DIGNIDADE HUMANA
Plano de saúde não pode reduzir atendimento domiciliar sem indicação médica, diz STJ

É vedado ao plano de saúde reduzir o atendimento hospitalar em domicílio, conhecido como home care, sem indicação médica, decidiu, por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para o colegiado, a repentina e significativa redução da assistência à saúde durante tratamento de doença grave e contrariando a indicação médica viola os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana.

Uma mulher, diagnosticada com parkinsonismo com evolução para espasmicidade mista e atrofia de múltiplos sistemas (MAS), ajuizou ação de obrigação de fazer combinada com compensação por dano moral após o Postal Saúde – Caixa de Assistência e Saúde dos Empregados dos Correios reduzir o seu tratamento domiciliar de 24 para 12 horas por dia.

O juízo de primeiro grau considerou que a redução foi indevida e determinou que o plano de saúde mantivesse o home care de forma integral.

No entanto, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) reformou a decisão, limitando os serviços ao máximo de 12 horas diárias, sob o fundamento de que o home care com enfermagem de 24 horas não deve ser concedido para casos de maior gravidade, pois nessas situações o mais adequado seria manter o paciente no hospital.

Significativa diminuição da assistência à saúde deve ser considerada abusiva

Ministra Nancy Andrighi foi a relatora
Foto: Imprensa/TSE

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, ponderou que, mesmo não tendo havido a suspensão total do home care, ocorreu uma diminuição ‘‘arbitrária, abrupta e significativa’’ da assistência até então recebida pela paciente – conduta que deve ser considerada abusiva.

‘‘A redução do tempo de assistência à saúde pelo regime de home care deu-se por decisão unilateral da operadora e contrariando a indicação do médico assistente da beneficiária, que se encontra em estado grave de saúde’’, disse.

A ministra também questionou o entendimento do TJPE de que a internação domiciliar não deveria ser autorizada para pacientes em situação grave. Segundo a relatora, conforme foi decidido no AREsp 2.021.667, ‘‘é uníssono o entendimento nesta corte de que é abusiva a cláusula contratual que veda a internação domiciliar (home care) como alternativa à internação hospitalar’’.

Por fim, Nancy Andrighi ressaltou, citando o julgamento do REsp 1.537.301, que a prestação deficiente do serviço de home care ou a sua interrupção sem prévia aprovação ou recomendação médica, ou, ainda, sem a disponibilização da reinternação em hospital, gera dano moral, pois ‘‘submete o usuário em condições precárias de saúde à situação de grande aflição psicológica e tormento interior, que ultrapassa o mero dissabor’’.

Acompanhando o voto da relatora, o colegiado restabeleceu a sentença que condenou o plano de saúde a arcar com a internação domiciliar e a pagar R$ 5 mil à segurada por danos morais. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 2.096.898

CURSO DE FORMAÇÃO
É ilegal aplicar psicotécnico na segunda fase do concurso da Polícia Rodoviária Federal, diz TRF-4

Por Jomar Martins (jomar@painelderiscos.com.br)

Foto: Agência Brasil

A avaliação psicológica complementar aplicada no curso de formação profissional, segunda fase do concurso público da Polícia Rodoviária Federal (PRF), afronta o princípio da legalidade e a Súmula Vinculante 44 do Supremo Tribunal Federal (STF). Afinal, na dicção desta, ‘‘Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público’’.

Com a prevalência deste entendimento, a maioria da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) acolheu apelação de um candidato eliminado de forma arbitrária da segunda fase do concurso da PRF. Num universo de 1.500 candidatos, só o autor e outros três colegas tiveram de passar pela avaliação psicológica complementar.

Inaptidão psicológica para o cargo de PRF

Segundo o processo, o Conselho de Análise Comportamental levantou evidências de características restritivas para o cargo de policial, como dificuldades no controle das emoções e para gerenciar conflitos, agressividade e baixa assertividade, que influencia na objetivação de metas e na tomada de decisão, prejudicando a interrelação e o desempenho das atividades profissionais. Assim, os psicólogos o consideraram inapto para as funções.

