DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO
Dono de navio não pode pedir exame de HIV nem de antecedentes criminais a garçom 

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Não existe justificativa, na legislação brasileira, para a exigência de exame toxicológico, de HIV ou de antecedentes criminais. É que estes pedidos, além de ferir direitos de personalidade, se revestem de caráter discriminatório, sendo vedados pelo artigo 1º da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo artigo 1º da Lei 9.029/95.

Assim, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) confirmou sentença que, no aspecto, condenou os responsáveis por uma empresa de cruzeiro internacional a indenizar um assistente de garçom de navio em danos morais. Dada à gravidade da conduta, os desembargadores da 2ª Turma resolveram dobrar o valor do quantum indenizatório arbitrado na origem, que passou de R$ 5 mil para R$ 10 mil.

Legislação internacional

No recurso ordinário em que contestaram a condenação por dano moral, os empregadores argumentam que tais exames se justificam em razão das características peculiares do trabalho em alto mar. Acrescentam que o exame toxicológico nada mais é do que medida de prevenção e segurança de todos a bordo da embarcação, uma vez que o uso de drogas lícitas e ilícitas, dentre as quais há substâncias que levem à diminuição da cognição e vigilância, torna arriscado, para o indivíduo que a utilizou e para a coletividade.

No caso do exame de HIV – pontuaram –, a legislação internacional e a legislação de Bahamas exigem que o tripulante apresente um certificado médico válido para poder embarcar. Os procedimentos para a elaboração desse certificado, incluindo os exames obrigatórios, seguem padrões determinados pela Maritime Labour Convention (MLC), pela Convenção Internacional sobre Normas de Formação, Certificação e de Serviço de Quartos para Marítimos (STCW) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Direitos de personalidade

A relatora do recurso ordinário (RO) na 2ª Turma do TRT-4, desembargadora Tânia Regina Silva Reckziegel, alinhou-se integralmente à fundamentação vertida na sentença condenatória proferida pela 4ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul. Para ambos os julgadores, a exigência de teste de HIV e de antecedentes criminais violou o direito de personalidade do empregado, no caso a intimidade, como assegura o inciso X do artigo 5º da Constituição – o que gera o dever de indenizar.

‘‘Quanto à exigência de exame toxicológico, sequer contestado, acho que se pode discutir sua pertinência em se tratando do comandante do navio, mas não dos trabalhadores em geral. Isso faz com que, uma vez em tendo sido exigido, o que presumo pela falta de defesa específica, houve violação ao mesmo direito de personalidade do item anterior, intimidade’’, escreveu na sentença o juiz do trabalho Rafael da Silva Marques.

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Reclamatória 0021172-50.2019.5.04.0404/RS

 Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

 

 

AVALISTA DO PATRÃO
Justiça do Trabalho deve decidir caso de gerente coagido a ser fiador da empresa 

Secom/TST

Ministro-relator Renato de Lacerda Paiva
Foto: Secom/TST

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) declarou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar o pedido de indenização por danos morais e materiais de um gerente que foi coagido a assinar uma cédula de crédito bancário como fiador da empregadora. Ao acolher recurso do empregado, o colegiado reconheceu que o Banco Santander (Brasil) S.A., onde foi feita a fiança, também deve fazer parte da ação.

Coação

A reclamação foi ajuizada contra a Expresso Itaúna Ltda. e a Andrade e Resende Transportes Ltda., de Itaúna (MG), e o Santander. Nela, o gerente administrativo disse que fora constrangido a ser fiador de um contrato de crédito da segunda empresa, integrante do mesmo grupo econômico de sua empregadora, mediante “assédio gravíssimo”, com ameaça de perder o emprego e suspensão dos depósitos do FGTS.

De acordo com seu relato, em abril de 2012, a Andrade e Resende teve de renegociar um débito com o Santander. Como o banco exigia garantias e fiadores além dos proprietários, estes determinaram que ele constasse como avalista, com o argumento de que o contrato era necessário apenas para “dar um fôlego” à empresa, que pagaria o empréstimo sem problemas.

Ocorre que, em agosto de 2013, a empresa encerrou suas atividades, e o banco passou a cobrar do gerente, como fiador e garantidor, a dívida, de quase R$ 400 mil. Com isso, o juízo cível decretou o bloqueio de suas contas bancárias. Além do pedido de indenização, ele pretendia a anulação da fiança.

