oriundos da violência sexual sofrida pela litisconsorte (trabalhadora) são evidentes’’, frisou o desembargador-relator, ao citar um atestado médico que constatou transtorno do estresse pós-traumático e prorrogou o período de afastamento do trabalho por mais 90 dias.

Perspectiva de gênero

Marcelon Ferlin D’Ambroso acrescentou que, para a análise desse caso, é necessário utilizar uma perspectiva de gênero. Lembrou que o Brasil é signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres da Organização das Nações Unidas (ONU) e citou seu artigo 7º, que prevê a obrigação de ‘‘tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa’’.

No voto, o magistrado também selecionou trechos da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. O artigo 2º define o entendimento de que a violência contra a mulher abrange a violência psicológica ocorrida em qualquer relação interpessoal e o assédio sexual no local de trabalho.

Ainda para fundamentar sua decisão, o desembargador citou o inciso III do artigo 932 do Código Civil, que diz que são também responsáveis pela reparação civil ‘‘o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele’’.

Além da esfera trabalhista, o caso está em análise pela Polícia Civil gaúcha, já que o estupro é crime tipificado no artigo 213 do Código Penal, com penas que vão de seis a 10 anos de prisão. Texto de Eduardo Matos (Secom/TRT-4)

O processo tramita em segredo de justiça.