No primeiro grau, o juízo da 4ª Vara Federal de Florianópolis entendeu que o relatório dos três psicólogos que excluíram o autor do certame não se sujeita à revisão do Poder Judiciário. Afinal, não cabe ao Judiciário reapreciar os critérios adotados pela Administração Pública, salvo quando ‘‘eivados de vício de legalidade’’.

Teste psicológico complementar é legal, diz juiz

‘‘Sendo assim, a realização de teste psicológico complementar aplicado a apenas alguns dos candidatos, desde que sua necessidade seja devidamente fundamentada, não padece de ilegalidade, tampouco fere o princípio da isonomia, dado que os candidatos têm conhecimento de tal possibilidade, aderindo às regras do edital’’, escreveu na sentença o juiz federal Vilian Bollmann.

Desembargador Luiz Alberto Aurvalle
Foto: Flickr/ACS/TRF-4

No entanto o relator da apelação no TRF-4, desembargador Luiz Alberto D’Azevedo Aurvalle, reformou a sentença de improcedência. Ele seguiu o entendimento da 3ª Turma: ‘‘O Edital Concurso PRF Nº 1/2021 está em descompasso com o art. 3º da Lei nº 9.654/98, cuja redação prevê, de forma inequívoca, a possibilidade de realização de exame psicotécnico, com reflexo eliminatório ou classificatório, exclusivamente na primeira fase do certame, não alcançando, assim, a fase que engloba o curso de formação’’, registra, no ponto, a ementa do acórdão lavrado pela desembargadora Vânia Hack de Almeida.

Avaliação complementar tisna a impessoalidade do concurso

Para Aurvalle, submeter um candidato à avaliação complementar – os demais ficaram desobrigados – significa comprometer a igualdade do certame e até mesmo tisnar a impessoalidade – princípios que deve permear os concursos públicos de maneira inafastável.

‘‘Dessume-se daí que, aprovado no exame psicotécnico, cuja realização é anterior à do curso de formação, teria cumprido os requisitos legais no referido exame/avaliação. No entanto, o autor foi submetido, novamente, a um segundo exame psicológico, ao qual denomina a Administração Pública de avaliação psicológica complementar. Tal postura, por não se compreender no âmbito estipulado pelo art. 3º, caput, da Lei 9.654/98, viola a reserva legal exigível para a fixação dos requisitos de acesso aos cargos públicos (art. 37, I, CF)’’, fundamentou no acórdão.

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5034397-47.2021.4.04.7200 (Florianópolis)

 

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RESTITUIÇÃO
Descontos na rescisão de metalúrgico não podem exceder o valor de um mês de remuneração

Conforme o artigo 477, parágrafo 5º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), qualquer compensação no pagamento das verbas rescisórias não poderá exceder o equivalente a um mês de remuneração do empregado.

Por isso, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), do Tribunal Superior do Trabalho (TST), negou recurso da Teksid do Brasil Ltda., metalúrgica sediada em Betim (MG), contra decisão que a condenou a restituir a um trabalhador metalúrgico os descontos nas verbas rescisórias que excederam o valor de um mês de remuneração.

Descontos nas verbas rescisórias

Na reclamatória trabalhista, o metalúrgico alegou que a quantia descontada no termo de rescisão do contrato de trabalho extrapolou o valor de um salário mensal, o que seria ilegal.

Adiantamentos e contribuições previdenciárias

No segundo grau da Justiça trabalhista, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3, Minas Gerais) manteve a improcedência do pedido de devolução dos descontos. O Regional adotou o mesmo entendimento da primeira instância, de que os adiantamentos e as contribuições previdenciárias são descontos autorizados pelo artigo 462 da CLT. Portanto, não estariam sujeitos à limitação de uma remuneração mensal prevista no artigo 477, parágrafo 5º, da CLT.

Teto: uma remuneração mensal

O metalúrgico apresentou recurso de revista, e a Terceira Turma do TST acolheu os argumentos do trabalhador. O colegiado enfatizou que a CLT estipula o limite de um mês de remuneração no caso de qualquer compensação durante a rescisão contratual. Diante disso, determinou a restituição dos valores descontados que excederam o teto remuneratório de um mês, independentemente da natureza das parcelas compensadas.