Relação de consumo

O juízo da Vara do Trabalho de Itaúna reconheceu a competência da Justiça do Trabalho apenas em relação às duas empresas, mas negou o pedido de indenização, por entender que não houve prova da coação. No tocante ao banco, a sentença concluiu que a relação era de consumo e, portanto, de natureza civil.

Ao julgar recurso ordinário, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3,MG)  condenou as duas empresas ao pagamento de indenização de R$ 30 mil, em razão de sua conduta antijurídica. Manteve, contudo, a extinção do processo em relação ao banco, concluindo que ele havia exercido seu direito de acionar os credores e seus avalistas, conforme previsto em lei.

Nome “sujo”

No recurso de revista (RR) interposto no TST, o gerente argumentou que, apesar da indenização, ele permanecia como devedor solidário da empresa no processo de execução. Ou seja, que seu nome continuaria “sujo” nos cadastros de consumidores. Sustentou, ainda, que, caso mantida apenas a indenização, ele não receberia “nenhum centavo”, porque as empresas estão falidas, seus sócios “sumiram” e centenas de empregados que moveram ações não receberam os valores devidos.

Competência constitucional

Para a Sexta Turma do TST, o pedido de declaração de nulidade da fiança bancária assinada em decorrência de coação da ex-empregadora se insere na competência constitucional da Justiça do Trabalho. É que o fato causou diversos prejuízos materiais ao trabalhador, como a execução forçada da dívida, a inscrição do seu nome nos serviços de proteção ao crédito e o impedimento de realizar quaisquer outras atividades perante as instituições financeiras.

Segundo o relator, ministro Renato de Lacerda Paiva, ao atribuir a competência da  Justiça do Trabalho para analisar e decidir outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, a Constituição engloba a hipótese em que a obrigação assumida pelo empregado decorra essencialmente da coação exercida pelo então empregador sobre o indivíduo que estava sob sua subordinação.

Risco do empreendimento

Paiva também observou que a coação colocou o trabalhador na posição de assumir os riscos do empreendimento, passando a ser corresponsável pela dívida da empresa como meio de pagar as próprias verbas trabalhistas devidas aos empregados. “Portanto, não há como desvincular a assunção da responsabilidade decorrente da assinatura da fiança com o contrato de trabalho”, concluiu.

Por unanimidade, a Turma reconheceu a legitimidade do Santander para figurar na reclamação trabalhista, e o processo retornará à Vara do Trabalho para julgamento da controvérsia relativa aos danos materiais e à nulidade da fiança.

O ministro ressaltou, no entanto, que o contrato de empréstimo propriamente dito, firmado entre a empresa e o banco, não está inserido na competência da Justiça do Trabalho.

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Processo RR-11232-57.2013.5.03.0062

 

 

EXECUÇÃO CONCURSAL
Limite para habilitação de crédito trabalhista engloba valor pago antes da decretação da falência

Imprensa STJ

O limite de 150 salários mínimos para habilitação na cla

se dos créditos trabalhistas, previsto no artigo 83, inciso I, da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência), engloba valores pagos anteriormente à decretação da falência da devedora. O entendimento foi firmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os ministros negaram provimento ao recurso no qual uma credora argumentou que os valores recebidos por ela antes da decretação da quebra de uma sociedade financeira não poderiam ser subtraídos do máximo legal para fins de habilitação na classe trabalhista. Ao STJ, a recorrente pediu que o limite de 150 salários mínimos fosse considerado em relação às quantias sob a competência do juízo falimentar, e não do juízo trabalhista, inclusive em relação ao período anterior à falência.

Segundo o processo, a credora pleiteou a habilitação de crédito, consubstanciado em sentença da Justiça do Trabalho, no processo de falência da sociedade. Previamente a tal requerimento, houve a satisfação de parte do crédito, enquanto estava em curso a liquidação extrajudicial da devedora.

Em razão disso, as instâncias de origem entenderam que somente deveria ser habilitado como preferencial (artigo 83, inciso I, da Lei de Falência) o montante que, incluindo a quantia já recebida por ela no âmbito da Justiça do Trabalho, perfizesse o equivalente a 150 salários mínimos. O que excedesse tal patamar seria lançado na classe dos quirografários.

Processo coletivo para receber valores da sociedade falida

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que o procedimento especial de liquidação de instituições financeiras tem a mesma natureza jurídica do processo falimentar, haja vista que ambos possuem a finalidade precípua de apuração do ativo e realização do passivo, por meio de execução concursal.

