Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)
As regras do edital são as leis do processo licitatório, que devem ser seguidas, obrigatoriamente, por todos os participantes. No entanto, revela-se desproporcional a exclusão de uma empresa de futuras licitações públicas por causa de pequeno atraso na entrega da documentação.
Munido deste fundamento, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) negou apelação interposta pela União que, representando no processo o Foro da Justiça Federal de Santa Catarina (JF-SC), não conseguiu manter duas penalidades administrativas impostas à Telefônica Brasil: impedimento de licitar/contratar com o Poder Público Federal e o descredenciamento do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf) por quatro meses. O valor da multa pelo atraso no envio da documentação, no entanto, foi mantido nos dois graus de jurisdição.
Sanções administrativas
A Telefônica participou do Pregão Eletrônico 5/2019, promovido pela Justiça Federal catarinense, para a contratação de serviços de telefonia celular, sagrando-se vencedora no item correspondente. Em 26 de março de 2019, a Administração Pública Federal liberou o contrato para assinatura de seus representantes legais em meio digital. Entretanto, por falta do Anexo de Preço (documento essencial para análise), o prazo para assinatura restou prorrogado até às 19h do dia 5 de abril daquele ano.
Segundo alegou a defesa, um dos representantes legais da empresa assinou o contrato eletronicamente em tempo hábil. Ocorre que o link para assinatura eletrônica enviado para o segundo representante foi recebido às 18h38min do dia 5 de abril – e este estava em viagem aérea, deslocando-se de São Paulo para Brasília. Sem a consumação da integral assinatura do documento, a Administração certificou ‘‘decurso de prazo’’.
Mesmo assim, os advogados da empresa remeteram, para o órgão contratante, três vias do contrato em meio físico (papel). Isso demonstraria, de forma inequívoca, segundo a defesa, o interesse no contrato e a inexistência da chamada ‘‘recusa injustificada’’.
A Administração Pública, entretanto, considerou injustificada a recusa. Em decorrência, aplicou à empresa as seguintes sanções: multa no valor equivalente a 15% do total contratado (R$ 112,4 mil), resultando em R$ 16,6 mil; e impedimento de licitar e contratar com a União e demais entes federados, além do descredenciamento do Sicaf, pelo prazo de quatro meses.
Ação anulatória
Inconformada, a Telefônica Brasil ajuizou ação anulatória em face da Administração Pública na 3ª Vara Federal de Florianópolis. Após a exposição de fundamentos na petição, ressaltou que a manutenção das penalidades acarretará prejuízos de grande monta, dada a extensa gama de serviços que a empresa presta à Administração Pública e ao fato de que pretende participar de diversas licitações.
O juiz federal Diógenes Tarcísio Marcelino Teixeira julgou parcialmente procedente os pedidos embutidos na petição inicial. Em síntese, manteve a multa aplicada, mas derrubou as demais sanções, por considerá-las desproporcionais em face da ‘‘infração contratual de potencialidade lesiva diminuta’’.
Prazo exíguo
Narrando a sequência dos fatos, o juiz assinalou que, por uma ou outra razão, a parte autora [Telefônica] descumpriu a responsabilidade editalícia de consumar a formalização do Contrato Administrativo 15/2019 até o dia 2 de abril de 2019. Após receber a minuta do contrato ainda no dia 26 de março, ela só se manifestou em 4 de abril, quando já expirado o prazo de cinco dias úteis – e o fez para suscitar uma dúvida sobre informações que deveriam ou não constar do instrumento.
A Administração Pública, por sua vez, agiu de forma diligente. Após a primeira manifestação da autora, às 17h52min do dia 4 de abril, sanou a dúvida existente no mesmo dia, às 18h52min, ao passo que somente no dia seguinte, dia 5, a autora avisou que seu primeiro preposto havia assinado o contrato, restando pendente a assinatura do segundo preposto.
‘‘De concreto, o que se tem é que o atraso imputado à autora foi de apenas 3 (três) dias, eis que o prazo expirara em 2.4.2019 e que já em 5.4.2019 a Administração deu o contrato como definitivamente não cumprido e iniciou a apuração da infração e a aplicação das penalidades’’, historiou o juiz.
Apesar do atraso na formalização do contrato, advertiu, a parte autora em nenhum momento agiu de forma desleal, com dolo ou má-fé, considerou o julgador. Mais: não se recusou a celebrar o contrato e não impôs óbice à celebração. Limitou-se, apenas, questionar, ainda que fora do prazo, sobre a inexistência de determinada informação no instrumento contratual.
Neste quadro, Teixeira entendeu que as sanções de impedimento de licitar e contratar com entes públicos e descredenciamento do Sicaf ‘‘soaram por demais onerosas’’. Isso além de estarem ‘‘em descompasso’’ com a atuação da própria Administração, que prorrogou o prazo para a assinatura do contrato.
‘‘Outro fator a ser ponderado e que leva à conclusão pela desproporção das sanções aplicadas é a pouca monta do contrato em questão, cuja mensalidade inicial era da ordem de R$ 4.685,40 (quatro mil seiscentos e oitenta e cinco reais e quarenta centavos), conforme consta da ata do pregão eletrônico’’, registrou a sentença. Em resumo, as penalidades aplicadas ultrapassaram os limites da proporcionalidade em relação à natureza da infração.
‘‘A leitura ipsis litteris do art. 7º da Lei n. 10.520, de 2002, com efeito, leva à conclusão inapelável da legalidade da aplicação das penalidades ora em debate. Porém, os tribunais vêm entendendo que sua aplicação depende da constatação de ter a contratada agido com malícia, dolo ou má-fé’’, finalizou.
Em sede de recurso, o TRF-4 confirmou o entendimento do juízo de primeiro grau. ‘‘Nessa perspectiva, não há reparos à sentença, visto ser cediço que as medidas adotadas pela Administração Pública devem ser aptas e suficientes a cumprir o fim a que se destinam, com o menor gravame aos administrados para a consecução dessa finalidade. Incabível que o ato administrativo atribua ônus ou pena demasiadamente desproporcional à falta cometida pelo contratado’’, cravou no acórdão o desembargador-relator Victor Luiz dos Santos Laus.
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Procedimento comum 5016679-08.2019.4.04.7200/SC
Jomar Martins é editor da revista eletrônica PAINEL DE RISCOS