Divergência jurisprudencial

Ministro Evandro Valadão foi o relator
Foto: Secom/TST

Contra a reforma da decisão regional, a Teksid do Brasil Ltda. interpôs recurso de embargos à SDI-1, alegando que a decisão da Terceira Turma do TST divergia do entendimento da Sexta Turma sobre o mesmo tema. O relator dos embargos, ministro Evandro Valadão, conheceu do apelo por entender que a alegada divergência era válida e específica, o que atrai a função da SDI-1 de uniformizar a jurisprudência das Turmas do TST.

Entendimento da SDI-1

Segundo o relator, embora tenha sido identificada divergência entre as Turmas, a controvérsia já se encontra pacificada. O ministro destacou que, em um caso anterior com características idênticas e envolvendo a mesma empresa, a SDI-1 consolidou o entendimento de que o limite correspondente a um mês de remuneração do empregado não deve ser ultrapassado por quaisquer descontos, incluindo aqueles autorizados pelo artigo 462 da CLT ou abordados na Súmula 342 do (TST), como adiantamentos e contribuições previdenciárias.

Objetivo da norma

Evandro Valadão ressaltou que o objetivo da norma que limita os descontos ao valor de um mês de remuneração é garantir recursos mínimos ao trabalhador cujo contrato foi rescindido. O ministro também fundamentou a impossibilidade dos descontos referentes às contribuições previdenciárias na Súmula 18 do TST, segundo a qual a compensação, na Justiça do Trabalho, está restrita a dívidas de natureza trabalhista.

Resultado

Dessa maneira, foi mantida a condenação da Teksid à devolução dos valores descontados na rescisão do contrato de trabalho que extrapolaram o limite remuneratório de um mês de remuneração do empregado.

A decisão foi unânime. Com informações do técnico judiciário Bruno Vilar, compiladas pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do TST.

Clique aqui para ler o acórdão

E-ED-ARR – 10016-78.2016.5.03.0087

INTENÇÃO DE LUCRO
Desconsideração da personalidade jurídica de associação civil só atinge os dirigentes

Admite-se a desconsideração da personalidade jurídica de uma associação civil, desde que a responsabilidade patrimonial se limite aos associados em posições de poder na condução da entidade, segundo a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Para o colegiado, não se pode estender essa responsabilização ao conjunto dos associados, os quais têm pouca influência na eventual prática de irregularidades. A decisão foi unânime.

O recurso julgado dizia respeito ao cumprimento de sentença que determinou à associação civil Associa Shopping 10 o pagamento de indenização decorrente do uso indevido da marca Unidas, pertencente à Unidas Multimarcas Comercial de Veículo e Peças Ltda.

Diante das infrutíferas investidas sobre o patrimônio da associação, o juízo de primeiro grau acolheu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica para apreensão de bens de seus dirigentes.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) manteve a decisão proferida em primeira instância, por reconhecer a ocorrência de abuso da personalidade jurídica, confusão patrimonial e desvio de finalidade. Os dirigentes da associação recorreram do acórdão do TJDFT, alegando a inviabilidade da desconsideração da personalidade jurídica.

Falta de regramento específico não impede responsabilização

Ministro Marco Aurélio Bellizze foi o relator
Foto: Sergio Amaral/STJ

O relator do recurso no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que o instituto da desconsideração surgiu como uma tentativa de solucionar situações decorrentes do descompasso entre as finalidades da pessoa jurídica admitidas em lei e aquelas para as quais esteja sendo realmente utilizada.

De acordo com o ministro, ‘‘apesar da vasta legislação pátria tratando do tema, não há nenhuma regra específica para as associações civis, visto que a matéria é voltada, em regra, para as pessoas jurídicas societárias, sobretudo aquelas de responsabilidade limitada, havendo poucos estudos sobre a desconsideração da personalidade jurídica das sociedades anônimas ou das associações civis e fundações’’.

Ao sustentar que a falta de regras específicas não impede a aplicação do instituto no caso em julgamento, Bellizze afirmou que, em se tratando de associação civil, é preciso considerar o número geralmente maior de associados e ‘‘a natural dissociação entre a posição de administração da pessoa jurídica e a simples posição de pertencimento a esta, o que acaba por causar grandes embaraços para a incidência da desconsideração de forma simplista’’.