De acordo com a ministra, como consequência do regime especial liquidatório, os credores, em vez de pleitear a realização de seus créditos em processos individuais, ficam submetidos a um procedimento coletivo, no curso do qual os valores a que fazem jus serão solvidos em rateio, observadas as preferências legais e a proteção fundamental da par conditio creditorum (igualdade entre credores) no âmbito de cada classe de credores envolvidos.

A partir desse tratamento isonômico, esclareceu, forma-se uma espécie de fila de credores aptos ao recebimento, ‘‘sendo certo que, nos limites traçados pela lei, os que estão posicionados à frente receberão com antecedência em relação aos seguintes, circunstância que se repetirá até o esgotamento das forças econômicas da massa falida’’.

Na avaliação da relatora, é necessário que o administrador judicial e o juiz encarregado do processo falimentar atuem com equilíbrio e razoabilidade, para que as preferências e os privilégios legais, em cada caso específico, não se revelem abusivos, em prejuízo dos demais credores.

Preferência legal para habilitar crédito

No caso em julgamento, a ministra verificou que a formação do concurso de credores teve início com a deflagração da liquidação extrajudicial da sociedade, e não somente a partir do decreto da quebra, como argumentou a credora.

Para a relatora, não há como admitir que a credora, após ter percebido, no curso da liquidação extrajudicial, crédito trabalhista no montante equivalente a 150 salários mínimos, possa se valer da preferência legal prevista no artigo 83, inciso I, da Lei de Falência para habilitar, nessa mesma classe, seu crédito excedente.

‘‘Tratar a situação aqui discutida de modo diverso daquele levado a cabo pelo tribunal de origem – que impediu a habilitação do crédito que exceda os 150 salários mínimos (já recebidos) na classe dos trabalhistas – resultaria em conferir tratamento diferenciado à recorrente, em prejuízo dos demais credores, especialmente os da mesma classe (os quais, em geral, constituem os sujeitos mais frágeis do ponto de vista econômico)’’, disse a magistrada.

Nancy Andrighi ressaltou que o crédito excedente devido à credora deverá ser habilitado como quirografário, não havendo nenhuma subtração do seu direito de receber os valores a que faz jus, os quais não deixarão de existir nem se tornarão inexigíveis – apenas perderão seu caráter preferencial.

Leia o acórdão no REsp 1.981.314

 

SUSPEITA DE CONTRAFAÇÃO
Indústria terá de pagar R$ 2,8 milhões por abusar de cautelares e prejudicar concorrente

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

O Código de Processo Civil (CPC)  adotou a teoria do risco-proveito ao estabelecer que o beneficiado com o deferimento da tutela provisória deve arcar com os prejuízos causados à parte adversa, sempre que a sentença lhe for desfavorável, cesse a eficácia da medida ou o juiz acolha a prescrição, como prevê o artigo 302.

Movida por este fundamento, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) confirmou sentença que determinou o pagamento de R$ 2,8 milhões, a título de reparação material, a uma indústria de móveis prejudicada pela concorrente na Comarca de Bento Gonçalves. A ré, sob o argumento de defender a patente de seu produto, pediu e obteve medida liminar que impediu o concorrente de fabricar o seu produto – tábua de passar roupa –, mas saiu perdedora no final dos três processos.

‘‘Na espécie, o deferimento das cautelares, bem como as sentenças de improcedência dos pedidos formulados nas ações 005/1.03.0002434-6 e 005/1.03.0002449-4 e extinção da ação nº 005/1.08.0004363-3 representam fatos incontroversos nos autos Portanto, tendo ocorrido a concessão e efetivação das tutelas provisórias, posteriormente revogadas, resta caracterizada a hipótese prevista art. 302, inciso I do CPC’’, escreveu no acórdão o desembargador-relator Carlos Eduardo Richinitti, mantendo integralmente os termos da sentença.

Ação indenizatória

Politorno Móveis Ltda ajuizou ação indenizatória pedindo o ressarcimento de prejuízos suportados em decorrência de três ações judiciais movidas contra si pela concorrente D’itália Móveis Industrial Ltda – ambos os litigantes sediados no polo moveleiro de Bento Gonçalves, na Serra gaúcha – pela prática de contrafação (falsificação) de desenho industrial. O objetivo era impedir que a Politorno comercializasse um produto cujo modelo de utilidade foi patenteado pela empresa D’itália perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

As duas primeiras ações foram julgadas procedentes no primeiro grau para condenar a ré, naquele processo, a se abster de produzir o produto protegido por patente e a indenizar a autora em valor a ser apurado em liquidação de sentença. Estas sentenças, entretanto, acabaram modificadas no segundo grau, pois o TJ-RS julgou as demandas ajuizadas pela D’itália Móveis Industrial Ltda improcedentes.

