CUSTO DA IRRESPONSABILIDADE
Recuperações judiciais no agro e os arrendatários: o ‘‘soerguimento impossível’’

Reprodução/Acervo do Autor

Por Eduardo Lima Porto

A realidade pós-deferimento de uma recuperação judicial (RJ) é dura para qualquer empresa. No setor agrícola, entretanto, essa dureza se torna especialmente cruel para os produtores arrendatários.

Ainda que os planos de recuperação apresentem haircuts (reduções dos ativos) superiores a 50% do valor das dívidas, prazos de pagamento estendidos por mais de 10 anos e juros simbólicos e períodos de carência inicial, a ausência de garantias reais e a consequente restrição de acesso ao crédito bancário empurram o arrendatário para a informalidade ou para o capital privado de natureza predatória – os conhecidos ‘‘agiotas’’. Nessas condições, o êxito de qualquer plano de recuperação de longo prazo torna-se altamente improvável.

Tais circunstâncias deveriam ser observadas com mais rigor pelo Poder Judiciário, pois a inviabilidade econômica efetiva do devedor é um fundamento que impõe, nos termos da legislação falimentar, a convolação da recuperação em falência.

Dada a alta volatilidade dos preços agrícolas, o aumento contínuo dos custos de produção, a elevação das taxas de juros e, sobretudo, a incerteza climática que é o maior risco da atividade, impõem-se as seguintes questões:

– Qual o grau de ‘‘recuperabilidade’’ possível de produtores arrendatários que estarão fora do sistema formal de crédito?

– Por que o Judiciário, por vezes, ignora fragilidades estruturais evidentes?

Além disso, os fornecedores de insumos e os bancos que figuram como credores em várias dessas RJs, especialmente nas que apresentam proporção de áreas arrendadas muito superior às áreas próprias, também precisam ser seriamente questionados:

– Quais são, de fato, as garantias exigidas dos arrendatários para liberação de crédito?

– Se essas garantias foram consideradas suficientes para aprovar volumes significativos de financiamento, qual é a diferença nas taxas de juros e na percepção de risco em relação aos proprietários que alienam fiduciariamente as suas fazendas?

– Como é realizado o monitoramento do risco, especialmente quando o arrendatário é pessoa física?

– Há algum controle eficaz sobre a alocação dos recursos financiados?

– Quais os mecanismos concretos de mitigação de risco implementados?

– É prática comum vincular seguro de vida prestamista à atividade do produtor arrendatário?

– Existe algum tipo de verificação técnica ou financeira da capacidade de gestão do arrendatário?

A avalanche de recuperações judiciais envolvendo produtores que cultivavam mais de 70% de sua área total em regime de arrendamento revela, com clareza desconcertante, que os critérios mais elementares de análise de crédito foram negligenciados, tudo em nome do crescimento do market share, da elevação dos EBITDAs ajustados e, principalmente, da maximização dos bônus executivos.

Agora, o custo dessa irresponsabilidade está sendo socializado. Quem não foi aventureiro e sempre cumpriu suas obrigações está sendo penalizado.

Os deals (acordos) celebrados com estardalhaço por operadores de dívida, que por um breve instante serviram de vitrine para carreiras e EBITDAs inflados, hoje são marcas de incompetência irrefutável. E um atestado de vergonha profissional.

Eduardo Lima Porto é diretor da LucrodoAgro Consultoria Agroeconômica