Requisitos legais para a desconsideração devem ser observados

Embora haja diferenças estruturais e funcionais entre sociedades empresárias e associações, o relator entendeu que a desconsideração é possível, mas ‘‘o mais prudente é a imputação de responsabilidade apenas aos associados que estão em posições de poder na condução da entidade, pois seria irrazoável estender a responsabilidade patrimonial a um enorme número de associados que pouco influenciaram na prática dos atos associativos ilícitos’’.

O ministro ressalvou que o reconhecimento da possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica de associações civis não dispensa a verificação dos requisitos legais para a sua decretação.

No caso em análise, ele comentou que o TJDFT manteve a desconsideração com base no abuso da personalidade jurídica, com desvirtuamento de seu propósito, pois a entidade executava atividade comercial com claro objetivo de lucro, o que caracterizou desvio de finalidade, além de ter sido verificada confusão patrimonial entre associação e associados.

Ao votar pelo desprovimento do recurso – no que foi acompanhado pela turma julgadora –, Bellizze destacou que ‘‘a desconsideração da personalidade jurídica da associação está atingindo apenas o patrimônio daqueles associados que exerceram algum cargo diretivo e com poder de decisão dentro da entidade’’. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

Leia o acórdão no REsp 1.812.929

DANOS MORAIS
Súper que não trocou nome de funcionário transgênero em crachá é condenado a indenizá-lo

Reprodução Anoreg

Um operador de loja de uma rede de supermercados deverá receber indenização por danos morais em razão de discriminação de gênero sofrida no ambiente de trabalho. A decisão foi da juíza Ana Paula Kotlinsky Severino, do Posto da Justiça do Trabalho de Tramandaí, no Litoral Norte gaúcho.

Conforme comprovado no processo, o trabalhador solicitou a troca de nome no crachá, diversas vezes, ao setor de recursos humanos (RH) do supermercado, e não foi atendido. O valor da reparação foi fixado em R$ 5 mil.

Testemunhas confirmaram que o trabalhador era chamado por outro nome masculino que não o nome com o qual ele se identificava. A empresa admitiu que foi feito um crachá ‘‘de próprio punho’’ com um nome que se assemelhava ao nome feminino de registro.

Crachá improvisado virou piada na empresa

Em sua defesa, a empresa alegou que os documentos oficiais entregues pelo empregado tinham seu ‘‘nome de batismo’’, e por isso não seria possível fazer a alteração no sistema. De acordo com o trabalhador, o crachá improvisado, fora do padrão da empresa, gerava piadas e risadinhas entre os colegas.

A empresa afirmou que mantinha código de conduta e política interna de combate ao assédio. Informou, também, que desconhecia situações de brincadeiras que envolvessem o trabalhador, tanto por parte de colegas como de clientes.

Juíza Ana Paula K. Severino
Banco de Imagens/ Secom/TRT-4

Para a juíza Ana Paula, a exigência de que o empregado providenciasse a troca de nome nos documentos, para só então fazer a nova identificação, representa limitação indevida à expressão dos direitos da personalidade dos trabalhadores, sem amparo no ordenamento jurídico.

Ofensa a direitos de personalidade

“O abalo moral sofrido pelo trabalhador em face das ofensas contra seus direitos de personalidade, direito ao nome e de expressão de gênero foram evidentes, causando-lhe dor, angústia e abalo psicológico’’, ressaltou a magistrada.

‘‘Demonstrada a inércia da reclamada em reconhecer e aplicar o nome social  do  reclamante e sua negligência quanto à identificação isonômica do trabalhador em seu crachá, bem como considerando a discriminação sofrida pelo autor em razão de sua identidade de gênero, por parte dos colegas de trabalho, resta configurada a responsabilidade da reclamada’’, concluiu a juíza na sentença. A decisão foi fundamentada nos artigos 186, 927, caput, e 932, inciso III – ambos do Código Civil.

O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, conforme Resolução 492/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi adotado no julgamento.

A empresa recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4, Rio Grande do Sul). Com informações de Sâmia de Christo Garcia/Secom/TRT-4.