A D’Itália ainda tentou recurso especial (REsp) ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas o TJ-RS negou seguimento; e o agravo não foi conhecido. Por fim, a terceira ação acabou extinta na origem, por apresentar identidade de partes e pedido iguais  de ações anteriores. Neste caso, a consequência jurídica é a extinção do processo, sem resolução de mérito, a teor do que estabelece o artigo 485, inciso V, do Código de Processo Civil (CPC).

A ementa do acórdão que deu provimento a uma das apelações, da 10ª Câmara Cível do TJ-RS, é reveladora e sintetiza bem o desfecho do litígio: ‘‘Situação em que as provas produzidas nos autos indicam que o produto fabricado pela requerida [Politorno] não possui as características patenteadas pela autora [D’itália Móveis Industrial Ltda]. Proteção técnica do ato inventivo, não da mera aparência. Prova pericial que concluiu pela inexistência da contrafação’’.

Sentindo-se prejudicada com a escalada de cautelares, a Politorno foi à Justiça pedir a condenação da D’Itália ao pagamento de danos morais e materiais (lucros cessantes), sob a alegação de litigância de má-fé pelo ajuizamento de ações em duplicidade. Afinal, em função das inúmeras cautelares obtidas pela ré na Justiça, para busca e apreensão, a parte autora ficou sem poder produzir nem comercializar o seu produto por mais de oito anos.

Sentença parcialmente procedente

A 3ª Vara Cível da Comarca de Bento Gonçalves julgou parcialmente procedente a ação. Inicialmente, negou o pedido de danos morais, por não vislumbrar má-fé na conduta da ré. Para a juíza Romani Terezinha Bortolas Dalcin, a ré não praticou nenhum ato ilícito que enseje reparação na esfera extrapatrimonial. O simples fato de ter demandado em juízo e obtido provimento liminar, ao final revogado, pois julgada improcedente a ação, não implica em prejuízo moral. Afinal, o exercício do direito de ação é garantido pela Constituição no artigo 5º, inciso XXXV: ‘‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’’.

Por outro lado, a julgadora reconheceu os danos materiais, decorrentes do período em que a empresa autora deixou de faturar, em razão dos pedidos que teve que cancelar e pelos produtos apreendidos/avariados durante o lapso de tempo em que a liminar vigorou. É que a parte que pleiteia uma medida liminar na Justiça responde pelo prejuízo causado à parte adversa, conforme previsto no artigo 302, do CPC.

A íntegra do dispositivo: ‘‘Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se: I – a sentença lhe for desfavorável; II – obtida liminarmente a tutela em caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias; III – ocorrer a cessação da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; IV – o juiz acolher a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor. Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível’’.

Segundo a juíza, esse é o risco que a parte corre no momento em que postula a concessão de uma medida liminar que pode causar efetivo prejuízo à parte contrária. ‘‘No caso, foi deferida liminar que culminou na paralisação da produção da parte autora, danificação de produtos apreendidos e cancelamento de pedidos. O prejuízo material, portanto, é evidente’’, complementou, arbitrando o quantum reparatório no valor de R$ 2,8 milhões.

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Ação indenizatória 005/1.11.0008927-2/RS

 Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS

 

 

 

 

JUSTA CAUSA ANULADA
Alcoólatra demitido por beber e furtar licor em serviço será indenizado em danos morais

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Se o mau procedimento do empregado no ambiente de trabalho decorre de alcoolismo crônico, o patrão não pode simplesmente demiti-lo por justa causa, já que é abuso do poder potestativo tratar um caso grave de saúde como desvio de conduta, punindo-o. Além disso, num caso destes, o ato abusivo enseja reparação por danos morais, por presumíveis, em favor do ex-empregado.

Por estes fundamentos, a 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) negou recurso de um restaurante de Porto Alegre, condenado a converter a demissão por justa causa em dispensa imotivada de um empregado que bebeu e furtou no ambiente de trabalho. A empregadora ré também foi condenada a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais, por dispensa discriminatória – valor mantido em segundo grau.

‘‘Assim, comprovado o alcoolismo do autor e considerando-se que os efeitos da referida doença, de forma indubitável, acarretam consequências na vida e no trabalho do empregado, concluo que tal condição motivou o demandante a praticar a conduta que ensejou a aplicação da justa causa (…), não sendo raros os efeitos do torpor alcoólico levarem o indivíduo a desatinos e, até, falta de memória quanto aos atos praticados, motivo pelo qual entendo que, assim como restou decidido na origem, a despedida por justa causa do demandante deve ser considerada inválida’’, escreveu no voto o relator do recurso, desembargador Marcelo José Ferlin D’Ambroso.

Na vasta fundamentação, em que confirmou os exatos termos da sentença, o relator citou a Súmula 443 do TST, que diz: ‘‘Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego’’. A petição inicial, contudo, não trouxe este pedido.

Demissão por justa causa

Segundo os autos, o reclamante foi demitido por justa causa em 19 de novembro de 2019, após ser flagrado, por câmara de vídeo, consumindo bebida alcoólica em plena jornada de trabalho, na frente de colegas. A após beber cerca de 300ml de licor da marca Amarula, o empregado deixou o restaurante – localizado num shopping da Capital gaúcha – com a garrafa escondida sob a roupa. A dispensa teve como fundamento jurídico o artigo 482, alíneas, ‘‘a’’ e ‘‘b’’ – respectivamente ‘‘ato de improbidade’’ e ‘‘incontinência de conduta ou mau procedimento’’.

O juízo da 19ª Vara do Trabalho de Porto Alegre declarou inválida a justa causa, convertendo-a em demissão sem justa causa, ante a ‘‘evidente intenção’’ do empregador de encerrar a relação. Para o juiz do trabalho Mateus Crocoli Lionzo, a situação posta nos autos envolve um caso de saúde. Citando laudo médico da Justiça Federal, disse que o empregado é dependente químico de álcool – um alcoólatra. Os atestados médicos, receituários e demais e demais documentos anexados à ação reclamatória apontam diagnóstico de transtorno mental e comportamental devido ao uso de álcool. A enfermidade está catalogada na Classificação Internacional de Doenças como CID 10 F10.2.

Auxílio médico e internação

Lionzo destacou que, imediatamente após a dispensa, o trabalhador buscou auxílio médico, vindo a ser internado em unidade fechada de saúde para tratamento da patologia. Estes fatos, segundo o julgador, revelam a existência da doença em estágio grave ainda na época do contrato de emprego. Conforme a perita médica, a doença começou a se manifestar, provavelmente, em 2017.

Na percepção do juiz, o autor da ação reclamatória não se apropriou da bebida por motivos econômicos, desonestidade ou por improbidade, mas em razão da sua patologia, tanto que a ingeriu em quantidade considerável (“um copo bem generoso” ou aproximadamente 300ml, conforme relato da testemunha da ré), ainda no local de trabalho e na presença de outro empregado. Afinal, não é esta a conduta de alguém que busca auferir vantagem com a subtração do produto, destacou.

Furto insignificante

Conforme o julgador, a bebida furtada possui baixo valor econômico, pois a garrafa custa menos de R$ 100,00. Trata-se, portanto, de quantia ínfima, especialmente para um estabelecimento empresarial situado em um shopping e com pelo menos sete empregados – cinco ou seis garçons, um copeiro e um auxiliar de serviços gerais.

‘‘Assim, ciente do fato, deveria a ré ter agido com cautela,

bastando solicitar ao autor o ressarcimento do valor equivalente à bebida e encaminhá-lo para tratamento médico ou ao INSS, o que não fez. Sequer buscou saber os motivos da atitude da parte autora, a qual, diga-se, tinha quase 2 anos de trabalho para a ré no momento da rescisão contratual sem qualquer conduta desabonadora’’, cravou na sentença

Reparação moral

O juiz do trabalho Mateus Crocoli Lionzo também acolheu o pedido de indenização por danos morais, já que o empregador, sem ‘‘cautela nem discrição’’, tratou um caso de saúde de forma negligente, deixando o fato transparecer aos colegas de trabalho do autor e aos frequentadores do shopping. O dano moral é caracterizado pela ofensa aos direitos de personalidade elencados no inciso X do artigo 5º da Constituição – honra, imagem, auto-estima.

Para o juiz, como ficou claro o fato ofensivo e a conduta ilícita do empregador, o dano no empregado é presumível (dano in re ipsa); ou seja, ele nem precisa fazer prova de que foi prejudicado com a atitude do patrão para ter direito à indenização moral. A configuração destes elementos faz nascer o dever de reparação, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil (CC). O quantum indenizatório foi arbitrado em R$ 15 mil.

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Reclamatória 0020012-44.2020.5.04.0019/RS

 Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS